INTRODUÇÃO. A instituição histórica dos Diáconos na Igreja de Cristo.
Livro de Atos, cap. 6.
"À medida que o número de discípulos crescia, surgiam múrmurios de descontentamento. Os judeus de fala grega se queixavam dos de fala hebraica, dizendo que suas viúvas estavam sendo negligenciadas na distribuição diária de alimento. Por isso, os Doze convocaram uma reunião com todos os discípulos e disseram: 'Nós, apóstolos, devemos nos dedicar ao ensino da palavra de Deus, e não à distribuição de alimentos. Sendo assim, irmãos, escolham sete homens respeitados, cheios do Espírito e de sabedoria, e nós os encarregaremos desse serviço. Então nós nos dedicaremos à oração e ao ensino da palavra'. A ideia agradou a todos, e escolheram Estevão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, e também Filipe, Prócoro, Nicanor, Timom, Pármenas e Nicolau de Antioquia, que antes havia se convertido ao judaísmo. Esses sete foram apresentados aos apóstolos, que oraram por eles e lhes impuseram as mãos. Assim a mensagem de Deus continuou a se espalhar. O número de discípulos se multiplicava em Jerusalém, e muitos sacerdotes também se converteram." (versos 1-7).
COMENTÁRIO ao texto bíblico, Bíblia de Genebra: "Nesta organização inicial da igreja do Novo Testamento, dois ministérios estão listados: o ministério da palavra e oração (v. 4) e o ministério de satisfazer as necessidades físicas do povo, tal como servir à mesa. O verbo grego é diakoneo ("servir"), do qual deriva a palavra "diácono". Em 6.1, o respectivo substantivo é traduzido por "distribuição" e, no v. 4, por "o ministério". O ofício de diácono, que pode ter tido o seu começo aqui, é descrito em 1Tm 3.8-13." (p. 1280, 1990).
COMENTÁRIO sobre a caridade e ministério da Igreja, João Calvino. Sobre as reformas eclesiais e sociais promovidas a partir da liderança do reformador, destaca-se que, "nas primeiras ordenanças eclesiásticas de 1537, tinham os reformadores provido as mais urgentes necessidades da população, no que lhe concernia à renovação espiritual e moral. Em Strasburgo, tinha Calvino vencido uma etapa a mais (...) havia ele ordenado a vida material dos fiéis sob o modelo da Igreja Primitiva; havia recorrido, para o socorro dos pobres e a administração dos bens da comunidade, ao ministério dos diáconos, segundo o uso estabelecido nesta cidade. (...) A vida religiosa e a vida material do crente estão ambas sujeitas à mesma ordem de Deus. São elas a tal ponto dependentes uma da outra que o serviço social dos diáconos é concebido como um ministério eclesiástico, ao mesmo título que o ministério pastoral e o múnus magisterial." Calvino orienta que hajam dois grupos agindo no ministério diaconal, tanto os que recebem e administram os bens próprios dos pobres, como ainda, "para tratar e pensar os doentes e administrar a porção dos pobres, costume esse que mantemos ainda no presente." (p. 223, Biéler, 1990).
APÓSTOLO PAULO. O DESENVOLVIMENTO DO SERVIÇO DE CARIDADE NA IGREJA PRIMITIVA.
Paulo cuidou de manter, promover e desenvolver o ministério diaconal e a boa obra de justiça religiosa da caridade na vida da Igreja de Cristo, exortando e ensinando cuidadosamente o modo em que os cristãos deveriam amar o próximo e servir aos necessitados.
Logo entre os anos 50 e 51, o Apóstolo escreve na primeira carta aos Tessalonicenses, destacando um princípio fundamental: "Cuidem que ninguém retribua o mal com o mal, mas procurem fazer o bem uns aos outros e a todos." (1Tessalonicenses 5.15).
No ano de 55 Paulo enviou a segunda carta aos Coríntios, ao deixar Éfeso e em viagem até Corinto. São dois capítulos inteiros dedicados aos cristãos de Corinto e ao povo de Deus em todos os tempos, que tratam da caridade cristã movida pela generosidade da misericórdia, afirmando para o Cristianismo a essência espiritual de uma relação íntima com Deus que o cristão desenvolve diante do próximo. É incrível: "Visto que vocês se destacam em alguns aspectos - na fé, nos discursos eloquentes, no conhecimento, no entusiasmo e no amor que receberam de nós - queríamos que também se destacassem no generoso ato de contribuir... No momento, vocês tem fartura e podem ajudar os que passam por necessidades... Lembrem-se: quem lança apenas algumas sementes obtém uma colheita pequena, mas quem semeia com fartura obtém uma colheita farta... Pois é Deus quem supre a semente para o que semeia e depois o pão para seu alimento... Em tudo vocês serão enriquecidos a fim de que possam ser generosos... Como resultado do serviço de vocês, eles darão glória a Deus. Pois sua generosidade com eles e com todos os que creem mostrará que vocês são obedientes às boas-novas de Cristo." (2 Coríntios 8.7 - 9.13).
Anos mais tarde, ao redor do ano 61, Paulo escreve da prisão em Roma, agradecido pelas ofertas dos cristãos filipenses, demonstrando a força da generosidade cristã nas relações mais pessoais diante das dificuldades individuais: "Como eu me alegro no Senhor por vocês terem voltado a se preocupar comigo... Posso todas as coisas por meio de Cristo, que me dá forças. Mesmo assim, vocês fizeram bem em me ajudar na dificuldade pela qual estou passando... E esse mesmo Deus que cuida de mim lhes suprirá todas as necessidades por meio das riquezas gloriosas que nos foram dadas em Cristo Jesus." (Filipenses 4. 10-19).
Ainda na década de 60, entre os anos em que saiu da prisão em Roma até para lá voltar e ser martirizado em 68 d.C, o Apóstolo Paulo escreveu sobre o mandamento da caridade do povo de Deus, instruíndo a Timóteo entre os anos de 62 a 64. Paulo ensina Timóteo sobre esta boa obra de justiça, aproveitando pra exortar a família e ensinar aos ricos: "Cuide das viúvas que não tem ningúem para ajuda-las. Mas, se elas tiverem filhos ou netos, a primeira responsabilidade deles é mostrar devoção no lar e retribuir aos pais o cuidado recebido. Isso é algo que agrada a Deus... Se alguma irmã na fé tem viúvas na família, deve tomar conta delas e não sobrecarregar a igreja, que assim poderá cuidar das viúvas que estiverem verdadeiramente sozinhas... Ensine aos ricos deste mundo que não se orgulhem nem confiem em seu dinheiro, que é incerto. Sua confiança deve estar em Deus, que provê ricamente tudo de que necessitamos para nossa satisfação. Diga-lhes que usem seu dinheiro para fazer o bem. Devem ser ricos em boas obras e generosos com os necessitados, sempre prontos a repartir. Desse modo, acumularão tesouros para si como um alicerce firme para o futuro, a fim de experimentarem a verdadeira vida." (1Timóteo, 5.3 - 6.19).
CRISTIANISMO E SOLIDARIEDADE. Observação e análise sobre a atividade de serviço ao próximo e caridade da Igreja de Cristo no império romano.
"O modo como a solidariedade cristã transformou a história do império romano nas epidemias dos séculos 2 e 3.
“A igreja cristã primitiva foi um dos primeiros movimentos de alcance social abrangente e organizado, baseado na reciprocidade, redistribuição e no núcleo familiar." (p. 63, Brandão). Não há como negar o crescimento extraordinário do cristianismo por todo o império romano a partir do século 3.
O professor Rodney Stark estudou as razões sociológicas que oportunizaram a conversão de milhões de cidadãos do império, na ação do Espírito Santo, concluindo que, “a generosidade cristã e a ênfase na reciprocidade transformaram o movimento inicial em um eficiente sistema de apoio e ajuda, focado numa rede de bem-estar social de alto impacto, principalmente nas vidas de pessoas idosas, viúvas e órfãos. (...) O cristianismo primitivo trazia em seu bojo um conteúdo de inclusão e partilha que as religiões pagãs não podiam oferecer”. (p. 64).
Os cristãos partilhavam e ensinavam uma religião de relacionamento direto com Deus, sem sacerdotes intermediários, sendo desnecessário entregar ofertas para afastar a ira de Deus, já que o único sacrifício requerido era “o amor demonstrado através de ações de caridade e solidariedade para com o próximo e os necessitados”. Conforme Tiago, “para Deus, o Pai, a religião pura e verdadeira é esta: Ajudar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e não se manchar com as coisas más deste mundo” (1.27). (p. 66).
Dessa forma, “ser cristão era, em essência, estabelecer um relacionamento com Deus construindo relacionamentos com as pessoas, com o próximo, e principal e prioritariamente, com o próximo mais necessitado”. (p. 66).
Ao final do século 2, ano de 180, o imperador Marcus Aurelius e praticamente 1/3 da população veio a falecer devido à epidemia de varíola. No século 3, em 251, uma nova epidemia, agora de sarampo, produziu grande mortandade nas regiões rurais e municipais do império, atingindo toda uma população que desconhecia essas doenças e sua gravidade. Neste sentido, a fragilidade e desestruturação do império romano nestes períodos tem sido percebida tanto por questões morais e invasões à região, como por uma realista “questão de saúde pública: estas duas epidemias”. (p. 68).
Embora historiadores não incluam no estudo inicial do avanço do cristianismo essas epidemias, “os pais da Igreja (Cipriano, Dionísio, Eusébio, dentre outros), afirmam que as epidemias contribuíram mais para a causa cristã do que provavelmente qualquer outra coisa”. (p. .68). Assim, “a rede de solidariedade, amizade e ajuda dos cristãos, baseada nos pequenos grupos” ofereceu tanto novos vínculos pessoais aos que perdiam familiares, como apoio nas necessidades, e desta forma, “os pagãos foram sendo convertidos à nova religião de uma maneira muito natural”. (p. 69).
Nesse contexto, os cristãos entendiam que a melhor resposta era dedicar-se à boa prática dos mandamentos de Deus, no caso, desenvolvendo uma ética relacional cristã de adorar a Deus junto de amar o próximo. “A igreja cristã incipiente demonstrou que a convicção da salvação deve ser expressa por meio de ações de solidariedade e ajuda ao próximo, conforme determinava o centro de sua fé: amar a Deus amando o próximo”. (p. 70).
Líderes cristãos pregavam fé e esperança, vendo a situação como uma oportunidade de provação da fé genuína em Jesus Cristo, de modo que o cristianismo, mais do que explicar as tragédias, se dedicava a tratar as dores do ser humano, “trazendo objetividade e sentido no meio do caos, da desordem e da completa anomia social. As ações cristãs foram a face mais evidente do espírito que eles possuíam, e da sua crença acerca do mal e de salvação”. (p. 72). Dionísio destaca que durante o ano 260 d.C., os cristãos serviam corajosamente realizando tarefas como o enterro de mortos, tratamento de enfermos, alimentação de famintos e testemunho de fé a todos. Os cristãos atendiam tanto os irmãos da fé como a toda a população a seu redor. “O resultado de tamanha piedade e fé foi um impacto social muito grande... a resposta cristã forneceu a base para uma explosão de crescimento”. (p. 72, Brandão).
AS BOAS OBRAS DE JUSTIÇA RELIGIOSA. O SERMÃO DO MONTE. O serviço e a caridade como obras de justiça do cristão.
Jesus esclarece no Sermão do Monte que há dois tipos de boas obras de justiça da lei que os cristãos devem seguir: as obras da Justiça Social e as obras da Justiça Religiosa. As boas obras da Justiça Social são aquelas que a gente pratica ao se relacionar com as pessoas e em sociedade. E as boas obras da Justiça Religiosa são as que fazemos diante de Deus, sendo que Jesus define o valor essencial dessa prática piedosa em Mateus 6.1 - 18: "Tenham cuidado! Não pratiquem suas boas ações em público, para serem admirados por outros... E seu Pai, que observa em segredo, os recompensará."
Agora, observe que interessante, pois a Caridade é uma boa obra de justiça religiosa cristã diante de Deus em primeiro lugar, mas que devemos praticar objetivamente para servir os outros seres humanos. Assim, a justiça religiosa da caridade se torna uma virtude piedosa que exemplifica amplamente o próprio resumo da lei, de Amar a Deus e Amar o próximo.
O próprio Senhor Jesus ao explicar o princípio do mandamento de Amar o próximo quando unido ao mandamento de Amar a Deus como sendo ambos o resumo da Lei, ensinou na Parábola do Bom Samaritano que a atitude de misericórdia perante qualquer necessitado é a boa obediência da lei; "então Jesus disse: "Vá e faça o mesmo". (Lucas 10.25-37).
JOÃO CALVINO. A VOCAÇÃO DO CRISTÃO.
Serviço ao próximo e tratamento do pecado do egoísmo. O teólogo essencial do protestantismo reformado desafia os cristãos a atender o chamado de Deus. Dessa forma, a vocação do cristão para viver a sua nova história com Deus orienta alguns bons "passos da vida cristã e do serviço a Deus", que nos desafiam a mover um afastamento "de nós mesmos a fim de aplicarmos todas as forças da nossa mente ao serviço de Deus". Uma experiência em que a nossa nova compreensão acerca da realidade deverá estar totalmente sujeita ao entendimento dado pelo Espírito de Deus, numa "transformação que o apóstolo chama renovação da mente". (p. 184, Calvino, Institutas). Desta forma, o cristão irá trilhar o caminho de "buscar não o que nos agrada, mas o que agrada e glorifica a Deus". Um exercício existencial necessário de "renúncia de nós mesmos que Cristo com tanto empenho e zelo exige de todos os seus discípulos, como sua primeira aprendizagem". (p. 185). E aqui, Calvino destaca que toda "abnegação ou renúncia de nós mesmos em parte visa ao bem dos homens e em parte, na verdade principalmente, visa à nossa relação com Deus", surgindo deste entendimento a compreensão de que ao preferir o próximo em honra diante de mim, eis que sou chamado a me dedicar "com toda lealdade a promover o seu progresso", ao invés de orgulhosamente estar acima dele de modo a menosprezar sua vida. (p. 186). (...)
Prossegue daí o reformador: "na prática do bem e das ações humanitárias, adotemos esta norma: de tudo o que o Senhor nos deu com o que podemos ajudar o nosso próximo, somos despenseiros ou mordomos, sendo que teremos de prestar contas de como nos desincumbimos da nossa responsabilidade. E mais: não há outra maneira recomendável de administrar o que recebemos senão a de seguir a norma do amor". (p. 189). Daí surge o princípio cristão essencial, assim destacado por Calvino no tópico 14: "Fazer o bem a todos, quer mereçam ou não", afastando de nosso olhar as suas atitudes e observando que cada um deles carrega em si a imagem de Deus, "a qual devemos honrar e amar". "Portanto, seja quem for que se apresente a nós como necessitado do nosso auxílio, não há o que justifique que nos neguemos a servi-lo". (p. 190, Calvino, Institutas).
OS CRISTÃOS, A LUZ DO MUNDO. O Ministério dos Diáconos e o testemunho de serviço e caridade da Igreja junto ao Corpo de Cristo e na sociedade.
"Vocês são a luz do mundo. É impossível esconder uma cidade constrúida no alto de um monte. Não faz sentido acender uma lâmpada e depois colocá-la sob um cesto. Pelo contrário, ela é colocada num pedestal, de onde ilumina todos que estão na casa. Da mesma forma, suas boas obras devem brilhar, para que todos as vejam e louvem seu Pai, que está no céu." (Evangelho de Mateus, cap. 5, versos 14-16).
REFERÊNCIAS.
BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. São Paulo e Barueri, Cultura Cristã e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Tradução de Waldyr Carvalho Luz. - São Paulo: Casa Editora Presbiteriana S/C, 1990.
BRANDÃO, Gustavo Leal. Jardim da cooperação: evangelho, redes sociais e economia solidária / Paulo Roberto Borges Brito, org. – Viçosa, MG : Ultimato, 2008. (p. 63-75). Capítulo e artigo: Parte 2 – Exemplos históricos de “Redes Sociais Cristãs”. 4. O cristianismo como rede de solidariedade, de Gustavo A. Leal Brandão.
CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. (tradução Odayr Olivetti). São Paulo: Cultura Cristã, 2006. (p. 177 a 192).
Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor do Seminário Presbiteriano do Sul - extensão Curitiba e advogado, capelão da Repas e ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, atuando na gestão de ações sociais de igrejas.
Esse texto tem objetivo didático na disciplina de Símbolos de Fé no Seminário Presbiteriano do Sul extensão Curitiba. Daí a utilização de resumos e citações mais longas no interesse de oferecer aos alunos o conteúdo apropriado para o entendimento necessário aos debates e explanações em aula. CONTEÚDO de Aula: CONTEXTO HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO DOS SÍMBOLOS DE FÉ DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. TEOLOGIA REFORMADA. "Trata-se da teologia oriunda da Reforma (calvinista) em distinção à luterana. O designativo "reformada" é preferível ao calvinista... considerando o fato de que a teologia reformada não provém estritamente de Calvino." (Maia, p. 11, 2007). OS CREDOS E A REFORMA. "Os credos da Reforma são as confissões de fé e os catecismos produzidos nesse período ou sob sua inspiração teológica. Os séculos 4 e 5 foram para a elaboração dos credos o que os séculos 16 e 17 foram para a feitura das confissões e dos catecismos. A razão parece evidente: na Reforma, as...
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