sexta-feira, 2 de setembro de 2022

O PENSAMENTO REFORMADO E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL. Seminário Presbiteriano do Sul - Curitiba. Setembro, 2022.

“Calvino foi um patrono dos direitos humanos; lutou contra os abusos do poder em seu tempo e chegou até mesmo a lidar com o problema político-filosófico da desobediência civil e do direito de revolta. Em seu pensamento ele antecipou os fundamentos da moderna forma de governo republicano, tornou-se um dos pais da democracia moderna, e contribuiu decisivamente para a compreensão cristã do relacionamento entre lei natural e lei positiva.” (R. Q. Gouvêa; Calvino, p 8, 2001). No dia 7 de setembro de 1822, o Brasil se tornou uma nação independente diante de Portugal, quando Dom Pedro afirmou "Independência ou Morte" próximo do riacho Ipiranga em São Paulo. Nosso país permaneceu sendo uma monarquia e teve uma constituição imperial promulgada em 1824. Até que em 15 de novembro de 1889 ocorreu a Proclamação da República Brasileira. Foi a oportunidade para que nosso país viesse a receber uma carta constitucional republicana em 24 de fevereiro de 1891, com a oficialização do sistema político presidencialista. No contexto político-social do modo em que as nações são estruturadas em sua governança perante a população, atualizamos neste período de celebração da Independência do Brasil agora em 2022, o pensamento cristão reformado acerca do tema. São valores bíblicos que a Igreja Presbiteriana tem refletido na história sobre a ordem social dos povos, a partir do pensamento do teólogo protestante João Calvino. Nessa perspectiva, faz-se importante recordar que o estabelecimento de Calvino como teólogo da Reforma Protestante se dá num contexto histórico e social de profundas transformações políticas na Europa. Afinal, a cidade de Genebra conquistou sua independência do Ducado de Savoia em 1535, sendo um período em que as lideranças da cidade estavam em busca de se organizar civilmente à luz dos novos padrões sociais e religiosos oriundos do humanismo e da reforma. Dessa forma, o ministro religioso e líder social da Reforma, Guilherme Farel voltou-se para a pessoa de Calvino já em 1536, posto que o reformador "falava e escrevia fluentemente o francês; publicara um excelente livro de instruções da doutrina cristã, o que indicava sua habilidade como educador; e era graduado em Direito Civil e, portanto, podia ajudar Genebra a elaborar suas leis civis." (McGrath, p. 92-94, 2012). Nesse contexto, Henri Strohl destaca na obra "O Pensamento da Reforma"; o aspecto em que, “Calvino é, dentre os Reformadores, quem melhor elaborou seu pensamento político. Seus estudos jurídicos prévios concorreram muito nesse sentido. Haja visto o capítulo sobre o governo civil com que termina a primeira edição da IRC e que já se apresentava em forma tão acabada que não sofreu maiores alterações nas edições posteriores”. (Henri Strohl; p 230, 2004). Strohl ressalta que João Calvino foi aquele que mais se dedicou ao tema, vindo a definir que deveria ocorrer uma real distinção entre as instituições do Estado e da Igreja. Pois o propósito de Deus é abençoar toda a humanidade através das delimitações das áreas de atuação destes dois poderes: “daí porque a “liberdade espiritual pode coexistir com a submissão civil, e o poder temporal não é incompatível com o reino espiritual de Cristo.” Nesse sentido, Calvino destaca que a sociedade humana necessita do Estado, no interesse de que a ordem seja mantida num mundo que se encontra submetido ao pecado: “Os que desejam privar o homem desse amparo... necessário para sua peregrinação na terra... fazem violência à sua natureza humana”. Ainda, o entendimento calvinista de que as autoridades são vigários de Deus nas suas diversas funções na sociedade, sejam eles reis, governadores ou chefes de grupos, orienta o modo como os fiéis devem acatar toda autoridade existente, mesmo que a monarquia seja a menos aceitável, conforme indica o pensamento dos “espíritos elevados”, de Aristóteles, Platão e Sêneca, segundo Calvino. Para o reformador, devemos reconhecer “a providência de Deus no fato de que diferentes regiões são governadas por diferentes formas de autoridade”; sendo que, “o melhor sistema de governo é aquele em que há liberdade adequada e durável”, com um destaque acerca da importância de que esse peculiar modelo de autoridade social que provê liberdade à população seja preservado; já que “o primeiro dever daqueles que governam um povo livre é velar para que “a liberdade do povo, do qual são protetores, não se restrinja.” (Strohl, p 232-233, 2004). Henri Strohl finaliza as considerações sobre o pensamento de Calvino acerca do Estado, ressaltando o valor de que as autoridades instituídas por Deus para manter a ordem e preservar o mundo não devem ser percebidas como um “mal necessário”, mas sim, devem ser acolhidas com a devida honra, atenção e obediência, conforme ensinam os apóstolos Paulo, em Romanos 13, e Pedro, em sua segunda carta, no capítulo 2. (p 236-237) Acerca desse mesmo tema, Matos e Nascimento destacam o modo em que Calvino se manteve atuante como um "pastor e estudioso das Escrituras" diante da sociedade, mesmo enquanto se dedicava a refletir acerca do Estado e situações sociais, fiel ao entendimento de que "a Bíblia contém princípios que devem reger todas as áreas da vida". Nesse sentido, conforme nossos autores, "Calvino afirma que o governo civil é uma dádiva de Deus (ver Romanos 13.1-7) e que o ofício de governante é uma elevada vocação, a mais sagrada e honrosa que existe (Institutas, 4.20.4)." (...) posto que a função da governança entre os homens é "proteger o serviço externo de Deus, defender o sadio ensino da piedade e a condição da igreja, regular as nossas vidas para a sociedade humana, moldar a nossa moral para a justiça civil, reconciliar-nos uns aos outros, e fomentar a paz e tranquilidade comum" (Institutas, 4.20.2)." (p. 23-25, 2007). E concluindo esse breve artigo de princípios cristãos reformados acerca dos sistemas de governo, à luz do pensamento de João Calvino, destacamos alguns aspectos elaborados por André Biéler, na obra "O Pensamento Econômico e Social de Calvino": "Cabe, com efeito, ao Estado, não somente manter certa ordem na sociedade, mas também prover o sustento da Igreja e da pregação fiel da Palavra de Deus entre os cidadãos". Sendo que, no destaque desse mesmo autor, tais proposições são dadas expressamente por João Calvino em seus "comentários ao Novo Testamento (I Timóteo 2.2)", conforme a seguinte citação: dos "frutos que nos provém de um principado ou governo bem regrado. O primeiro é a vida tranquila e pacífica, visto que os magistrados são armados da espada para suster-nos em paz (...) O segundo fruto é a conservação da piedade, isto é, quando os magistrados se dedicam a promover a religião, a manter o culto de Deus e a dar ordem a que as santas cerimônias sejam devidamente administradas e com reverência." (p 379-380, 1990). Nesse período de celebrações da Independência do Brasil, recordamos princípios cristãos reformados que observam a importância da organização da atuação governamental das nações perante os homens. Na fundamental orientação de que as autoridades civis são dadas aos homens por Deus para regular a ordem social, e para que tenhamos liberdade enquanto cidadãos políticos e livre expressão religiosa enquanto seres humanos espirituais. REFERÊNCIAS: BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. tradução de Waldyr Carvalho Luz. - São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. CALVINO, João. A Verdadeira Vida Cristã, 2001. SP. MATOS, Alderi Souza e NASCIMENTO, Adão Carlos. O que todo Presbiteriano inteligente deve saber. Santa Bárbara d´Oeste, SP :SOCEP Editora, 2007. MCGRATH, Alister. A Revolução Protestante. tradução Lena e Regina Aranha. - Brasília, DF : Palavra, 2012. STROHL, Henri. O Pensamento da Reforma. tradução de Aharon Sapsezian, Aste. São Paulo, 2004. AUTOR. Ivan S Rüppell Jr é Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, professor de ciências da religião e teologia na Fatesul, e Advogado.

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