sexta-feira, 7 de abril de 2017

a ESPIRITUALIDADE no Cinema: MELANCOLIA, de Lars Von Trier

"Em caso de colisão entre o Melancolia e a Terra, é certo que nosso planeta não sobreviverá externamente, mas o que o cineasta dinamarquês busca mostrar é que internamente a situação já está à beira de uma catástrofe."(Lucas Salgado). Se a Nouvelle Vague (1960) de François Truffaut e Jean-Luc Godard arrancou a câmera do interior dos estúdios de cinema e a colocou direto nas ruas e praças do exterior social humano, o Movimento Dogma 95 limpou os cenários cinematográficos das luzes e sons manipulados pra levar o espectador direto aos sentimentos da alma dos personagens: "Em 1995 os dinamarqueses Lars von Trier e Thomas Vinterberg fazem "um voto de castidade" artístico com o Manifesto Dogma 95." (O Livro do Cinema, Globo) Daí que o definitivo filme apocalíptico de Lars von Trier, MELANCOLIA (2011), com Kirsten Dunst (melhor atriz em Cannes) e Charlotte Gainsboug, aplica nas telas - e projeta direto na veia, uma hecatombe familiar. E já que falamos de um cinema purista em seu propósito autoral de apresentar as sensações humanas mais íntimas, nada melhor que ler, logo de uma vez, parte da objetiva crítica de Lucas Salgado (AdoroCinema): "A maioria das cenas passadas durante o jantar é realizada com a câmera na mão, passando ao espectador a sensação que ele é mais uma daquelas figuras inquietas presentes no salão... A direção de arte e o figurino também chamam muito a atenção e deve surpreender aqueles que conhecem apenas o lado mais minimalista do cinema de von Trier, como Dogville... Não existem soluções simples em Melancolia ou qualquer tipo de redenção. É um longa único, como costumam ser os de von Trier, que deixa o espectador quase que num transe após a sessão. Você pode até não gostar, mas é difícil não se envolver." A primeira parte do filme expõe a amplitude da depressão existencial da protagonista ao tratar da sensação que a domina nos projetos mais comuns de sua vida, particularmente seu casamento e os necessários convívios comunitários que vêm junto da celebração. Uma depressão crescente que irá se transformar em serenidade assim que um desafio existencial maior, e definitivo, aponta no horizonte de todos os personagens - o fim do mundo e a morte de toda a humanidade. De repente, eis que tudo muda! Pois enquanto a protagonista se ergue das cinzas pra bem conviver em família cada novo dia que têm, seus parentes e vizinhos apenas esperam sobreviver enquanto permanecem com os olhos gravados na dança de morte dos planetas. Já que estes orbitam agora, sempre próximos de uma colisão entre si. A condenação do planeta Terra e o Juízo final da população do mundo estão perto demais, pra ser mentira. Eis o modo brilhante como o diretor von Trier torna perceptíveis alguns sentimentos contraditórios da humanidade, o que realiza através de uma metáfora tão grandiosa, que quase nega ao autor seus princípios autorais. Só que não. Fala, então, Thiago Siqueira: "Comumente, a depressão é explicada pelo desequilíbrio bioquímico dos neurônios responsáveis pelo controle do estado de humor. Essa colocação fria e lógica não chega aos pés dos efeitos reais dessa condição em uma pessoa e aqueles que a cercam. Nisso, o diretor Lars von Trier se livrou das amarras da sutileza e colocou brilhantemente neste seu novo trabalho uma metáfora clara da depressão: é um planeta atingindo nosso mundo. (...) Melancolia absorve parte do ar da Terra, tornando difícil a respiração. Seu empuxo gravitacional atrai tudo o que estiver próximo e seu impacto em outros corpos não apenas os destrói, mas como parece também absorvê-los." (Cinema Rapadura) Enquanto a história permanece desenrolando direto do projetor de cinema, a "sensação" da depressão também se torna cada vez mais conhecida dos espectadores. Algo que ocorre através de uma proximidade que perturba não por compartilharmos a opressão do outro, mas sim, pela familiaridade que há entre o que se vê na tela com a nossa pessoal dor existencial. Pois a angústia particular da protagonista tornou-se uma ansiedade comunitária da humanidade, assim que certa futilidade inexplicável da vida se fez aparente por meio da chegada do fim, de todos nós. Chegou o Apocalipse! Uma expressão outrora preocupante que virou marketing temático do fim do milênio, de tal forma que hoje poucos com ela se surpreendem, ou atemorizam. Isso até que o filme "MELANCOLIA" nos traz de volta para uma realidade, sim, inescapável da humanidade. A nossa data final! Mas, afinal, o que ensina mesmo a boa Espiritualidade sobre o fim dos tempos - da humanidade? Bem, o que já dá pra dizer, sem estragar a surpresa, é que a cena final de MELANCOLIA tem muito a ver com a cena inicial do mais conhecido Apocalipse de todos - o bíblico! Mas, se ambas as cenas são parecidas, algo fundamental pra saber do fim dos tempos judaico-cristão da humanidade é que... o anunciado Reino de Deus vai um dia chegar inteiro por aqui, sim. Bem definitivo e de uma vez por todas! A primeira revelação essencial é que trata-se de um final, certamente, mas apenas daquilo que chamamos, "a presente época". Não é o fim dos tempos ou da vida, não. Pois está mais para uma transformação do que para extinção. Isto porque o Apocalipse vai promover uma mudança definitiva da autoridade que domina o modo como a vida humana deve acontecer, e ser neste mundo. Só pra melhor entender: assim que Jesus andou pela Palestina curando doentes e livrando pessoas de espíritos malignos, foi quando descobrimos pela primeira vez que o reino dos "céus" estava atuando no planeta Terra. Ou seja, havia um novo monarca na região. Um soberano poderoso cujo alcance de autoridade era comprovado através das boas ações de Jesus pela humanidade. Portanto, os "céus" que no fim dos tempos vão chegar inteiramente pra cá, são exatamente os mesmos daquele reino dos "céus" que um dia Jesus já inaugurou por aqui. O que vai acabar de uma vez por todas no final dos tempos, então, é exatamente esta "presente época" de uma vida bastante distante de Deus, e de seus cuidados e verdades. Haverá uma renovação existencial da história dos homens que a esperança cristã visualiza como uma realidade futura ocorrendo através da presença transformadora de Deus, no meio de todo mundo. Algo diferente das ideias seculares de esperança e bonança social consignadas por meio do Iluminismo ou Marxismo. Eis porque o ensino do Apocalipse bíblico tem mais a ver com a ideia de um "Céu" que "encontra" o nosso mundo, do que com a visão de que faremos uma viagem até um céu onde Deus lá nos espera, assim que o dia chegar. Eu sei que todos aqueles que morrem na Terra antes disso acontecer, vão aguardar nos "céus" até a hora do Apocalipse ocorrer. Mas, se trata mais de uma dimensão da existência humana, do que de um lugar pra morar, e nele depois existir. Portanto, a grande mudança existencial que vai ocorrer assim que o Apocalipse acontecer, não é a de que alguns vão para o "céu". Mas sim, que os próprios "Céus de Deus" vão definitivamente chegar em nosso planeta Terra. Aproveite quem puder! Pois o capítulo 21 do Apocalipse afirma que vai acontecer uma restauração total da condição vivencial da humanidade, pra tornar a vida na Terra algo próximo do que um dia já existiu lá no jardim do Éden. Exatamente o lugar que já foi a morada conjunta de Deus e dos homens neste mundo. "Vi o céu e a terra criados de novo! (...) Ouvi uma voz: "Olhe! Olhe! Deus está de mudança: vai morar entre os homens e mulheres. Eles são seu povo, ele é o Deus deles. Ele vai enxugar toda lágrima dos olhos deles... A primeira ordem das coisas não existe mais." Não é nada, não é nada, eis que o fim dos tempos do Apocalipse bíblico assume - com vantagem, a condição de melhor solução pra qualquer comunitária depressão que surgir, por aí, buscando em nós se encostar. Dentro deste propósito, MELANCOLIA é um filme necessário, pois a profundidade vivencial de sua cena final aponta, sim, para uma real transformação que irá ocorrer da história humana no planeta. Novidade existencial angustiante que seu enredo dramático descreve de jeito brilhante, ao apresentar nossa constante ansiedade habitual de modo sutil e trágico, eterno e diário, aparente e íntimo, tudo pra explicar melhor o que significa existir como "ser" humano nesta presente época inquieta da humanidade. Que o mágico encontro de Melancolia com a Terra nos sirva de visão pra logo enxergar o anunciado e possível encontro final de Deus com a humanidade. E que a boa espiritualidade nos ajude a estar prontos pra tão definitiva ocasião. Bom filme.

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