sexta-feira, 31 de março de 2017

a ESPIRITUALIDADE no Cinema: À BEIRA MAR, de Angelina Jolie

A atriz Angelina Jolie buscou um olhar europeu de contemplação da vida enquanto proposta narrativa de seu último filme como diretora: À BEIRA MAR, 2015, em que atuou, também, seu ex-marido Brad Pitt. O que realizou contando a história de amor interrompido do casal Vanessa e Roland, drama exposto assim que um novo casal aquecido de amores em lua de mel se hospeda junto deles num hotel litorâneo da França. Mas os anseios técnico-cinematográficos de Angelina ficaram pelo meio do caminho, como bem observou Caio Pimenta, da "cineset": "À Beira Mar, entretanto, não deixa espaços para desenvolver o drama de seus personagens. A opção por sempre fazer cenas curtas, quando a sequência pede paciência para trabalhar gestos ou reações, mata o filme. Cada corte representa o fim da possibilidade de tensão, dando uma pretensa fluidez desnecessária, justo em momentos que deveriam causar desconforto semelhante ao vivido pelo casal protagonista. É como se a ideia fosse para soar como Antonioni e a execução tivesse influência de Michael Bay.". Enfim, ainda que o filme apresente algumas dificuldades no seu desenvolvimento narrativo, nem tudo está perdido, afinal. Até porque o nosso interesse aqui é a Espiritualidade, e algumas reflexões relevantes surgem na história deste casal que perdeu três filhos logo no início da gravidez, em razão da esterilidade da protagonista... A partir daí, o tema primordial que o filme desenvolve é a percepção de que certos acontecimentos passados de nossa história tornam-se definidores dos dias futuros. Pois certas ocorrências da vida são como que sentenças condenatórias da maneira como iremos nos portar nas situações porvir da nossa existência. E o primeiro drama que vemos acontecer dentro deste contexto é o que surge a partir da vivência sexual do casal protagonista. Uma intimidade relacional que se tornou vazia e inexistente pra eles, posto que foi tragada pela tragédia dos filhos gerados e não nascidos. Não há dúvida de que a dor de um casal que não alcançou o sonho do filho próprio é uma sequela que vai provocar consequências sérias e duradouras, o que é muito compreensível. O que salta aos olhos é o quanto as experiências de morte relacionadas às relações sexuais do casal, acabam apagando, também, seus afetos íntimos. De alguma forma, estamos diante de mais um revés premeditado da supervalorização da sexualidade humana que observamos ocorrer nas últimas décadas. Pois o trauma conjugal se instala na própria relação sexual do casal, já que a intimidade que deveria gerar filhos - ao não fazê-lo, transformou-se no drama que impede a mulher agora, de ser esposa. A consequência é uma atitude de grave desprezo à relação sexual, pois tal experiência é castrada da vida comum do casal. Do mesmo modo que da alma se deseja retirar os traumas da perda dos filhos sequer nascidos. A ironia da situação é que uma decisão que aparenta originar de uma atitude de desprezo da sexualidade; é, na verdade, um fruto da sua supervalorização. Pois é necessário alguém valorizar demais o sexo, definindo-o como algo superior, para então, negar a si próprio sua experiência, a partir de desgraças e dores relacionadas à sua prática. Daí origina a decisão de negar a si mesmo tal experiência íntima, já que dela não se permite mais participar, pois incapaz de partilha-la no sentimento de doação que considera ideal à sua vivência. Eis um engano que não poderia ser maior. Pois a experiência sexual - conforme ensina a boa e saudável espiritualidade, é tão somente o momento, em ato final, de um encontro relacional afetivo construído através de olhares e toques, abraços e beijos, afetos e carícias, até que se alcance o contato íntimo total. Existe algo mais simples, e natural, do que isso, numa relação de afetividade entre um homem e uma mulher? Mas o contrário também ocorre, pois há aqueles que supervalorizam a sexualidade a ponto de buscar sua prática de mil jeitos, e caras e bocas. Só que o resultado que alcançam de suas variadas e criativas experiências, é que nisso muito se viciam. Ao mesmo tempo, também, que pouca satisfação disso obtém. Ficarão cheios de muita paixão, e com pouco amor, no final. E com uma só consequência para ambas as situações: a perda da intimidade sexual do casal, em razão do desconforto que agora os une. Uma boa indicação de saúde afetiva para ambos os casos é seguir o princípio espiritual da intimidade sexual; que constrói uma melhor relação conjugal através de uma natural progressão das carícias entre o casal. Mas o filme não é feito apenas de experiências traumáticas da humanidade, como se a desgraça fosse uma consequência certa da vida, sempre transformando perdas do passado em dores (eternas) do presente. Pois há um velho homem do vilarejo que não se deixou dominar pelos destinos traumáticos das perdas passadas. O bom coração do proprietário de restaurante quase bonachão sempre recorda de sua falecida esposa, mas isso é algo que experimenta de jeito e maneira saudáveis, demais. Ele nem deixa sua esposa cair no esquecimento, como igualmente não despreza seus relacionamentos atuais. A valorização habitual da antiga vida conjugal, não impede sua alma de permanecer sensível às novas situações e pessoas que a vida continua lhe trazendo pra conhecer, e conviver. A capacidade de seguir adiante com a vida mantendo na alma o que de bom já se viveu. E a condição de olhar com esperança o futuro, cheio de boas expectativas para o que um dia virá, torna-se, então, um bom princípio espiritual existencial da história. Pensamento que o próprio personagem escritor parece reconhecer ao findar do livro, e do filme. Algo que ele anota com certa poesia dramática visual, quando em simplória observação da natureza que rodeia o filme, enxerga nas idas e vindas das marés das águas, a boa continuidade do ciclo da vida. Não enquanto a repetição e mesmice de uma mesma história, mas sim, pra reconhecer a força e vigor de uma realidade que é a própria essência de algo que permanece vivo, pois sempre em relacionamento com tudo que o cerca. Tal condição de superar tragédias pra viver com equilíbrio a vida que segue, tem sua orientação espiritual correspondente na impactante e conhecida frase do Apóstolo Paulo: "Tudo posso naquele que me fortalece!" Pois o princípio espiritual definido por São Paulo não se refere ao sucesso, mas trata, sim, da serenidade. Virtude da espiritualidade que mantém a pessoa vivendo continuamente dentro de uma só personalidade, esteja ela na abundância, ou com quase total falta de bens. O que se deseja não é que a pessoa sorria na desgraça, mas sim, que saiba chorar até seu limite saudável. O propósito é impedir que a perda vire desgraça, até que um dia nos arruíne por completo. O que muito fortalecia o Apóstolo era exatamente a presença de um outro espírito, e pessoa na vida dele. O próprio Espírito de Deus! Ser espiritual que se tornou uma presença sábia e serena atuando diretamente na sua alma. Alguém que foi capaz de transferir para a personalidade interior do Apóstolo, os sentimentos necessários para que ele seguisse em frente com sua história. Não é nada, não é nada, é uma boa pessoa pra se ter junto a fim de se manter equilibrado e esperançoso em tempos de aflição e dificuldades. Tempos iguais aos nossos, afinal. Cuide-se melhor, então! E uma boa espiritualidade pra todos nós.

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