domingo, 28 de agosto de 2022

Carta a Filemon. Encontros de PEQUENOS GRUPOS da Igreja Presbiteriana Olaria, Agosto de 2022, II.

TEXTO Bíblico Base: Carta do Apóstolo Paulo a Filemon. COMENTÁRIO: No verso 6, o Apóstolo Paulo faz orações para que a "Comunhão da Fé" de Filemon possa crescer, até ele receber tudo de bom que Deus derrama sobre nós, em Cristo. A Comunhão da Fé que deve ser desenvolvida por Filemon tem a ver com "compartilhar as vivências" da fé cristã junto dos irmãos da igreja. No caso e naquela situação, Paulo também pede que Filemon perdoe um escravo fugitivo e comece a trata-lo como um irmão em Cristo, pois em Jesus; Paulo, Filemon e Onésimo são filhos de Deus em igualdade de valor e dignidade. COMPARTILHAR: 1. Paulo pede para Filemon algo que ele poderia ordenar como Apóstolo e lider cristão, já que o perdão é um mandamento. Você aceita que alguém lhe ordene algo em nome de Cristo, e você entende que isto seria algo bom para os cristãos hoje em dia? 2. Como vai a sua "Comunhão da Fé", ou seja, você consegue meditar na Palavra e orar junto com os irmãos, e consegue desenvolver boas obras e ministérios na companhia dos irmãos? 3. Paulo ora pelo crescimento da fé de Filemon e ora pra ser liberto da prisão. Como está a sua confiança na oração atualmente? TEMPO DE ORAÇÃO pelos pedidos do grupo e pela Celebração e Comunhão dominical dos irmãos na Igreja, aos domingos. BOA SEMANA!

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE J. CALVINO. Fatesul, 2022.

A doutrina cristã que iniciou na história a formatação de uma Teologia Reformada surgiu a partir do pensamento e reflexões do lider protestante João Calvino, no século 16. Iremos apresentar nessa aula, textos introdutórios sobre o pensamento de João Calvino acerca do conhecimento de Deus e do homem, e da Soberania de Deus sobre a história e sociedade dos homens, além de citações do livro de André Biéler, e ainda, um artigo de Henri Strohl, do livro A Obra dos Reformadores. INTRODUÇÃO. “Meu objetivo nessa obra é preparar e treinar estudantes de teologia para o estudo da palavra de Deus, para que possam ter um fácil ingresso no estudo dessa palavra e sejam capazes de lhe dar continuidade sem obstáculos.” (João Calvino. Comentário sobre a obra: Institutas da Religião Cristã. McGrath, p 111, 2005). O maior pensador da Reforma Protestante desenvolveu um valioso tratado religioso ao apresentar os conteúdos do Cristianismo num modelo que valoriza a teologia bíblica, ao mesmo tempo em que comunica de modo sistêmico, coerente e sequencial as doutrinas cristãs. Nas palavras de Alister McGrath, “o único princípio que parece nortear a forma como ele organizou seu sistema teológico é, por um lado, a preocupação de ser fiel às Escrituras e, por outro lado, a obtenção de máxima clareza possível na apresentação dos temas.”(p 103, 2005) Na apresentação da introdução ao livro de J. Calvino, “A verdadeira Vida Cristã”, o teólogo Ricardo G. destaca o seguinte aspecto hermenêutico acerca do reformador: “Calvino foi um exegeta notável, tornando-se o mais importante modelo da aplicação do método histórico-gramatical... Calvino insistia ainda na unidade e harmonia do ensino bíblico, evitando assim o erro tão comum em nossos dias de interpretar um referido texto alienado de seu contexto canônico-teológico.” (p 6, 2001) O interesse constante por resguardar o ensino divino existente em cada um dos versos bíblicos, aliado ao propósito de anunciar tal verdade conforme o contexto geral da revelação das Escrituras, fez com que os comentários e, especialmente, “As Institutas” de Calvino, viessem a se tornar um conteúdo teológico ímpar no Cristianismo, devido à profundidade e abrangência de suas formulações. CONTEÚDO. O Conhecimento de Deus. A Soberania e Providência de Deus. A responsabilidade do homem. Para Calvino, a sabedoria verdadeira acerca da existência consiste no conhecimento que temos de Deus, e no conhecimento que temos de nós mesmos, segundo a revelação de Deus, pois somente assim iremos anotar um entendimento real de nossa natureza. Sendo que “conhecer a Deus” significa saber que Ele é nosso Criador, além de ser o sustentador de tudo que há através de sua providência, governando a história com sabedoria, justiça e cuidado amoroso.” (Wiles, p 25, 1994). O PRIMEIRO conhecimento bíblico que adquirimos ao olhar para Deus aponta o princípio com que Deus governa a história e a sociedade dos homens, o qual irá indicar aos cristãos o modo em que devem perceber e praticar a sua responsabilidade de mandato social. Para Calvino, ao governar a humanidade através de sua providência, Deus revela sua bondade aos justos e sua severidade aos ímpios, sendo necessário salientar que há crimes que recebem castigos hoje, enquanto outros serão castigados apenas no futuro. (Wiles, p 34-35, 1984). Observe que o conhecimento desse princípio da Providência irá nos ensinar o conteúdo mais amplo acerca do modo como Deus é o Criador do Universo, dando-nos a compreensão da maneira como Ele sustenta, governa e preserva tudo que existe, movendo toda providência segundo o seu poder. Portanto, a filosofia e razão dos homens que define Deus como sendo apenas a causa primária da criação, vai limitar o nosso conhecimento da providência, enquanto também nos fará desprezar a bondade que o Senhor dedica a todas as suas criaturas. (Wiles, p 87-89, 1984). UM SEGUNDO ASPECTO importante de nossa compreensão do tema, é descobrir que no instante em que Deus governa todas as coisas pela sua providência, Ele vai atuar na história através de causas secundárias, como também, sem estas causas e até contrariamente a elas. Ele é o Soberano Senhor! Calvino utiliza o conselho bíblico de Salomão em Provérbios 16.9, para expor o modo como os decretos da governança de Deus sobre a existência não devem nos impedir de assumir uma atitude de “providência pessoal” no dia a dia. Pois foi o próprio Deus que nos deu tanto a responsabilidade de cuidar de nossas vidas, como igualmente nos capacitou com tudo que é necessário para preserva-la, já que nos orienta a prever perigos, agir com precaução e utilizar remédios. Portanto, ao perceber que os seres humanos se tornam uma das “causas secundárias” da providência pelas quais Deus governa a terra, devemos assumir a responsabilidade de zelar por nossas vidas, usando os meios fornecidos pelo Senhor, a fim de não sermos negligentes neste conhecimento. Nesse contexto, assim que o cristão reconhece que tudo está debaixo da ordenação de Deus, também dedica o devido valor e atenção às causas secundárias, sabendo que os meios cotidianos de cuidar de sua segurança foram dados pelo Senhor. A partir disso, irá utilizar os meios divinos como instrumentos da providência do Senhor para cuidar da humanidade, vindo a abraçar e assumir, tanto sua dependência de Deus, como a sua responsabilidade no mandato social cristão diante do mundo. (Wiles, p 95-98, 1984). Estes dois elementos do Governo de Deus sobre a Terra revelam tanto o cuidado do Senhor sobre a história, como a responsabilidade dos cristãos, já que estes recebem de Deus um mandato para atuar na sociedade dos homens. Afinal, o Senhor irá agir no mundo a partir da vida e personalidade de cada fiel, que irão servi-lo como agentes das “causas secundárias” de sua Providência. Um terceiro aspecto da governança bendita de Deus sobre o mundo surge no conhecimento da importância de sua lei moral, como sendo um elemento utilizado para instruir o homem, resguardar a sociedade do mal e propor o conhecimento da necessidade do Evangelho para a salvação de todo aquele que crê! SEGUNDO CALVINO, a Bíblia ensina que a lei moral de Deus tem três propósitos na história da humanidade e sociedade dos homens. Em primeiro lugar, o teólogo entende que a lei moral divina serve para anunciar e formalizar a culpa de todo homem diante de Deus, no objetivo de gerar temor nos seres humanos, algo que irá conduzi-los a buscar o conhecimento da misericórdia do Senhor; conforme se anuncia no Evangelho de Jesus Cristo. A LEI MORAL de Deus serve, então, para revelar a justiça de Deus, pois somente esta convence o homem de sua própria injustiça. Sendo que, somente os padrões da moralidade divina são capazes de demonstrar ao homem o seu estado de fraqueza e de condenação; conforme explica o Apóstolo Paulo: “pois eu não teria conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás.” E, conforme Agostinho, “a lei serve para convencer o homem da sua fraqueza e a compeli-lo a orar pela graça curadora que há em Cristo.” (Wiles, p 149, 1984). Esse é um aspecto relevante acerca da responsabilidade social do cristão, pois a sociedade dos homens somente terá conhecimento da justiça do caráter de Deus, caso os cristãos venham anunciar tal verdade moral, mediante toda cultura e política, artes e educação que tiverem sob sua responsabilidade para praticar e desenvolver socialmente. O SEGUNDO elemento de importância da LEI MORAL divina orienta que ela serve para Deus governar a história pela sua Providência, no propósito de refrear a maldade dos atos dos homens que não se preocupam com o que é certo e com o que é errado. A lei moral de Deus serve para reprimir os homens através de freios e limites, como uma retidão necessária à toda humanidade, pois se não existisse esta proteção e resguardo da sociedade, o mundo se tornaria um lugar totalmente selvagem. Esse segundo aspecto complementa a responsabilidade social dos cristãos enunciada no primeiro, revelando o modo como leis civis originárias de valores cristãos irão oportunamente refrear a natureza humana na sociedade, segundo os padrões da justiça e moralidade de Deus. UM TERCEIRO aspecto importante do anúncio da lei de Deus é que a sua instrução é útil para ensinar os cristãos qual é a vontade de Deus para eles, como um elemento de apoio na sua jornada existencial. Pois o Espírito de Deus vive hoje em seus corações, a fim de conduzi-los no conhecimento e obediência dos mandamentos do Senhor. (Wiles, p 149, 1984). OUTRO ELEMENTO surge a partir de um olhar mais amplo acerca da existência, indicando a forma em que a lei moral divina se torna o instrumento utilizado para gerar um bom conhecimento da Pessoa de Deus, à toda humanidade. Pois a lei moral de Deus constrange os homens a adora-lo, enquanto também os conduz à humildade, sobre si mesmos. Calvino esclarece que a própria consciência do ser destaca a maneira em que os princípios morais de Deus foram escritos no interior e coração do homem. No entanto, somente a lei divina irá dar um testemunho claro e seguro acerca do certo e errado para a humanidade, já que a lei interior é insuficiente para fazer isso, em razão de nossa ignorância e vaidade. Nessa situação, os homens poderão admitir que estão longe da vontade de Deus, a cada vez que puderem comparar as suas vidas diante das exigências da lei, algo que também irá conduzi-los a buscar a misericórdia divina como um recanto de segurança. (Wiles, p 151-153, 1984). Após destacar os três aspectos de importância da lei moral bíblica no exercício do governo da Providência sobre a humanidade, e após esclarecer o valor da lei perante a consciência do homem, a fim de também convoca-lo a conhecer a misericórdia de Deus no Evangelho; Calvino apresenta o modo como os 10 Mandamentos são os fundamentos da Lei moral de Deus na história. O REFORMADOR entende que os 10 MANDAMENTOS representam uma justiça interior e espiritual, pois seus princípios alcançam os pensamentos do coração do homem. Esse aspecto fundamenta o modo como o Senhor Jesus veio resumir toda a lei em dois atos: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Mateus 22.37, Lucas 10.27). Nesse contexto, em que os princípios morais dos 10 mandamentos são os fundamentos da Lei do amor de Jesus, Calvino enfatiza a superioridade do padrão moral e relacional da lei de Deus na sociedade, como sendo os mais excelentes valores e princípios que deverão reger e orientar a vida social da humanidade. Assim, todo conteúdo da justiça de Deus deve ser percebido como um código de boas obras completos, posto que não haveriam quaisquer outros conhecimentos e virtudes capazes de superar aqueles que nos foram descritos por Moisés e Paulo. Entendimento que faz o Apóstolo afirmar que “toda a lei se cumpre em uma só palavra, a saber, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5.14). O conteúdo moral dos mandamentos enfatizado no resumo da lei dada por Jesus, traduz os valores que devem nortear a verdadeira obediência aos mandamentos de Cristo; sendo um conhecimento que deve ser oferecido e vivenciado de maneira ampla perante a humanidade, conforme o ensino da parábola do Bom Samaritano. (Wiles, p 153-164, 1984). Calvino recorda a importância de nos relacionarmos perante a humanidade segundo os padrões morais de Cristo, pois as exortações morais provenientes dos filósofos nos mandam viver a vida conforme é apropriado à natureza humana. Algo impróprio para ser praticado ou defendido pelos cristãos, já que afora o fato de somente as Escrituras ensinarem o exemplo de Jesus aos homens, todos aqueles que seguem o conteúdo dos filósofos não irão carregar ou ensinar nada de Cristo, além do título. Para Calvino, a doutrina dos filósofos orienta a maneira em que o homem será governado pela razão, enquanto que a filosofia cristã afirma que a nossa racionalidade deve estar submetida ao Espírito Santo, no propósito de que possamos viver em Cristo, e não mais, em nós mesmos. (Wiles, p 237-239, 1984). Citação final: “Se houve qualquer movimento religioso, no século 16, que tenha tido uma atitude afirmativa em relação ao mundo, esse foi o Calvinismo.” (Alister McGrath) (p 249, 2005). O PENSAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DE CALVINO, André Biéler. Vamos abordar agora, citações de Calvino e anotações do pesquisador André Bieler, como um conteúdo que vem ampliar o conteúdo de João Calvino sobre a Cosmovisão Reformada para a vida do cristão em sociedade. "O movimento da Reforma em Genebra é antes de tudo um movimento religioso que diz respeito à fé, seja dos indivíduos, seja da comunidade. Não é senão em consequência desta fé que a Reforma repercute - necessária, mas secundariamente - na vida social e política." (Biéler, p 105, 1990). "A redenção do mundo por Jesus Cristo se realiza, então, no universo como um todo e sua natureza; o alvo primário desta ação de Deus, porém, é a restauração da humanidade. É este o aspecto da obra de Cristo que desejamos considerar agora. Que significa esta restauração para a vida da sociedade? (...) A Igreja constitui entre os homens uma sociedade nova, uma comunidade no seio da qual as relações humanas originais são restauradas por Jesus Cristo; através desta comunidade tende a Igreja à restauração parcial da sociedade humana autêntica. (...) Na comunidade cristã as relações sociais naturais são-no na perspectiva da restauração." (p 334-335, 1990). "É também pela vontade de Deus, e por sua Providência operando por Jesus Cristo, que a economia primitiva da sociedade, corrompida pelo pecado dos homens é, a despeito de tudo, mantida até o fim dos tempos." (p 341, 1990). "A igualdade espiritual que reina e impera na Igreja não suprime, pois, a legitimidade de uma ordem política e social provisória onde as funções são diferenciadas e hierarquizadas. (...) Pode parecer que a moral social reformada seja favorável à conservação de uma ordem social estática. Não o é. O Evangelho, ao contrário, é uma força dinâmica, sempre tendendo a reformar a ordem estabelecida, para transformá-la em uma ordem mais justa, pois que, não importa qual ordem, está sempre em vias de corromper-se sob o efeito do pecado." (p 342, 348, 1990). "Toda esta ordem social relativa necessária à conservação da sociedade, não menos que a ordem parcialmente restaurada na igreja, não tém valor nem fim em si. Não existem, uma e outra, senão em vista da vinda definitiva do Reino de Deus. Não tem, pois até lá senão uma existência provisória. E toda a história humana se desenrola na expectação desse evento." (* "Nessa cruz percebemos um triunfo mais do que magnífico, triunfo que aos maus está oculto, pois que nós aí reconhecemos que, apagados estando os pecados, foi o mundo reconciliado a Deus, a maldição abolida, Satanás derribado." Calvino, comentários ao Novo Testamento apud Biéler). "Em consequência da vocação fundamental do homem, chamado, em primeira planta, a conhecer a Deus e, então, incumbido de associar-Lhe á obra da Providência, com sujeitar a si a terra e toda a Criação, apresenta-nos a Bíblia mui naturalmente o trabalho agrícola como a atividade primária da humanidade (...) Esta vocação essencial, entretanto, não é limitada ao trabalho do campo. Por sua inteligência, por sua reflexão e por sua atividade técnica, a criatura de Deus é chamada à descoberta, ao conhecimento e ao senhorio de todo o Universo." (p 565-566, 1990). (* "Entretanto, não há como esquecer que todas essas graças são dádivas do Espírito de Deus, que Ele distribui com quem bem lhe parece, para o bem do gênero humano." Calvino, Institutas tomo II cap II apud Biéler p 569). "A ciência, com efeito iluminada pela fé, ajuda-nos a compreender Deus." (p 571, 1990). (* "Infinitos ensinamentos há tanto no céu quanto na terra para no-Lo atestar o admirável poder, tais os segredos da própria natureza que requerem estudo especial e o saber da astronomia, da medicina e de toda a física..." Calvino, Institutas Tomo I cap V apud Biéler p 571). "Em numerosas passagens de seus escritos, definiu Calvino as artes como dons de Deus extremamente preciosos, inspirados por Seu Santo Espírito. O Criador de todas as coisas é também Aquele Que embeleza a vida dos homens com todos os ornamentos do espírito que Ele lhes prodigaliza e com todas as obras que lhes permite executar para Sua glória." (p 573, 1990). (* "A invenção das artes e outras coisas que servem ao bem comum e ao conforto desta vida é um dom de Deus que não é de desprezar e uma virtude digna de louvor." "Artistas e artesãos: servidores da sociedade. * "Somos ensinados que nenhum artesão, da mais baixa condição, não atua em sua profissão, senão na medida em que o Espírito de Deus nele opera. Embora diversos sejam os dons, não há senão um Espírito do qual defluem os dons todos (1 Co 12.4), segundo a Deus haja aprazido a cada um distribuir por medida. Isto não se aplica somente em relação aos dons espirituais, que se seguem à regeneração, mas a todas as ciências que concernem ao viver comum." Calvino, comentários aos cinco livros de Moisés apud Biéler p 579). "Como já observamos a propósito da doutrina calviniana do trabalho, o Reformador de Genebra é o primeiro dos teólogos de sua época a discernir, com tanta clareza, o papel providencial que exercem na sociedade e na conservação do gênero humano... as trocas e, consequentemente, todos aqueles que se voltam ao comércio. (...) Levantou-se Calvino contra os monopólios que se atribuíam certos grandes mercadores, certos representantes das altas finanças, e contra os prejuízos que estes causavam ao resto da sociedade por sua contribuição à alta dos preços e ao encarecimento do custo de vida." (Biéler, p 584, 1990). O PENSAMENTO DE CALVINO, segundo Henri Strohl. “Se houve qualquer movimento religioso, no século 16, que tenha tido uma atitude afirmativa em relação ao mundo, esse foi o Calvinismo.” (Alister McGrath; p 249, 2005). A obra, “O pensamento da reforma”, de Henri Strohl veio suprir na década de 1960 uma lacuna considerável na formação de estudantes e acadêmicos de teologia. O conteúdo do livro aborda de forma didática, temas abrangentes do pensamento dos principais teólogos da Reforma. E, nesse tópico de nosso artigo, iremos utilizar as considerações do tema da Providência de Deus, segundo análise desenvolvida pelo autor ao pensamento de João Calvino. O PENSAMENTO de João Calvino acerca da importância da moralidade divina no mandato social do cristão está contido dentro do tema maior da Providência de Deus. Segundo Strohl, Calvino trata do tema da Providência na perspectiva de realçar o “equilíbrio entre a dependência absoluta de Deus e o dever humano da previdência.” (p 153, 2004) Calvino se posiciona contrariamente à visão “estoica” da providência, que entendia o mundo como sendo uma máquina em movimento, o que o fez salientar o aspecto sobre o modo em que a providência divina tem uma atenção e cuidado especiais pela existência de cada criatura. Portanto, a Pessoa de Deus deve ser percebida como o mestre e moderador de todas as coisas, o que significa que o Senhor vai “presidir de tal modo que as coisas presididas se conduzam com ordem e harmonia” Nesse contexto, a experiência de José no Egito se torna um exemplo utilizado por Calvino, para representar o modo como Deus governa os atos maus dos homens no interesse de que se tornem algo bom, segundo seus propósitos. (p 108, 196, 2004). UM SEGUNDO ASPECTO destacado pelo autor, apresenta o olhar calvinista de que os atos da providência de Deus não negam a importância dos atos da previdência humana, posto que, ao contrário, requerem da humanidade que assuma e pratique integralmente toda ação que for de sua particular responsabilidade. A interpretação dada ao texto bíblico de Provérbios 16.9 esclarece o princípio: “O coração do homem deve considerar seus próprios caminhos, e o Senhor governará os seus passos.”; sendo que nesse texto, Calvino deseja salientar a maneira como “o decreto eterno de Deus não impede que conduzamos em ordem nossa vida,” conquanto as nossas atitudes ocorram segundo a sua vontade. Segue um destaque das afirmações dadas pelo reformador: “Reconheçamos, portanto, nosso dever. Se o Senhor confiou-nos a guarda de nossa vida, conservemo-la; se nos concedeu meios para tal fim, usemo-lo; se nos aponta perigos, não nos lancemos neles estupidamente; se nos oferece remédios, não os desprezemos... O acautelar-se e o proteger-se são dons inspirados por Deus para que os homens conservem a vida e, assim, sirvam ao seu propósito.” (Strohl, p 113-115, 2004). A plena confiança em Deus não deve impedir o homem de fazer o que lhe cabe, mas sim, obriga-nos a praticar o que Deus delegou sob a nossa responsabilidade. Nesse contexto, os fiéis irão entender que todos os meios disponibilizados por Deus para que o homem aja com previdência, devem ser considerados como bênçãos divinas dadas à humanidade; daí que não devemos recusar os instrumentos dados pela providência divina para o cuidado de nossas vidas. Deve-se, então, acatar a segura orientação de Deus para agir com sabedoria diante da realidade, sabendo que os recursos que temos irão fortalecer a nossa confiança n`Ele; ao invés de serem utilizados para aumentar nossa soberba ou dar demasiada atenção para a nossa falta, ou abundância de recursos. (Strohl, p 154-155, 2003). Conforme Strohl, “para Calvino, a soberania absoluta de Deus, e a inteira responsabilidade do homem são dois elementos da verdade, ambos revelados, não obstante nossa mente não possa harmonizá-los.” A compreensão desse conteúdo está na afirmação de que toda vez que os propósitos de Deus são realizados através da maldade dos ímpios em desobediência a seus mandamentos, isto não significa que eles não serão culpados do que fizeram, conforme o exemplo da paixão de Cristo: “O Pai celestial entregou seu Filho à morte; Jesus Cristo entregou-se à morte; Judas entregou seu mestre à morte”. (p 155, 2004). O AUTOR ressalta um dos pensamentos mais significativos de João Calvino e do calvinismo histórico, ao expor o princípio da “GRAÇA COMUM” de Deus. E para enfatizar o modo em que esta graça foi disponibilizada a toda humanidade, o reformador assinala que “a natureza humana, conquanto decaída na sua integridade, continua possuidora de muitos dons de Deus”. Estes dons são denominados “graças naturais”, tendo sido dados a homens bons e maus, o que torna imperativo que a humanidade faça bom uso de cada um deles, para que não sejamos negligentes diante desta graça recebida. Segundo o autor, Calvino percebia alguns frutos e resultados dessa graça de um modo positivo e abrangente, posto que estes dons vieram a produzir “ideias divinas disfarçadas nos textos dos filósofos”, e uma “boa ordem e justa disciplina” nas reflexões desenvolvidas pelos juristas da antiguidade, sendo este, um princípio central da valorização dedicada pelo calvinismo para as artes e a ciência na história. (p 156, 2004). Conforme as funções do Estado, como sendo uma instituição criada por Deus para regular o bem na sociedade dos homens, o reformador ensina que o magistrado (governante) deve agir positivamente acerca da religião, posto que “a finalidade da ordem temporal é manter o culto público de Deus, a doutrina e a religião puras, e o bem geral da Igreja”. “Calvino desenvolve extensivamente a tese de que, segundo a Escritura e os filósofos, às autoridades civis cabe o dever de fazer observar “as duas tábuas da Lei”. (Strohl, p 232, 2004). Strohl anota o aspecto em que Calvino rejeita a proposição do reformador Bucer, pois este entendia que as leis de um Estado cristão deveriam seguir as regras das ordens comunitárias definidas por Moisés. Acerca deste tema, Calvino faz uma distinção de entendimento e importância entre as leis moral e cerimonial; vindo a definir que o resumo da Lei moral dada por Jesus, deve ser reconhecida como sendo a “verdadeira e eterna regra de justiça válida em todos os lugares e em todos os tempos para todos os homens que desejam orientar sua vida pela vontade de Deus”. Nesse contexto, o calvinismo entende que as leis judaicas que asseguravam o ordenamento comunitário dos homens tinham o propósito de orientar uma “pedagogia dos judeus”. Portanto, no estabelecimento de sua estruturação social, cada nação deverá legislar através das regras que forem mais adequadas às suas sociedades, com destaque para a orientação de que essas leis não devem ser contrárias às leis morais eternas de Deus, “de tal modo que, embora assumindo formas diferentes, tenham todas o mesmo propósito” (p 15, 2004). Ao tratar dos fundamentos do Direito e das Leis, Calvino ressalta a importância do direito romano na história da humanidade, posto que suas bases foram orientadas sobre “o testemunho da lei natural e da consciência que o Senhor implantou no coração de todos os homens”. O pensamento calvinista entende que a lei natural está resumida na observância do princípio da equidade, o qual orienta que as mais diversas regras e ordens dadas pelas legislações em cada época da história resguardem sempre o objetivo principal da justiça. Nesse contexto, as penalidades dadas aos crimes de furto e homicídio poderão ser mais ou menos severas, “conforme as circunstâncias do tempo, do lugar e da nação”. (Strohl, p 235, 2004). João Calvino destaca a afirmação do Apóstolo Pedro, de que é mais importante obedecer a Deus do que aos homens, no propósito de orientar que nenhuma destas autoridades ou ordens de governantes seja reconhecida como tendo valor, caso atue contra a vontade de Deus: “Porventura Deus, ao entregar o governo a homens mortais, renunciou inteiramente ao seu direito?”. (p 239, 2004). (Os elementos de ambos estes textos; o pensamento de Calvino nas Institutas e o pensamento de Calvino segundo Strohl, são parte de um artigo com três tópicos, incluídos o pensamento reformado para o Estado e Sociedade segundo Abraham KUYPER, conforme publicado integralmente na Revista Teológica Fatesul, o qual pode ser acessado no link a seguir: http://fatesul.com/publicacoes/revista-teologica/). REFERÊNCIAS. BÍBLIA, Sagrada, NVT. 1 ed – São Paulo : Mundo Cristão, 2016. _______, de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 1999. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. trad Waldyr Carvalho Luz - São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. CALVINO, João. As Institutas. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2006. _________, A Verdadeira Vida Cristã. Novo Século, São Paulo, 2001. McGRATH, Alister E. Teologia, sistemática, histórica e filosófica. Uma introdução à teologia cristã. tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. – São Paulo: Shedd Publicações, 2005 WILES, J. P. As Institutas da Religião Cristã – um resumo – João Calvino. Tradução do inglês Gordon Chown. Primeira edição em português: 1984. Publicações Evangélicas Selecionadas, São Paulo – SP. STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. Tradução Aharon Sapsezina. – 2 ed. – São Paulo : ASTE, 2004. Autor. Ivan Santos Rüppell Júnior é Ministro da IPB, professor de Teologia e ciências da religião, e Advogado.

12 de Agosto. Igreja Presbiteriana do Brasil.

TEXTO Bíblico: "Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos de Deus à fé e ao conhecimento da verdade que conduz à piedade... a Tito, meu verdadeiro filho em nossa fé comum... A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instrúi." (carta de Paulo a Tito, cap. 1.1-5). A história da Igreja Presbiteriana do Brasil tem suas origens a partir da Reforma Protestante, no século 16. Martinho Lutero foi o líder inicial na Alemanha, que logo gerou transformações na Suíça, através de Zuinglio, ocasião em que o movimento assumiu o título de Segunda Reforma ou Reforma Suíça. Nesse contexto, “o termo reformado é um termo abrangente que inclui todo um modo de encarar a vida a partir de uma série de pressupostos, dentre os quais se destaca a soberania de Deus.” (Matos e Nascimento, p. 9, 2007). Foi uma época de conflitos religiosos, em que os pregadores protestantes Patrick Hamilton e George Wishart foram mortos na fogueira na Escócia, numa perseguição entre as décadas de 1520 a 1540. Sendo que o líder John Knox foi capturado pelos franceses e escravizado por 19 anos num navio. Após se libertar e passar pela Inglaterra, Knox foi se refugiar em Genebra, tornando-se aluno e seguidor da teologia calvinista e reformada. John Knox voltou para a Escócia em 1559, e recebeu apoio popular para estabelecer a doutrina reformada. Ele implementou o Livro da disciplina e posteriormente, o Livro de ordem comum, que definiam a Igreja no modelo presbiteriano e a teologia na doutrina reformada, conforme as instruções de Calvino. “Isso também fez com que houvesse grande mudança na educação, pois foram criadas escolas públicas, incluindo-se universidades.” (Curtis, Lang e Petersen, p. 123-125, 2003). Em 12 de agosto de 1859 chegou ao Brasil, o Missionário da Igreja Presbiteriana norte-americana, o Reverendo Ashbell Green Simonton, dando início à história da Igreja Presbiteriana em nosso país. Autor. Ivan Santos Rüppell Júnior é professor, advogado e ministro licenciado da Igreja Presbiteriana.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

AS IGREJAS REFORMADAS e A IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL.

A história da Igreja Presbiteriana do Brasil tem suas origens como instituição eclesial a partir da ocorrência da Reforma Protestante, no século 16. Martinho Lutero foi o líder na Alemanha a partir especialmente de 1517, enquanto que poucos anos depois, Ulrico Zuinglio começou a liderar uma reforma institucional e moral da igreja em Zurique na Suíça, ocasião em que o movimento assumiu o título de Segunda Reforma ou Reforma Suíça. As igrejas oriundas desse segundo movimento vieram a carregar consigo o título de “Igrejas Reformadas”, num desenvolvimento que percorreu as regiões da Suíça e França, Holanda e Hungria, Romênia e ainda, outras regiões da Europa. Nesse contexto, “o termo reformado é um termo abrangente que inclui todo um modo de encarar a vida a partir de uma série de pressupostos, dentre os quais se destaca a soberania de Deus.” (Matos e Nascimento, p. 9, 2007). O francês João Calvino surgiu como nova liderança exponencial do movimento da Reforma Protestante a partir da década de 1530, vindo a desenvolver nas “Institutas da Religião Cristã”, as doutrinas reformadas abrangentes sobre toda vida e cosmos a partir da fé bíblica. "Ele trata de frente o principal ponto fraco do protestantismo até aquele momento: o problema das múltiplas interpretações da Bíblia. Como é possível afirmar que a Bíblia tem alguma autoridade quando ela está tão claramente à mercê de seus intérpretes? Calvino apresenta suas Institutas como um guia autorizado da correta interpretação da Escritura. (...) Calvino estabeleceu as credenciais de sua interpretação da Bíblia, não por meio da afirmação de sua autoridade ou sabedoria pessoal, mas pelo engajamento cuidadoso com as passagens bíblicas e com o bom conhecimento das formas como essas passagens foram interpretadas pelos respeitados escritores cristãos antigos, como Agostinho de Hipona." (McGrath, p. 97, 2012). Calvino foi residir na cidade de Genebra, localidade que se tornou um ambiente de estudo e preparo teológico para líderes e pastores protestantes de toda Europa. "A crescente influência de Calvino levou Genebra a se tornar o epicentro do mundo reformado durante a segunda fase do desenvolvimento do protestantismo, sendo que no início da década de 1530, a influência política passou gradualmente de Zurique para Berna, cidade mais poderosa, antes de mudar definitivamente para Genebra na década de 1550". O termo "reformado" tornou-se gradualmente o preferido para a forma de protestantismo que surgiu desse cadinho de ideias - em parte para enfatizar o compromisso do movimento de "reformar-se de acordo com a Palavra de Deus" e, em parte, para distingui-lo de uma percepção rival de protestantismo, agora, cada vez mais conhecido como "luteranismo"." (p. 99, 2012). Dentro desse contexto, num momento de organização do pensamento protestante e do agravamento de conflitos religiosos, a partir do Reino Unido tivemos os pregadores protestantes Patrick Hamilton e George Wishart sendo mortos na fogueira na Escócia, após perseguição religiosa entre as décadas de 1520 a 40. Neste período, o líder religioso escocês John Knox foi capturado pelos franceses, que foram reagir aos partidários de Wishart, situação em que Knox foi escravizado por 19 anos num navio. Após se libertar e passar pela Inglaterra, e dali fugir após Maria assumir o trono, Knox foi se refugiar em Genebra, tornando-se aluno e seguidor da teologia calvinista e reformada. John Knox voltou então para a Escócia em 1559, e recebeu apoio popular para implementar a doutrina reformada, sendo que o Parlamento adotou para a nação a teologia calvinista prescrita por Knox. Nessa ocasião, o líder reformador implementou o Livro da disciplina e posteriormente, o Livro de ordem comum, que definiam a Igreja no modelo presbiteriano e a teologia na doutrina reformada, conforme instruída por Calvino e os teólogos suíços. “Isso também fez com que houvesse grande mudança na educação, pois foram criadas escolas públicas, incluindo-se universidades. Esse trabalho se tornaria um marco para o país, em virtude da disseminação de um forte espírito de independência e democracia.” (Curtis, Lang e Petersen, p. 123-125, 2003). Nesse contexto histórico e teológico, anotamos o destaque do historiador da IPB, Reverendo Alderi Souza Matos: "a Igreja Presbiteriana do Brasil é uma federação de igrejas que tem em comum uma história, uma forma de governo, uma teologia, bem como um padrão de culto e de vida comunitária. Historicamente, a IPB pertence à família das igrejas reformadas ao redor do mundo, tendo surgido no Brasil em 1859, como fruto do trabalho missionário da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Suas origens mais remotas encontram-se nas reformas protestantes suíça e escocesa, no século 16, lideradas por personagens como Ulrico Zuinglio, João Calvino e João Knox. O nome "igreja presbiteriana" vem da maneira como a igreja é administrada, ou seja, através de "presbíteros" eleitos pelas comunidades locais." (p. 9-12, 2007). Ao mesmo tempo em que a Reforma Protestante atualizava de modo distinto na história a autoridade das Escrituras, haviam diferentes visões de interpretação entre os líderes da reforma, especialmente no pensamento distinto entre os "reformadores magisteriais" (que respeitavam as autoridades) e os "reformadores radicais" (revolucionários diante do Estado). Nesse período, surgiu a necessidade de definições "oficiais" que pudessem esclarecer tanto o que pensavam como o que desejavam os reformadores do cristianismo, sendo que, segundo McGrath, "as confissões de fé desempenharam essa função (...) (posto que) em termos gerais, considera-se que os teólogos protestantes reconheciam a existência de três níveis ou categorias de autoridade: 1. As Escrituras. Eram consideradas pelos reformadores magisteriais como a autoridade suprema em matéria de dogma e conduta cristãos. 2. Os credos do cristianismo. Esses documentos, como, por exemplo, os credos Apostólico e Niceno, eram considerados pelos reformadores magisteriais como representativos do consenso da igreja primitiva, bem como interpretações precisas e autorizadas das Escrituras. 3. As confissões de fé. Esses documentos eram tidos como oficiais por determinados grupos integrantes da Reforma. Portanto, o padrão básico adotado pelos integrantes da Reforma era o de reconhecimento das Escrituras como autoridade de caráter primário e universal; dos credos como autoridade de caráter secundário e universal e das confissões de fé como de caráter terciário e local (pelo fato dessas confissões serem consideradas obrigatórias somente por uma denominação ou igreja de determinada região). Na Reforma, a constituição da ala reformada foi um processo complexo que resultou no fato de que várias Confissões - cada qual ligada a uma determinada região - tornaram-se influentes. As seguintes possuem importância especial. Confissão Gálica, França, 1559; Confissão Escocesa, Escócia, 1560; Confissão Belga, Países Baixos, 1561; Trinta e Nove Artigos, Inglaterra, 1563; Segunda Confissão Helvética, Suíça Ocidental, 1566." (Mcgrath, p 109-110, 2005). Conforme Matos e Nascimento, "a Igreja Presbiteriana do Brasil adota, como exposição das doutrinas bíblicas, a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Catecismo Menor ou Breve Catecismo. Nossa única norma de fé e conduta é a Bíblia Sagrada. Todavia, em virtude de a Bíblia não apresentar as doutrinas já sistematizadas, adotamos a Confissão de Fé e os Catecismos como exposição do sistema de doutrinas ensinadas na Escritura." (p 67, 2007). REFERÊNCIAS. CURTIS, A. Kenneth, LANG, J. Stephen e PETERSEN, Randy. Os 100 acontecimentos mais importantes da história do Cristianismo. São Paulo: Editora Vida, 2003. MATOS, Alderi Souza e NASCIMENTO, Adão Carlos. O que todo Presbiteriano inteligente deve saber. Socep Editora, Santa Bárbara d´Oeste, SP, 2007. MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica. Uma introdução à Teologia Cristã. Shedd Publicações. SP São Paulo, 2005. MCGRATH, Alister. A Revolução Protestante. tradução Lena e Regina Aranha. - Brasília, DF : Palavra, 2012. Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de Teologia e Ciências da Religião nas Faculdades SPS extensão Curitiba e Uninter.

COSMOVISÃO REFORMADA. Aula 5. O Pensamento de Calvino. Princípios de uma Cosmovisão Reformada.

A doutrina cristã que iniciou na história a formatação de uma Cosmovisão Reformada surgiu a partir do pensamento e reflexões do lider protestante João Calvino, no século 16. Iremos apresentar nessa aula, textos baseados em seu pensamento acerca da vocação do cristão diante da sociedade e cultura, a partir do princípio da soberania de Deus sobre o cosmos e história, no interesse de oferecer fundamentos de uma cosmovisão bíblica reformada aos cristãos, em sua vivência no mundo. INTRODUÇÃO. Comentário de Calvino, sobre sua obra, As Institutas da Religião Cristã: “Meu objetivo nessa obra é preparar e treinar estudantes de teologia para o estudo da palavra de Deus, para que possam ter um fácil ingresso no estudo dessa palavra e sejam capazes de lhe dar continuidade sem obstáculos.” (João Calvino) (McGrath, p 111, 2005). O maior pensador da Reforma Protestante desenvolveu um valioso tratado religioso ao apresentar os conteúdos do Cristianismo num modelo que valoriza a teologia bíblica, ao mesmo tempo em que comunica de modo sistêmico, coerente e sequencial as doutrinas cristãs. Nas palavras de Alister McGrath, “o único princípio que parece nortear a forma como ele organizou seu sistema teológico é, por um lado, a preocupação de ser fiel às Escrituras e, por outro lado, a obtenção de máxima clareza possível na apresentação dos temas.”(p 103, 2005) Na apresentação da introdução ao livro de J. Calvino, “A verdadeira Vida Cristã”, o teólogo Ricardo G. destaca o seguinte aspecto hermenêutico acerca do reformador: “Calvino foi um exegeta notável, tornando-se o mais importante modelo da aplicação do método histórico-gramatical... Calvino insistia ainda na unidade e harmonia do ensino bíblico, evitando assim o erro tão comum em nossos dias de interpretar um referido texto alienado de seu contexto canônico-teológico.” (p 6, 2001) O interesse constante por resguardar o ensino divino existente em cada um dos versos bíblicos, aliado ao propósito de anunciar tal verdade conforme o contexto geral da revelação das Escrituras, fez com que os comentários e, especialmente, “As Institutas” de Calvino, viessem a se tornar um conteúdo teológico ímpar no Cristianismo, devido à profundidade e abrangência de suas formulações. CONTEÚDO. FUNDAMENTOS. Vamos apresentar nesse tópico a visão reformada de Calvino acerca da Sociedade e Estado, para visualizar seu entendimento sobre a vocação cristã na área da cidadania e cultura. “É suficiente que saibamos que a vocação de Deus é como um princípio e fundamento baseados no qual podemos e devemos governar bem todas as coisas (...) Além de tudo mais, se não tivermos a nossa vocação como uma regra permanente, não poderá haver clara consonância e correspondência entre as diversas partes de nossa vida.” (João Calvino) (Institutas, p 225, 2006). Segundo o conteúdo das “Institutas”, o entendimento do pensamento de Calvino acerca da responsabilidade do cristão perante a sociedade requer o destaque do modo como o reformador definia a maneira em que a humanidade seria capaz de adquirir algum conhecimento verdadeiro da realidade. Para Calvino, a sabedoria verdadeira acerca da existência consiste no conhecimento que temos de Deus, e no conhecimento que temos de nós mesmos, segundo a revelação de Deus, pois somente assim iremos anotar um entendimento real de nossa natureza. Sendo que “conhecer a Deus” significa saber que Ele é nosso Criador, além de ser o sustentador de tudo que há através de sua providência, governando a história com sabedoria, justiça e cuidado amoroso.” (Wiles, p 25, 1994). O PRIMEIRO conhecimento bíblico que adquirimos ao olhar para Deus aponta o princípio com que Deus governa a história e a sociedade dos homens, o qual irá indicar aos cristãos o modo em que devem perceber e praticar a sua responsabilidade de mandato social. Para Calvino, ao governar a humanidade através de sua providência, Deus revela sua bondade aos justos e sua severidade aos ímpios, sendo necessário salientar que há crimes que recebem castigos hoje, enquanto outros serão castigados apenas no futuro. (Wiles, p 34-35, 1984). Observe que o conhecimento desse princípio da Providência irá nos ensinar o conteúdo mais amplo acerca do modo como Deus é o Criador do Universo, dando-nos a compreensão da maneira como Ele sustenta, governa e preserva tudo que existe, movendo toda providência segundo o seu poder. Portanto, a filosofia e razão dos homens que define Deus como sendo apenas a causa primária da criação, vai limitar o nosso conhecimento da providência, enquanto também nos fará desprezar a bondade que o Senhor dedica a todas as suas criaturas. (Wiles, p 87-89, 1984). UM SEGUNDO ASPECTO importante de nossa compreensão do tema, é descobrir que no instante em que Deus governa todas as coisas pela sua providência, Ele vai atuar na história através de causas secundárias, como também, sem estas causas e até contrariamente a elas. Ele é o Soberano Senhor! Calvino utiliza o conselho bíblico de Salomão em Provérbios 16.9, para expor o modo como os decretos da governança de Deus sobre a existência não devem nos impedir de assumir uma atitude de “providência pessoal” no dia a dia. Pois foi o próprio Deus que nos deu tanto a responsabilidade de cuidar de nossas vidas, como igualmente nos capacitou com tudo que é necessário para preserva-la, já que nos orienta a prever perigos, agir com precaução e utilizar remédios. Portanto, ao perceber que os seres humanos se tornam uma das “causas secundárias” da providência pelas quais Deus governa a terra, devemos assumir a responsabilidade de zelar por nossas vidas, usando os meios fornecidos pelo Senhor, a fim de não sermos negligentes neste conhecimento. Nesse contexto, assim que o cristão reconhece que tudo está debaixo da ordenação de Deus, também dedica o devido valor e atenção às causas secundárias, sabendo que os meios cotidianos de cuidar de sua segurança foram dados pelo Senhor. A partir disso, irá utilizar os meios divinos como instrumentos da providência do Senhor para cuidar da humanidade, vindo a abraçar e assumir, tanto sua dependência de Deus, como a sua responsabilidade no mandato social cristão diante do mundo. (Wiles, p 95-98, 1984). Estes dois elementos do Governo de Deus sobre a Terra revelam tanto o cuidado do Senhor sobre a história, como a responsabilidade dos cristãos, já que estes recebem de Deus um mandato para atuar na sociedade dos homens. Afinal, o Senhor irá agir no mundo a partir da vida e personalidade de cada fiel, que irão servi-lo como agentes das “causas secundárias” de sua Providência. Um terceiro aspecto da governança bendita de Deus sobre o mundo surge no conhecimento da importância de sua lei moral, como sendo um elemento utilizado para instruir o homem, resguardar a sociedade do mal e propor o conhecimento da necessidade do Evangelho para a salvação de todo aquele que crê! SEGUNDO CALVINO, a Bíblia ensina que a lei moral de Deus tem três propósitos na história da humanidade e sociedade dos homens. Em primeiro lugar, o teólogo entende que a lei moral divina serve para anunciar e formalizar a culpa de todo homem diante de Deus, no objetivo de gerar temor nos seres humanos, algo que irá conduzi-los a buscar o conhecimento da misericórdia do Senhor; conforme se anuncia no Evangelho de Jesus Cristo. A LEI MORAL de Deus serve, então, para revelar a justiça de Deus, pois somente esta convence o homem de sua própria injustiça. Sendo que, somente os padrões da moralidade divina são capazes de demonstrar ao homem o seu estado de fraqueza e de condenação; conforme explica o Apóstolo Paulo: “pois eu não teria conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás.” E, conforme Agostinho, “a lei serve para convencer o homem da sua fraqueza e a compeli-lo a orar pela graça curadora que há em Cristo.” (Wiles, p 149, 1984). Esse é um aspecto relevante acerca da responsabilidade social do cristão, pois a sociedade dos homens somente terá conhecimento da justiça do caráter de Deus, caso os cristãos venham anunciar tal verdade moral, mediante toda cultura e política, artes e educação que tiverem sob sua responsabilidade para praticar e desenvolver socialmente. O SEGUNDO elemento de importância da LEI MORAL divina orienta que ela serve para Deus governar a história pela sua Providência, no propósito de refrear a maldade dos atos dos homens que não se preocupam com o que é certo e com o que é errado. A lei moral de Deus serve para reprimir os homens através de freios e limites, como uma retidão necessária à toda humanidade, pois se não existisse esta proteção e resguardo da sociedade, o mundo se tornaria um lugar totalmente selvagem. Esse segundo aspecto complementa a responsabilidade social dos cristãos enunciada no primeiro, revelando o modo como leis civis originárias de valores cristãos irão oportunamente refrear a natureza humana na sociedade, segundo os padrões da justiça e moralidade de Deus. UM TERCEIRO aspecto importante do anúncio da lei de Deus é que a sua instrução é útil para ensinar os cristãos qual é a vontade de Deus para eles, como um elemento de apoio na sua jornada existencial. Pois o Espírito de Deus vive hoje em seus corações, a fim de conduzi-los no conhecimento e obediência dos mandamentos do Senhor. (Wiles, p 149, 1984). OUTRO ELEMENTO surge a partir de um olhar mais amplo acerca da existência, indicando a forma em que a lei moral divina se torna o instrumento utilizado para gerar um bom conhecimento da Pessoa de Deus, à toda humanidade. Pois a lei moral de Deus constrange os homens a adora-lo, enquanto também os conduz à humildade, sobre si mesmos. Calvino esclarece que a própria consciência do ser destaca a maneira em que os princípios morais de Deus foram escritos no interior e coração do homem. No entanto, somente a lei divina irá dar um testemunho claro e seguro acerca do certo e errado para a humanidade, já que a lei interior é insuficiente para fazer isso, em razão de nossa ignorância e vaidade. Nessa situação, os homens poderão admitir que estão longe da vontade de Deus, a cada vez que puderem comparar as suas vidas diante das exigências da lei, algo que também irá conduzi-los a buscar a misericórdia divina como um recanto de segurança. (Wiles, p 151-153, 1984). Após destacar os três aspectos de importância da lei moral bíblica no exercício do governo da Providência sobre a humanidade, e após esclarecer o valor da lei perante a consciência do homem, a fim de também convoca-lo a conhecer a misericórdia de Deus no Evangelho; Calvino apresenta o modo como os 10 Mandamentos são os fundamentos da Lei moral de Deus na história. O REFORMADOR entende que os 10 MANDAMENTOS representam uma justiça interior e espiritual, pois seus princípios alcançam os pensamentos do coração do homem. Esse aspecto fundamenta o modo como o Senhor Jesus veio resumir toda a lei em dois atos: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Mateus 22.37, Lucas 10.27). Nesse contexto, em que os princípios morais dos 10 mandamentos são os fundamentos da Lei do amor de Jesus, Calvino enfatiza a superioridade do padrão moral e relacional da lei de Deus na sociedade, como sendo os mais excelentes valores e princípios que deverão reger e orientar a vida dos homens. Assim, todo conteúdo da justiça de Deus deve ser percebido como um código de boas obras completos, posto que não haveriam quaisquer outros conhecimentos e virtudes capazes de superar aqueles que nos foram descritos por Moisés e Paulo. Entendimento que faz o Apóstolo afirmar que “toda a lei se cumpre em uma só palavra, a saber, “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Gálatas 5.14). O conteúdo moral dos mandamentos enfatizado no resumo da lei dada por Jesus, traduz os valores que devem nortear a verdadeira obediência aos mandamentos de Cristo; sendo um conhecimento que deve ser oferecido e vivenciado de maneira ampla perante a humanidade, conforme o ensino da parábola do Bom Samaritano. (Wiles, p 153-164, 1984). Calvino recorda a importância de nos relacionarmos perante a humanidade segundo os padrões morais de Cristo, pois as exortações morais provenientes dos filósofos nos mandam viver a vida conforme é apropriado à natureza humana. Algo impróprio para ser praticado ou defendido pelos cristãos, já que afora o fato de somente as Escrituras ensinarem o exemplo de Jesus aos homens, todos aqueles que seguem o conteúdo dos filósofos não irão carregar ou ensinar nada de Cristo, além do título. Para Calvino, a doutrina dos filósofos orienta a maneira em que o homem será governado pela razão, enquanto que a filosofia cristã afirma que a nossa racionalidade deve estar submetida ao Espírito Santo, no propósito de que possamos viver em Cristo, e não mais, em nós mesmos. (Wiles, p 237-239, 1984). Citação final: “Se houve qualquer movimento religioso, no século 16, que tenha tido uma atitude afirmativa em relação ao mundo, esse foi o Calvinismo.” (Alister McGrath) (p 249, 2005). Nessa análise, percebemos a importância da lei moral de Deus no mandato social dos cristãos, pois, toda vez que um cristão for atuar socialmente, seja como pai/mãe e cidadão, professor e autoridade, legislador e governante, profissional e funcionário público, ele deverá fazê-lo tendo em vista a sua responsabilidade de ajuntar com Deus, nos atos constantes da Providência bendita com que o Senhor preserva o mundo dos homens, além de estar atento para anunciar as verdades daquela justiça eterna, que se encontra somente no Evangelho de Cristo. ACERCA DA VOCAÇÃO CRISTÃ na perspectiva Reformada para a Sociedade, segue o destaque de alguns princípios bíblicos, conforme descritos pela Bíblia de Genebra, na nota teológica supra citada, “Os Cristãos e o Governo Civil.” Quando a Igreja é orientada a não ditar os programas de ação dos governos, isso se refere à separação entre Estado e Igreja, conforme orientada por Jesus e o Apóstolo Paulo; o que ensina a importância do Estado Laico, que requer ocorra uma distinção entre as instituições do estado e da igreja. Os comentários sobre a moralidade de governos como sendo uma responsabilidade das igrejas, conduzem os cristãos à ação política, a fim de que atuem na plenitude de sua capacidade de cidadãos. Que se apresentem como candidatos aos cargos do Legislativo e Executivo, e procurem votar em candidatos que irão representar seus valores e princípios morais, tanto na feitura das leis civis, como na governança do Estado. O cristão que deixa de assumir a cidadania política será alguém irresponsável perante Deus no exercício de sua Vocação, pois irá abandonar a sociedade dos homens ao acaso de outros princípios e valores, que não serão os bíblicos. Tal desobediência irá conduzir a sociedade a um destino cada vez mais selvagem e enganoso, além de atrapalhar a Igreja na missão de evangelizar a Terra através do anúncio das Boas Novas, já que o desconhecimento da Lei na sociedade impede a busca do arrependimento de pecados para a salvação eterna. Nessa perspectiva, a abordagem enunciada pela interpretação da Missão Integral da Igreja dada na Bíblia de Genebra, acerca dos temas essenciais do Estado e Sociedade, demonstra como o pensamento calvinista tem se revelado na história como sendo o conteúdo doutrinário mais profundo e fiel às Escrituras; sendo o pensamento cristão mais abrangente acerca da Soberania de Deus, da Responsabilidade humana e da Vocação social da humanidade, no propósito de que as bênçãos comuns e especiais do Senhor sejam estabelecidas sobre toda terra. O PENSAMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DE CALVINO, André Biéler. Vamos abordar agora, citações de Calvino e anotações do pesquisador André Bieler, como um conteúdo que venha ampliar e interessar os leitores, para a riqueza e abrangência das reflexões bíblicas de João Calvino sobre a Cosmovisão Reformada para a vida do cristão em sociedade. "O movimento da Reforma em Genebra é antes de tudo um movimento religioso que diz respeito à fé, seja dos indivíduos, seja da comunidade. Não é senão em consequência desta fé que a Reforma repercute - necessária, mas secundariamente - na vida social e política." (Biéler, p 105, 1990). "A redenção do mundo por Jesus Cristo se realiza, então, no universo como um todo e sua natureza; o alvo primário desta ação de Deus, porém, é a restauração da humanidade. É este o aspecto da obra de Cristo que desejamos considerar agora. Que significa esta restauração para a vida da sociedade? (...) A Igreja constitui entre os homens uma sociedade nova, uma comunidade no seio da qual as relações humanas originais são restauradas por Jesus Cristo; através desta comunidade tende a Igreja à restauração parcial da sociedade humana autêntica. (...) Na comunidade cristã as relações sociais naturais são-no na perspectiva da restauração." (p 334-335, 1990). "É também pela vontade de Deus, e por sua Providência operando por Jesus Cristo, que a economia primitiva da sociedade, corrompida pelo pecado dos homens é, a despeito de tudo, mantida até o fim dos tempos." (* "Não há pessoa tão embotada nem tão pobre de espírito, desde que se digne abrir os olhos, que não veja que é por admirável providência de Deus que os cavalos e os bois prestam serviço aos homens... E quanto mais evidente se nos faz este domínio todas as vezes que comemos ou fruímos de outros proveitos, tanto mais nos é de mister admirar a bondade e a graça de nosso Deus." Calvino, comentário aos livro de Salmos apud Biéler). (p 341, 1990). "A igualdade espiritual que reina e impera na Igreja não suprime, pois, a legitimidade de uma ordem política e social provisória onde as funções são diferenciadas e hierarquizadas. (...) Pode parecer que a moral social reformada seja favorável à conservação de uma ordem social estática. Não o é. O Evangelho, ao contrário, é uma força dinâmica, sempre tendendo a reformar a ordem estabelecida, para transformá-la em uma ordem mais justa, pois que, não importa qual ordem, está sempre em vias de corromper-se sob o efeito do pecado." (p 342, 348, 1990). "Toda esta ordem social relativa necessária à conservação da sociedade, não menos que a ordem parcialmente restaurada na igreja, não tém valor nem fim em si. Não existem, uma e outra, senão em vista da vinda definitiva do Reino de Deus. Não tem, pois até lá senão uma existência provisória. E toda a história humana se desenrola na expectação desse evento." (* "Nessa cruz percebemos um triunfo mais do que magnífico, triunfo que aos maus está oculto, pois que nós aí reconhecemos que, apagados estando os pecados, foi o mundo reconciliado a Deus, a maldição abolida, Satanás derribado." Calvino, comentários ao Novo Testamento apud Biéler). "Após haver definido a origem das riquezas, que provem da abundancia e da graça de Deus... (vemos que) os bens materiais não se destinam a ser menosprezados ou rejeitados (como quer o ascetismo), pelo contrário, sua destinação é o serviço a outrem." (* "Abrir mão das riquezas, não é de si uma virtude, é, antes, uma vã ambição... Por certo que, sendo a caridade o vínculo da perfeição, aquele que a si se priva, e aos outros também, do uso de qualquer quantia, nenhum louvor merece. E essa é a razão porque Cristo não louva simplesmente vender, mas exercer liberalidade em aos pobres socorrendo" Calvino, comentários ao Novo Testamento apud Biéler). "Concebida como um meio de servir, a riqueza é legítima; a vocação do rico." (* "Para bem servir a Deus, e resistir a Satanás, aprendamos a contentar-nos cada um com sua medida; e que os ricos reflitam que tem obrigação muito maior, e que terão de prestar contas dos bens que Deus pôs nas suas mãos." Calvino, sermão sobre a harmonia dos Evangelhos apud Biéler p 433). "Em consequência da vocação fundamental do homem, chamado, em primeira planta, a conhecer a Deus e, então, incumbido de associar-Lhe á obra da Providência, com sujeitar a si a terra e toda a Criação, apresenta-nos a Bíblia mui naturalmente o trabalho agrícola como a atividade primária da humanidade (...) Esta vocação essencial, entretanto, não é limitada ao trabalho do campo. Por sua inteligência, por sua reflexão e por sua atividade técnica, a criatura de Deus é chamada à descoberta, ao conhecimento e ao senhorio de todo o Universo." (p 565-566, 1990). (* "Entretanto, não há como esquecer que todas essas graças são dádivas do Espírito de Deus, que Ele distribui com quem bem lhe parece, para o bem do gênero humano." Calvino, Institutas tomo II cap II apud Biéler p 569). "A ciência, com efeito iluminada pela fé, ajuda-nos a compreender Deus." (p 571, 1990). (* "Infinitos ensinamentos há tanto no céu quanto na terra para no-Lo atestar o admirável poder, tais os segredos da própria natureza que requerem estudo especial e o saber da astronomia, da medicina e de toda a física..." Calvino, Institutas Tomo I cap V apud Biéler p 571). "Em numerosas passagens de seus escritos, definiu Calvino as artes como dons de Deus extremamente preciosos, inspirados por Seu Santo Espírito. O Criador de todas as coisas é também Aquele Que embeleza a vida dos homens com todos os ornamentos do espírito que Ele lhes prodigaliza e com todas as obras que lhes permite executar para Sua glória." (p 573, 1990). (* "A invenção das artes e outras coisas que servem ao bem comum e ao conforto desta vida é um dom de Deus que não é de desprezar e uma virtude digna de louvor." "Mais adequadamente falaram os poetas, reconhecendo que tudo quanto é sugerido da natureza provém de Deus, que todas as artes d´Ele procedem e que devem elas ser tidas como invenções Suas." Calvino, comentários aos cinco livros de Moisés, apud Biéler p 573). "Para a teologia bíblica e reformada, a arte, fruto das disposições especiais dadas ao homem pelo Espírito de Deus, pode ser deturpada e desnaturada pelo pecado, como acontece com qualquer outra atividade humana. A arte, assim em sua essência como em seu uso, deve ser submetida às diretrizes da revelação de Deus." (p 574, 1990). "Artistas e artesãos: servidores da sociedade. * "Somos ensinados que nenhum artesão, da mais baixa condição, não atua em sua profissão, senão na medida em que o Espírito de Deus nele opera. Embora diversos sejam os dons, não há senão um Espírito do qual defluem os dons todos (1 Co 12.4), segundo a Deus haja aprazido a cada um distribuir por medida. Isto não se aplica somente em relação aos dons espirituais, que se seguem à regeneração, mas a todas as ciências que concernem ao viver comum." Calvino, comentários aos cinco livros de Moisés apud Biéler p 579). "A honestidade dos negócios, base da ordem social segundo Deus... A desonestidade nos negócios é, então, um roubo cometido às expensas de Deus, um vil assalto aos tesouros divinos." (p 581, 1990). (* "Porque a cobiça cega os homens, força-os ela, a torto e a direito, a ganhos ilícitos. Deus nega Sua bênção a todos os negócios excusos, que são como teias para apanhar a presa; pelo contrário, exorta a antes da parte d´Ele, autor de todo bem, esperar as riquezas que caçá-las através de fraudes ou rapinagens." Calvino, comentários aos cinco livros de Moisés apud Biéler p 581). "Como já observamos a propósito da doutrina calviniana do trabalho, o Reformador de Genebra é o primeiro dos teólogos de sua época a discernir, com tanta clareza, o papel providencial que exercem na sociedade e na conservação do gênero humano... as trocas e, consequentemente, todos aqueles que se voltam ao comércio. (...) Levantou-se Calvino contra os monopólios que se atribuíam certos grandes mercadores, certos representantes das altas finanças, e contra os prejuízos que estes causavam ao resto da sociedade por sua contribuição à alta dos preços e ao encarecimento do custo de vida." (Biéler, p 584, 1990). COSMOVISÃO REFORMADA. O Pensamento de Calvino segundo Henri Strohl. “Se houve qualquer movimento religioso, no século 16, que tenha tido uma atitude afirmativa em relação ao mundo, esse foi o Calvinismo.” (Alister McGrath; p 249, 2005). Agora, vamos abordar os temas, SOCIEDADE, ESTADO E CULTURA, segundo o pensamento de João Calvino, conforme anotações de HENRI STROHL, no livro "O Pensamento da Reforma”. “Calvino é, dentre os Reformadores, quem melhor elaborou seu pensamento político. Seus estudos jurídicos prévios concorreram muito nesse sentido. Haja visto o capítulo sobre o governo civil com que termina a primeira edição da IRC e que já se apresentava em forma tão acabada que não sofreu maiores alterações nas edições posteriores”. (Henri Strohl; p 230, 2004). A obra, “O pensamento da reforma”, de Henri Strohl veio suprir na década de 1960 uma lacuna considerável na formação de estudantes e acadêmicos de teologia. O conteúdo do livro aborda de forma didática, temas abrangentes do pensamento dos principais teólogos da Reforma. E, nesse tópico de nosso artigo, iremos utilizar as considerações do tema da Providência de Deus, segundo análise desenvolvida pelo autor ao pensamento de João Calvino. Henri Strohl apresenta o pensamento dos reformadores destacando algumas afirmações de suas obras literárias, enquanto desenvolve explicações para interligar os conteúdos anotados. Portanto, o texto a seguir contém o entendimento de Strohl acerca do pensamento de Calvino, sendo que as anotações realçadas foram extraídas do pensamento de ambos, conforme indicado. O PENSAMENTO de João Calvino acerca da importância da moralidade divina no mandato social do cristão está contido dentro do tema maior da Providência de Deus. Segundo Strohl, Calvino trata do tema da Providência na perspectiva de realçar o “equilíbrio entre a dependência absoluta de Deus e o dever humano da previdência.” (p 153, 2004) Calvino se posiciona contrariamente à visão “estoica” da providência, que entendia o mundo como sendo uma máquina em movimento, o que o fez salientar o aspecto sobre o modo em que a providência divina tem uma atenção e cuidado especiais pela existência de cada criatura. Portanto, a Pessoa de Deus deve ser percebida como o mestre e moderador de todas as coisas, o que significa que o Senhor vai “presidir de tal modo que as coisas presididas se conduzam com ordem e harmonia” Nesse contexto, a experiência de José no Egito se torna um exemplo utilizado por Calvino, para representar o modo como Deus governa os atos maus dos homens no interesse de que se tornem algo bom, segundo seus propósitos. (p 108, 196, 2004). UM SEGUNDO ASPECTO destacado pelo autor, apresenta o olhar calvinista de que os atos da providência de Deus não negam a importância dos atos da previdência humana, posto que, ao contrário, requerem da humanidade que assuma e pratique integralmente toda ação que for de sua particular responsabilidade. A interpretação dada ao texto bíblico de Provérbios 16.9 esclarece o princípio: “O coração do homem deve considerar seus próprios caminhos, e o Senhor governará os seus passos.”; sendo que nesse texto, Calvino deseja salientar a maneira como “o decreto eterno de Deus não impede que conduzamos em ordem nossa vida,” conquanto as nossas atitudes ocorram segundo a sua vontade. Segue um destaque das afirmações dadas pelo reformador: “Reconheçamos, portanto, nosso dever. Se o Senhor confiou-nos a guarda de nossa vida, conservemo-la; se nos concedeu meios para tal fim, usemo-lo; se nos aponta perigos, não nos lancemos neles estupidamente; se nos oferece remédios, não os desprezemos... O acautelar-se e o proteger-se são dons inspirados por Deus para que os homens conservem a vida e, assim, sirvam ao seu propósito.” (Strohl, p 113-115, 2004). A plena confiança em Deus não deve impedir o homem de fazer o que lhe cabe, mas sim, obriga-nos a praticar o que Deus delegou sob a nossa responsabilidade. Nesse contexto, os fiéis irão entender que todos os meios disponibilizados por Deus para que o homem aja com previdência, devem ser considerados como bênçãos divinas dadas à humanidade; daí que não devemos recusar os instrumentos dados pela providência divina para o cuidado de nossas vidas. Deve-se, então, acatar a segura orientação de Deus para agir com sabedoria diante da realidade, sabendo que os recursos que temos irão fortalecer a nossa confiança n`Ele; ao invés de serem utilizados para aumentar nossa soberba ou dar demasiada atenção para a nossa falta, ou abundância de recursos. (Strohl, p 154-155, 2003). Conforme Strohl, “para Calvino, a soberania absoluta de Deus, e a inteira responsabilidade do homem são dois elementos da verdade, ambos revelados, não obstante nossa mente não possa harmonizá-los.” A compreensão desse conteúdo está na afirmação de que toda vez que os propósitos de Deus são realizados através da maldade dos ímpios em desobediência a seus mandamentos, isto não significa que eles não serão culpados do que fizeram, conforme o exemplo da paixão de Cristo: “O Pai celestial entregou seu Filho à morte; Jesus Cristo entregou-se à morte; Judas entregou seu mestre à morte”. (p 155, 2004). O AUTOR ressalta um dos pensamentos mais significativos de João Calvino e do calvinismo histórico, ao expor o princípio da “GRAÇA COMUM” de Deus. E para enfatizar o modo em que esta graça foi disponibilizada a toda humanidade, o reformador assinala que “a natureza humana, conquanto decaída na sua integridade, continua possuidora de muitos dons de Deus”. Estes dons são denominados “graças naturais”, tendo sido dados a homens bons e maus, o que torna imperativo que a humanidade faça bom uso de cada um deles, para que não sejamos negligentes diante desta graça recebida. Segundo o autor, Calvino percebia alguns frutos e resultados dessa graça de um modo positivo e abrangente, posto que estes dons vieram a produzir “ideias divinas disfarçadas nos textos dos filósofos”, e uma “boa ordem e justa disciplina” nas reflexões desenvolvidas pelos juristas da antiguidade, sendo este, um princípio central da valorização dedicada pelo calvinismo para as artes e a ciência na história. (p 156, 2004). Ao tratar do pensamento dos reformadores acerca do Estado, Strohl ressalta que João Calvino foi aquele que mais se dedicou ao tema, vindo a definir que deveria ocorrer uma real distinção entre as instituições do Estado e da Igreja. Pois o propósito de Deus é abençoar toda a humanidade através das delimitações das áreas de atuação destes dois poderes: “daí porque a “liberdade espiritual pode coexistir com a submissão civil, e o poder temporal não é incompatível com o reino espiritual de Cristo.” Calvino destaca que a sociedade humana necessita do Estado, no interesse de que a ordem seja mantida num mundo que se encontra submetido ao pecado: “Os que desejam privar o homem desse amparo... necessário para sua peregrinação na terra... fazem violência à sua natureza humana”. Além deste aspecto, Calvino aborda o Estado de uma maneira mais ampla, como sendo uma instituição capaz de facilitar o desenvolvimento e ordenação da vida material dos homens, algo que, no entendimento de Strohl, propõe um “certo indício da noção do Estado como instrumento da Providência, ao lado da noção de Estado.” (p 231, 2004). Conforme as funções do Estado, como sendo uma instituição criada por Deus para regular o bem na sociedade dos homens, o reformador ensina que o magistrado (governante) deve agir positivamente acerca da religião, posto que “a finalidade da ordem temporal é manter o culto público de Deus, a doutrina e a religião puras, e o bem geral da Igreja”. “Calvino desenvolve extensivamente a tese de que, segundo a Escritura e os filósofos, às autoridades civis cabe o dever de fazer observar “as duas tábuas da Lei”. (Strohl, p 232, 2004). O entendimento calvinista de que as autoridades são vigários de Deus nas suas diversas funções na sociedade, sejam eles reis, governadores ou chefes de grupos, orienta o modo como os fiéis devem acatar toda autoridade existente, mesmo que a monarquia seja a menos aceitável, conforme indica o pensamento dos “espíritos elevados”, de Aristóteles, Platão e Sêneca. Segundo Calvino, deve-se reconhecer “a providência de Deus no fato de que diferentes regiões são governadas por diferentes formas de autoridade.” Pois, “o melhor sistema de governo é aquele em que há liberdade adequada e durável”, com um destaque acerca da importância de que esse peculiar modelo de autoridade social seja preservado; sendo que “o primeiro dever daqueles que governam um povo livre é velar para que “a liberdade do povo, do qual são protetores, não se restrinja.” (Strohl, p 232-233, 2004). Em relação ao modo como as sociedades serão governadas através das leis, não se deve considerar dura e nem ruim qualquer ação repressiva, posto que as autoridades somente executam a justiça de Deus: “o Senhor entrega a espada aos seus ministros para que a usem contra os homicidas;... o Senhor detém a mão criminosa dos homens, mas não detém a sua justiça exercida pela mão dos governantes.” Nesse contexto, Calvino entende que a legislação e o ordenamento das leis escritas são “a alma de todas as repúblicas.” (Strohl, p 234, p 14-21, 2004). Strohl anota o aspecto em que Calvino rejeita a proposição do reformador Bucer, pois este entendia que as leis de um Estado cristão deveriam seguir as regras das ordens comunitárias definidas por Moisés. Acerca deste tema, Calvino faz uma distinção de entendimento e importância entre as leis moral e cerimonial; vindo a definir que o resumo da Lei moral dada por Jesus, deve ser reconhecida como sendo a “verdadeira e eterna regra de justiça válida em todos os lugares e em todos os tempos para todos os homens que desejam orientar sua vida pela vontade de Deus”. Nesse contexto, o calvinismo entende que as leis judaicas que asseguravam o ordenamento comunitário dos homens tinham o propósito de orientar uma “pedagogia dos judeus”. Portanto, no estabelecimento de sua estruturação social, cada nação deverá legislar através das regras que forem mais adequadas às suas sociedades, com destaque para a orientação de que essas leis não devem ser contrárias às leis morais eternas de Deus, “de tal modo que, embora assumindo formas diferentes, tenham todas o mesmo propósito” (p 15, 2004). Ao tratar dos fundamentos do Direito e das Leis, Calvino ressalta a importância do direito romano na história da humanidade, posto que suas bases foram orientadas sobre “o testemunho da lei natural e da consciência que o Senhor implantou no coração de todos os homens”. O pensamento calvinista entende que a lei natural está resumida na observância do princípio da equidade, o qual orienta que as mais diversas regras e ordens dadas pelas legislações em cada época da história resguardem sempre o objetivo principal da justiça. Nesse contexto, as penalidades dadas aos crimes de furto e homicídio poderão ser mais ou menos severas, “conforme as circunstâncias do tempo, do lugar e da nação”. (Strohl, p 235, 2004). Henri Strohl finaliza as considerações sobre o pensamento de Calvino acerca do Estado, ressaltando o valor de que as autoridades instituídas por Deus para manter a ordem e preservar o mundo não devem ser percebidas como um “mal necessário”, mas sim, devem ser acolhidas com a devida honra, atenção e obediência, conforme ensinam os apóstolos Paulo, em Romanos 13, e Pedro, em sua segunda carta, no capítulo 2. (p 236-237) João Calvino destaca a afirmação do Apóstolo Pedro, de que é mais importante obedecer a Deus do que aos homens, no propósito de orientar que nenhuma destas autoridades ou ordens de governantes seja reconhecida como tendo valor, caso atue contra a vontade de Deus: “Porventura Deus, ao entregar o governo a homens mortais, renunciou inteiramente ao seu direito?”. (p 239, 2004). (Os elementos de ambos estes textos, pensamento de Calvino nas Institutas e pensamento de Calvino segundo Strohl, são parte de um artigo com três tópicos, incluídos o pensamento reformado para o Estado e Sociedade segundo Abraham KUYPER, conforme publicado integralmente na Revista Teológica Fatesul, o qual pode ser acessado no link a seguir: http://fatesul.com/publicacoes/revista-teologica/). REFERÊNCIAS. BÍBLIA, Sagrada, NVT. 1 ed – São Paulo : Mundo Cristão, 2016. _______, de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 1999. BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. trad Waldyr Carvalho Luz - São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. CALVINO, João. As Institutas. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2006. _________, A Verdadeira Vida Cristã. Novo Século, São Paulo, 2001. McGRATH, Alister E. Teologia, sistemática, histórica e filosófica. Uma introdução à teologia cristã. tradução Marisa K. A. de Siqueira Lopes. – São Paulo: Shedd Publicações, 2005 WILES, J. P. As Institutas da Religião Cristã – um resumo – João Calvino. Tradução do inglês Gordon Chown. Primeira edição em português: 1984. Publicações Evangélicas Selecionadas, São Paulo – SP. STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. Tradução Aharon Sapsezina. – 2 ed. – São Paulo : ASTE, 2004. Autor. Ivan Santos Rüppell Júnior é professor de Teologia e ciências da religião.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

COSMOVISÃO REFORMADA. Livro. Calvinismo. Fundamentos de Uma Cosmovisão Cristã! SPS extensão Curitiba.

Na obra literária essencial referente à Cosmovisão Reformada e neo calvinismo holandês, CALVINISMO, de Abraham Kuyper; o autor aborda em texto objetivo, visões e valores oriundos de cosmovisões variadas. Desde o Paganismo e Islamismo, até Modernismo e Romanismo, são refletidos princípios fundamentais acerca da realidade de Deus, do homem e da vida. Nesse contexto, o autor vai tratar dos seguintes temas: Nossa relação com Deus; Nosso relacionamento com o homem; e, Nosso relacionamento com o mundo, em um conteúdo que iremos refletir, logo após uma introdução em princípios da Cosmovisão Reformada, conforme Kuyper. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. “No Calvinismo encontra-se a origem e a garantia de nossas liberdades constitucionais.” (Groen Van Prinsterer) (Kuyper, p 85, 2003). Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. Seu livro “Calvinismo” contém as palestras ministradas na Universidade e Seminário de Princeton no ano de 1898, expondo temas teológicos “como um fundamento para uma visão abrangente de vida.” (Kuyper, p 5-6, 2003). Além da citação no início deste tópico, há um outro destaque do autor, no interesse de apresentar o princípio reformado mediante o qual a sociedade dos homens deverá ser organizada: “O fanático pelo Calvinismo era um fanático por liberdade pois, na guerra moral pela liberdade, seu credo era uma parte de seu exército e seu mais fiel aliado na batalha.” (p 86, 2003). COSMOVISÃO REFORMADA, segundo ABRAHAM KUYPER. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. Nessa reflexão, "primeiro devemos perguntar quais são as condições requeridas para sistemas gerais de vida, tais como o Paganismo, o Islamismo, o Romanismo e o Modernismo, e então mostrar que o Calvinismo realmente preenche essas condições." Assim, vamos olhar o entendimento e proposições destes diferentes sistemas acerca das "três relações fundamentais de toda vida humana: a saber, (1) nossa relação com Deus, (2) nossa relação com o homem, (3) nossa relação com o mundo." 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." O Paganismo - Vê Deus na Criatura. Esse sistema de pensamento, "em sua forma mais geral é conhecido pelo fato de supor, assumir e adorar a Deus na criatura", desde o animismo primitivo até o budismo, "o Paganismo não eleva para a concepção da existência independente de Deus, além e acima da criatura... simplesmente por possuir esse ponto de partida significativo foi capaz de produzir uma forma para toda a vida humana própria dele." O Islamismo - Separa Deus da Criatura. A partir de seus fundamentos puros e anti-pagãos, a religiosidade do Alcorão e Maomé "isola Deus da criatura, a fim de evitar toda mistura com a criatura", o que lhe permitiu desenvolver uma visão de mundo própria, com uma contrariedade total ao paganismo. O Catolicismo - Coloca a Igreja Entre Deus e a Criatura. Nesse sistema religioso, "Deus entra em comunhão com a criatura por intermédio de um meio místico, que é a Igreja... como instituição visível, palpável e tangível. Aqui a Igreja se posiciona entre Deus e o mundo" e na forma como consegue se relacionar com o mundo, "o Romanismo criou sua própria forma para a sociedade humana." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". O Paganismo Acentua as Diferenças. Ao pontuar que Deus habita na criatura, o paganismo eleva a condição de heróis e ídolos alguns seres, como se faz na dedicação divina dada a César, enquanto que também se define o que é inferior e mau, como o que ocorre nas castas da Índia e na escravidão no Egito, "colocando com isso um homem sob uma base de sujeição a seu próximo." O Islamismo e o Catolicismo Acentuam as Diferenças. O Islamismo propõe as mulheres como prêmios aos homens no paraíso, enquanto as torna escravas na sociedade, junto com os descrentes, que serão igualmente escravos dos muçulmanos. O Romanismo desenvolve uma hierarquia constante, desde os céus até a terra, desenvolvendo essa distinção e diferença entre anjos, na Igreja e entre os homens, "conduzindo a uma interpretação inteiramente aristocrática da vida como a encarnação do ideal." O Modernismo Procura Eliminar Todas as Diferenças. Esse sistema nega toda diferença, e assim busca produzir o "mulher-homem e homem-mulher", acabando por destruir "a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade. Um tipo deve responder a todos, uma uniformidade, uma posição e um mesmo desenvolvimento de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." Nesse sentido, "o Calvinismo tem modificado a estrutura da sociedade não pela inveja de classes, nem por um apreço indevido pela possessão do rico, mas por uma interpretação mais séria da vida. Por meio de um melhor trabalho e um desenvolvimento superior do caráter das classes média e trabalhadora, ele conduziu ao ciúme a nobreza e os cidadãos mais ricos. Olhar primeiro para Deus e depois para a pessoa do próximo foi o impulso, o pensamento e o costume espiritual ao qual o Calvinismo deu entrada", dando ênfase ao modo em que "uma ideia democrática mais santa tem se desenvolvido e tem continuamente ganho terreno (...) A diferença entre ele (calvinismo) e o sonho selvagem de igualdade da Revolução Francesa é que, enquanto em Paris ocorreu uma ação de comum acordo contra Deus, aqui, todos, rico e pobre, estavam sobre seus joelhos diante de Deus, consumidos com um zelo comum pela glória de seu nome." 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". A Visão de Mundo do Paganismo e Islamismo. "Do Paganismo pode geralmente ser dito que ele coloca uma estimativa muito alta do mundo e, por isso, em alguma extensão, ele tanto permanece com medo dele como perde-se nele. Por outro lado, o Islamismo coloca uma estimativa muito baixa do mundo, zomba dele e triunfa sobre ele ao alcançar o mundo visionário de um paraíso sensual." Sobre outros sistemas, deve-se ressaltar o modo em que uma certa "antítese entre o homem e o mundo tem assumido a forma mais estreita da antítese entre o mundo e os círculos cristãos. As tradições da Idade Média deram origem a isto. Sob a hierarquia de Roma, a Igreja e o Mundo foram colocados em oposição um ao outro, o primeiro como sendo santificado e o outro como estando ainda sob a maldição. (...) Portanto, em um país cristão, toda a vida social deveria estar coberta pelas asas da Igreja." Magistrados e governantes precisavam ser abençoados, artes e o conhecimento científico deveriam estar sujeitos ao domínio eclesial, e a economia e profissões deveriam seguir os rigores dos sindicatos, sendo que igualmente a família tinha sua realidade determinada pela visão da instituição da igreja. "Como resultado natural, o mundo corrompeu a Igreja, e por seu domínio sobre o mundo, a Igreja proveu um obstáculo a todo desenvolvimento livre de sua vida." O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão. Ao contrário, segundo o desígnio divino, a humanidade tem sido gerada na história “a partir do homem”, como bem anotou Aristóteles, algo que veio unir de forma orgânica toda a raça humana numa espécie única e contínua, posto que oriunda das gerações anteriores e provedora das gerações futuras. Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) Abraham Kuyper reconhece, sim, que a proposta de promover esse império mundial integrador de todos os homens numa única nação, logo se torna um ideal valioso para a humanidade; sendo uma proposição que nos seduz por seu valor comunitário e solidário, da mesma forma que a liberalidade social cresce nos corações humanos, devido a seus apelos em favor da liberdade pessoal que almeja. No entanto, segundo destaca o autor, ambas estas proposições se tornaram apenas vãs tentativas de “olhar para trás, para um paraíso perdido.” (p 87, 2003) Desta forma, a nossa realidade pecaminosa indica que o erro mais grave dos Imperadores, não foi tanto a sedução do Império Mundial, mas sim, o fato de almejarem estabelecer esse ideal numa situação existencial impeditiva desta unicidade. “de fato, sem pecado não teria havido magistrado nem ordem de estado; mas a vida política em sua inteireza teria se desenvolvido segundo um modelo patriarcal da vida de família. Nem tribunal, nem polícia, nem exército, nem marinha, são concebíveis num mundo sem pecado; e se fosse para a vida desenvolver a si mesma, normalmente e sem obstáculo de seu próprio impulso orgânico, consequentemente toda regra, ordenança e lei caducaria, bem como todo controle e afirmação do poder do magistrado desapareceria.” (p 87, 2003) Em decorrência desta impossibilidade, o autor vai definir que toda organização estatal e suas autoridades se tornam um “meio mecânico de obter pela força, a ordem” social entre os homens. Sendo algo, portanto, que deverá ser desenvolvido dentro dos limites e ordenanças de Deus, para que alcancem o propósito divino de sustentar um curso ordeiro para a sociedade, posto que existimos num mundo “em pecado". (p 88, 2003) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) Assim, Kuyper destaca o valor maior por detrás do Estado, como sendo uma instituição judicial perante os homens, cuja autoridade necessita originar e basear-se na Soberania de Deus: “na política, o elemento humano – aqui o povo – não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja forçado a ajudar este povo somente na hora da necessidade; mas que Deus, em sua majestade, deve brilhar diante dos olhos de cada nação.” (p 89, 2003) O modo em que Deus deverá brilhar soberanamente sobre o Estado e no uso dessa instituição, para que a vontade do povo e mesmo de algum homem não venha se tornar superior sobre a humanidade, orienta o reconhecimento dos princípios com que Deus tem definido a formatação desta instituição, na terra: “portanto, quando a humanidade desintegra-se por causa do pecado numa multiplicidade de povos separados, quando o pecado separa os homens e os arrasta, e revela-se em todo tipo de vergonha e iniquidade – a glória de Deus exige que estes horrores sejam refreados, que a ordem retorne ao caos, e que uma força compulsória de fora, faça-se valer para tornar a sociedade humana uma possibilidade. Deus tem esse direito e somente ele.” (Kuyper, p 89, 2003) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). Ao tratar da instituição do Estado na existência comunitária do homem, Kuyper expõe a cosmovisão cristã que busca assegurar o valor da liberdade do ser, na seguinte afirmação: “nenhum homem tem o direito de governar sobre outro homem”, pois “como homem eu continuo livre e corajoso, em oposição ao mais poderoso de meus semelhantes. (...) Não falo da família, pois aqui governam laços orgânicos, naturais; mas na esfera do Estado não cedo ou me curvo a qualquer um que é homem como eu sou.” (p 89, 2003) Nosso autor distingui, assim, a importância da hierarquia natural existente nas instituições criadas por Deus desde a eternidade, como a família e todas as outras vivências culturais etc; daquela hierarquia mecânica e antinatural da instituição do Estado; segundo seu pensamento. Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) Ainda neste contexto abrangente, ao tratar da importância das liberdades individuais e da liberdade de consciência do ser humano em sua vivência familiar e cultural, Kuyper faz algumas considerações para distinguir na história, os pressupostos desiguais de alguns importantes movimentos revolucionários. De um lado, coloca movimentos que mantiveram os princípios e propósitos de Deus, quando da organização da instituição do Estado, como o fizeram as Revoluções Americana e Inglesa; e de outro, aponta para aqueles que agiram contrariamente e para subverter a Soberania divina, buscando elevar e estabelecer o domínio do homem sobre o homem, atacando assim a própria liberdade existencial da humanidade, como fizeram a Revolução Francesa e a ideia de Soberania do Estado Alemã, que se originou de um “produto do panteísmo filosófico alemão”, nas palavras desse mesmo autor. (p 95-96, 2003). BREVE DESTAQUE do pensamento calvinista acerca da Ciência e Arte, e Futuro, conforme Abraham Kuyper: "primeiro, o Calvinismo encorajou... o amor pelas ciências; segundo, que ele restaurou para a ciência seu domínio; terceiro, que ele libertou a ciência de laços artificiais; e quarto, de que maneira ele procurou e encontrou uma solução para o inevitável conflito científico." (...) "Quando advogo a importância do Calvinismo no campo da arte, de modo algum sou induzido a fazê-lo por estas vulgarizações da arte, mas ao contrário, mantenho meus olhos fixos sobre o Belo e o Sublime em seu significado eterno, e sobre a arte como um dos mais ricos dons de Deus para a humanidade (...) Portanto, para verem a importância do Calvinismo para a arte de uma plataforma mais alta, sigam-me na investigação destes três pontos: 1) Por que o Calvinismo não permitiu e desenvolveu um estilo de arte próprio dele? 2) O que flui de seu princípio para a natureza da arte? 3) O que de fato ele tem feito para seu progresso.... Alguns motivos: - A Aliança entre Religião e Arte representa uma forma baixa de religiosidade; - A Religiosidade madura se expressa fora dos Limtes da Arte; - Religião e Arte possuem esferas próprias; - Arte é uma poderosa força própria de expressão; - Calvino se opôs ao uso ilegítimo da Arte: "O fato, por exemplo, de que o Calvinismo se dispôs contra toda diversão ímpia com a honra da mulher e estigmatizou toda forma de prazer artístico imoral como uma degradação, encontra-se portanto fora de nosso alcance. Tudo isto denuncia adequadamente o abuso, embora não tenha qualquer peso quanto à questão do uso legítimo... "Quando a Escritura menciona a primeira aparição da arte nas tendas de Jubal, que inventou a harpa e o orgão, Calvino recorda-nos enfaticamente que esta passagem trata dos "excelentes dons do Espírito Santo". Ao declarar que, quanto ao instinto artístico, Deus tinha enriquecido Jubal e sua posteridade com raros dons naturais. E, abertamente, declara que esses poderes inventivos da arte são o mais evidente testemunho do favor divino. Ele declara mais enfaticamente ainda, em seu comentário sobre Êxodo, que "todas as artes vêm de Deus e devem ser consideradas como invenções divinas." (...) O CALVINISMO e o Futuro. "O Calvinismo não se deteve numa ordem eclesiástica, porém expandiu-se em um sistema de vida. E não esgotou sua energia numa construção dogmática, mas criou uma vida e uma cosmovisão tal, que foi e ainda é capaz de ajustar-se às necessidades de cada estágio do desenvolvimento humano, em cada um de seus departamentos." (...) Alguns princípios: "Cristianismo não é só Prática, mas também Doutrina Objetiva... Cristianismo não é só Misticismo (lido como "fervor do coração"), mas Realidade Positiva (lido como "contato com o exterior")... Prática e Mística não Substituem a Verdade da Salvação (...) A Solução no Caminho do Calvinismo: Calvinismo - Biocosmovisão prória; Lógica Consistente: "uma biocosmovisão própria... fundada tão firmemente sobre a base de seu próprio princípio, elaborada com a mesma clareza brilhante numa lógica igualmente consistente", expõe nosso autor, ao destacar a importância do conhecimento científico técnico oriundo da natureza do objeto de estudo e realidade da esfera que se atua. (...) Quatro Pontos de Identificação (e reflexão na atualidade): 1. O Calvinismo não deve mais ser ignorado, mas fortalecido. 2. O Calvinismo deve ser feito um objeto de estudo. 3. O Calvinismo deve ser desenvolvido e aplicado às necessidades. 4. O Calvinismo não deve ser motivo de vergonha nas Igrejas que o professam em suas Confissões." (p 117 a 203, 2003). CONSIDERAÇÕES FINAIS. “Por causa do Senhor, submetam-se a todas as autoridades humanas, seja o rei como autoridade máxima, sejam os oficiais nomeados e enviados por ele para castigar os que fazem o mal e honrar os que fazem o bem.” (1 Pedro 3.13-14). Para o pensamento calvinista reformado, o Estado é uma instituição criada por Deus em razão do pecado da humanidade. Serve para refrear o mal e livrar a sociedade do caos, e neste propósito e interesse, tem poder de justiça para manter a ordem através das leis civis. E como toda Autoridade de Estado foi instituída por Deus para proteger os que praticam o que é correto na sociedade, e para penalizar os desobedientes, compreende-se que as leis civis não deverão desprezar os valores morais dos mandamentos bíblicos; posto que o certo e o errado que Deus deseja regular na sociedade, deve ser coerente ao pensamento bíblico. 2. O ser humano e sua associação familiar e cultural nas mais diversas áreas de ciências e artes, educação e esportes, religião e negócios geram instituições orgânicas; que servem para a humanidade fazer prosperar as capacidades e anseios naturais da vida social que o ser carrega em si. 3. Deus criou as Instituições sociais para orientar a Humanidade através das Autoridades. Todo homem que praticar o bem será protegido e quem fizer o mal será disciplinado; pois a Lei foi dada para ensinar o homem sobre o pecado que arruína a vida hoje, e condena o espírito na eternidade! Não matar e não roubar significa amar o próximo. 4. As Autoridades instituídas por Deus na família e religião, trabalho e comunidade, educação e sociedade devem ser respeitadas e apoiadas nos limites e amplitude de suas áreas. O Estado não é superior à Família, e a Educação não é superior à Religião, e vice versa, pois cada setor da existência tem sua área de ação social definida por seu próprio conteúdo técnico e existencial. 5. A supremacia do Estado sobre o espirito do homem e a consciência do ser não deve ser tolerada pelos cristãos, posto que essa instituição pode vir a afrontar as liberdades civis e individuais; enquanto também poderá atuar para limitar as liberdades de expressão e religiosa dos cidadãos, em contrário ao propósito para que foi instituída por Deus. (o texto base de que utilizamos algum conteúdo na aula, faz parte de um artigo com três tópicos, incluídos o pensamento de Calvino nas "Institutas" e a análise de Henri Strohl acerca do pensamento protestante de Calvino, conforme publicado integralmente na Revista Teológica Fatesul, o qual pode ser acessado no link a seguir: http://fatesul.com/publicacoes/revista-teologica/). REFERÊNCIAS. BÍBLIA, Sagrada, NVT. 1 ed – São Paulo : Mundo Cristão, 2016. _______, de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 1999. KUYPER, Abraham. Calvinismo. Tradução Ricardo Gouveia e Paulo Arantes – São Paulo: Cultura Cristã, 2003. STOTT, John. A Missão Cristã no Mundo Moderno. Traduzido por Meire Portes Santos. – Viçosa, MG : Ultimato, 2010. Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de Teologia e Ciências da Religião. RESUMO TEMÁTICO. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. Seu livro “Calvinismo” contém as palestras ministradas na Universidade e Seminário de Princeton no ano de 1898, expondo temas teológicos “como um fundamento para uma visão abrangente de vida.” (Kuyper, p 5-6, 2003). COSMOVISÃO REFORMADA. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." O Paganismo - Vê Deus na Criatura. Esse sistema de pensamento, "em sua forma mais geral é conhecido pelo fato de supor, assumir e adorar a Deus na criatura", desde o animismo primitivo até o budismo, "o Paganismo não eleva para a concepção da existência independente de Deus, além e acima da criatura... simplesmente por possuir esse ponto de partida significativo foi capaz de produzir uma forma para toda a vida humana própria dele." O Islamismo - Separa Deus da Criatura. A partir de seus fundamentos puros e anti-pagãos, a religiosidade do Alcorão e Maomé "isola Deus da criatura, a fim de evitar toda mistura com a criatura", o que lhe permitiu desenvolver uma visão de mundo própria, com uma contrariedade total ao paganismo. O Catolicismo - Coloca a Igreja Entre Deus e a Criatura. Nesse sistema religioso, "Deus entra em comunhão com a criatura por intermédio de um meio místico, que é a Igreja... como instituição visível, palpável e tangível. Aqui a Igreja se posiciona entre Deus e o mundo" e na forma como consegue se relacionar com o mundo, "o Romanismo criou sua própria forma para a sociedade humana." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". O Paganismo Acentua as Diferenças. Ao pontuar que Deus habita na criatura, o paganismo eleva a condição de heróis e ídolos alguns seres, como se faz na dedicação divina dada a César, enquanto que também se define o que é inferior e mau, como o que ocorre nas castas da Índia e na escravidão no Egito, "colocando com isso um homem sob uma base de sujeição a seu próximo." O Islamismo e o Catolicismo Acentuam as Diferenças. O Islamismo propõe as mulheres como prêmios aos homens no paraíso, enquanto as torna escravas na sociedade, junto com os descrentes, que serão igualmente escravos dos muçulmanos. O Romanismo desenvolve uma hierarquia constante, desde os céus até a terra, desenvolvendo essa distinção e diferença entre anjos, na Igreja e entre os homens, "conduzindo a uma interpretação inteiramente aristocrática da vida como a encarnação do ideal." O Modernismo Procura Eliminar Todas as Diferenças. Esse sistema nega toda diferença, e assim busca produzir o "mulher-homem e homem-mulher", acabando por destruir "a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade. Um tipo deve responder a todos, uma uniformidade, uma posição e um mesmo desenvolvimento de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". A Visão de Mundo do Paganismo e Islamismo. "Do Paganismo pode geralmente ser dito que ele coloca uma estimativa muito alta do mundo e, por isso, em alguma extensão, ele tanto permanece com medo dele como perde-se nele. Por outro lado, o Islamismo coloca uma estimativa muito baixa do mundo, zomba dele e triunfa sobre ele ao alcançar o mundo visionário de um paraíso sensual." Sobre outros sistemas, deve-se ressaltar o modo em que uma certa "antítese entre o homem e o mundo tem assumido a forma mais estreita da antítese entre o mundo e os círculos cristãos. As tradições da Idade Média deram origem a isto. Sob a hierarquia de Roma, a Igreja e o Mundo foram colocados em oposição um ao outro, o primeiro como sendo santificado e o outro como estando ainda sob a maldição. (...) Portanto, em um país cristão, toda a vida social deveria estar coberta pelas asas da Igreja." Magistrados e governantes precisavam ser abençoados, artes e o conhecimento científico deveriam estar sujeitos ao domínio eclesial, e a economia e profissões deveriam seguir os rigores dos sindicatos, sendo que igualmente a família tinha sua realidade determinada pela visão da instituição da igreja. "Como resultado natural, o mundo corrompeu a Igreja, e por seu domínio sobre o mundo, a Igreja proveu um obstáculo a todo desenvolvimento livre de sua vida." O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão. Ao contrário, segundo o desígnio divino, a humanidade tem sido gerada na história “a partir do homem”, como bem anotou Aristóteles, algo que veio unir de forma orgânica toda a raça humana numa espécie única e contínua, posto que oriunda das gerações anteriores e provedora das gerações futuras. Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) Abraham Kuyper reconhece, sim, que a proposta de promover esse império mundial integrador de todos os homens numa única nação, logo se torna um ideal valioso para a humanidade; sendo uma proposição que nos seduz por seu valor comunitário e solidário, da mesma forma que a liberalidade social cresce nos corações humanos, devido a seus apelos em favor da liberdade pessoal que almeja. No entanto, segundo destaca o autor, ambas estas proposições se tornaram apenas vãs tentativas de “olhar para trás, para um paraíso perdido.” (p 87, 2003) Desta forma, a nossa realidade pecaminosa indica que o erro mais grave dos Imperadores, não foi tanto a sedução do Império Mundial, mas sim, o fato de almejarem estabelecer esse ideal numa situação existencial impeditiva desta unicidade. “de fato, sem pecado não teria havido magistrado nem ordem de estado; mas a vida política em sua inteireza teria se desenvolvido segundo um modelo patriarcal da vida de família. Nem tribunal, nem polícia, nem exército, nem marinha, são concebíveis num mundo sem pecado; e se fosse para a vida desenvolver a si mesma, normalmente e sem obstáculo de seu próprio impulso orgânico, consequentemente toda regra, ordenança e lei caducaria, bem como todo controle e afirmação do poder do magistrado desapareceria.” (p 87, 2003) Em decorrência desta impossibilidade, o autor vai definir que toda organização estatal e suas autoridades se tornam um “meio mecânico de obter pela força, a ordem” social entre os homens. Sendo algo, portanto, que deverá ser desenvolvido dentro dos limites e ordenanças de Deus, para que alcancem o propósito divino de sustentar um curso ordeiro para a sociedade, posto que existimos num mundo “em pecado". (p 88, 2003) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) Assim, Kuyper destaca o valor maior por detrás do Estado, como sendo uma instituição judicial perante os homens, cuja autoridade necessita originar e basear-se na Soberania de Deus: “na política, o elemento humano – aqui o povo – não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja forçado a ajudar este povo somente na hora da necessidade; mas que Deus, em sua majestade, deve brilhar diante dos olhos de cada nação.” (p 89, 2003) O modo em que Deus deverá brilhar soberanamente sobre o Estado e no uso dessa instituição, para que a vontade do povo e mesmo de algum homem não venha se tornar superior sobre a humanidade, orienta o reconhecimento dos princípios com que Deus tem definido a formatação desta instituição, na terra: “portanto, quando a humanidade desintegra-se por causa do pecado numa multiplicidade de povos separados, quando o pecado separa os homens e os arrasta, e revela-se em todo tipo de vergonha e iniquidade – a glória de Deus exige que estes horrores sejam refreados, que a ordem retorne ao caos, e que uma força compulsória de fora, faça-se valer para tornar a sociedade humana uma possibilidade. Deus tem esse direito e somente ele.” (Kuyper, p 89, 2003) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). Ao tratar da instituição do Estado na existência comunitária do homem, Kuyper expõe a cosmovisão cristã que busca assegurar o valor da liberdade do ser, na seguinte afirmação: “nenhum homem tem o direito de governar sobre outro homem”, pois “como homem eu continuo livre e corajoso, em oposição ao mais poderoso de meus semelhantes. (...) Não falo da família, pois aqui governam laços orgânicos, naturais; mas na esfera do Estado não cedo ou me curvo a qualquer um que é homem como eu sou.” (p 89, 2003) Nosso autor distingui, assim, a importância da hierarquia natural existente nas instituições criadas por Deus desde a eternidade, como a família e todas as outras vivências culturais etc; daquela hierarquia mecânica e antinatural da instituição do Estado; segundo seu pensamento. Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) Ainda neste contexto abrangente, ao tratar da importância das liberdades individuais e da liberdade de consciência do ser humano em sua vivência familiar e cultural, Kuyper faz algumas considerações para distinguir na história, os pressupostos desiguais de alguns importantes movimentos revolucionários. De um lado, coloca movimentos que mantiveram os princípios e propósitos de Deus, quando da organização da instituição do Estado, como o fizeram as Revoluções Americana e Inglesa; e de outro, aponta para aqueles que agiram contrariamente e para subverter a Soberania divina, buscando elevar e estabelecer o domínio do homem sobre o homem, atacando assim a própria liberdade existencial da humanidade, como fizeram a Revolução Francesa e a ideia de Soberania do Estado Alemã, que se originou de um “produto do panteísmo filosófico alemão”, nas palavras desse mesmo autor. (p 95-96, 2003). FIM DO RESUMO. TÓPICOS DO RESUMO. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. COSMOVISÃO REFORMADA. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. (...) 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." (...) 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." (...) 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. (...) Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão... Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) (...) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) (...) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). (...) Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) (...) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) FIM DO RESUMO TÓPICO.