sábado, 28 de dezembro de 2019

a ESPIRITUALIDADE no Cinema e Tv: DOIS PAPAS, de Fernando Meirelles

"A verdade pode ser vital, mas, sem amor, ela é insuportável.": eis a frase do livro de Bento XVI, "Caritas in Veritate", que Francisco I recorda ao final da longa conversa que desenvolvem no instigante drama de ficção Dois Papas, filmado num estilo documentarista por Fernando Meirelles, 2019, disponível pela Netflix. O Papa Bergoglio cita para o Papa Joseph as palavras do próprio livro deste, num contexto em que ambos confessam as culpas que carregam na alma devido a conflitos vivenciados quando tiveram de escolher entre atender as demandas da gerência da instituição ou do pastoreio da comunidade, durante suas carreiras sacerdotais na Igreja Católica. São palavras poético-teológicas explicativas da graça cristã que estimulam o arrependimento sincero do homem diante de Deus, pois somente assim o ser humano será capaz de experimentar o perdão divino amoroso que cura os humildes de espírito, ao invés de condenar os soberbos da vaidade. Trata-se de uma verdade espiritual fundamental do Cristianismo que surge numa situação apropriada no filme, apresentando no contexto devido um dos princípios doutrinários essenciais desta religião. A dinâmica narrativa do filme foi exposta de forma objetiva pelo articulista Francisco Russo, como segue: "o diretor Fernando Meirelles aqui entrega um filme bem mais ambicioso: discutir os bastidores da Igreja a partir de um encontro entre o atual e o futuro papa, no qual tal transição é não apenas comunicada, mas também justificada. (...) A bem da verdade, Bento e Bergoglio não são inimigos e é prazeroso ver o respeito que nutrem um pelo outro em tempos de tanta intransigência e egoísmo. A grande beleza do roteiro está justamente em estabelecer tão bem as características de cada um e, a partir delas, apresentar ao espectador diferentes facetas sobre a mesma questão." (www.adorocinema.com) A Espiritualidade de "Dois Papas", que conta com as belíssimas atuações de Jonathan Pryce como Francisco I e Anthony Hopkins como Bento XVI toma vida através da personalidade destes dois homens religiosos, que representam em si mesmos as quase sempre distantes e distintas faces da mesma moeda única chamada religião: a defesa da verdade doutrinária da instituição e a comunicação de sua verdade existencial ao mundo das pessoas. Enquanto Bento XVI amadureceu na Igreja e se fortalece espiritualmente enquanto guardião das doutrinas e mandamentos mediante os quais a instituição deseja ensinar ao mundo a importância da religião para que os homens consigam se relacionar com Deus; Francisco I abraça como sacerdote a vivência das atitudes amorosas de que necessitam os seres humanos carentes da misericórdia e da justiça de Deus neste mundo pecaminoso. E conforme vemos na realidade da história e também no desenrolar do filme, trata-se de dois aspectos da religião cristã que comumente encontram-se afastados um do outro. Pois os que se dedicam a ensinar ao mundo o modo como os homens se afastam de Deus ao negarem seus mandamentos, posto que já se sabe que os pecados humanos impedem as pessoas de encontrarem a presença divina em suas vidas; parecem ter dificuldades em apresentar esta verdade religiosa mantendo no coração uma sensibilidade para com a dor e sofrimentos dos humanos rebeldes, que padecem as múltiplas consequências do pecado debaixo de suas próprias fraquezas e das debilidades da sociedade. E vice-versa. Ou seja, a verdade religiosa essencial não se faz acompanhar da fundamental compaixão ao próximo, enquanto que as atividades de misericórdia acabam desprezando a ministração das verdades eternas acerca do caráter de Deus. Eis o dilema espiritual cristão que vemos exposto como um osso fraturado religioso da civilização contemporânea na narrativa de Dois Papas. O filme dirigido por Francisco Meirelles apresenta uma narrativa em que o contexto religioso e cultural mais amplo relacionado ao pensamento e vivências espirituais de cada um dos Papas pode ser reconhecido, com certa liberalidade, talvez; mas que peca gravemente por indicar que foi baseado em fatos reais, sendo que tais conversas e, especialmente, o desenvolvimento e perspectiva relacional dos diálogos se revelam absolutamente inverossímeis. No entanto, o diretor do magistral "O Jardineiro Fiel" continua fortalecendo a técnica autoral que observa o melhor da cinematografia clássica norte-americana junto do essencial do naturalismo europeu. E quanto ao crucial tema da Espiritualidade, bem, já que estamos tratando do Cristianismo, o melhor é recorrer ao Messias desta religião, Jesus de Nazaré; que orientou toda essa questão em dois encontros que tratavam de um mesmo pecado: o adultério. Segundo John Stott, para chegar perto da Mulher Samaritana a fim de abençoa-la com a misericórdia de Deus, Jesus superou três preconceitos que a desqualificavam socialmente: ela era mulher, era samaritana, e ainda cometia um grave pecado social, que era o adultério. A cura espiritual para a sua vida pode ser resumida no diálogo que Jesus teve junto de uma segunda mulher, também adúltera, que estava prestes a ser apedrejada; algo que ele impediu ao afirmar que só deveriam atirar a primeira pedra aqueles que nunca tivessem cometido pecado. E assim, o Profeta se virou para ela e disse: "Onde estão seus acusadores? Nenhum deles a condenou?" "Não, Senhor", respondeu ela. E Jesus disse: "Eu também não a condeno. Vá e não peque mais." (João 8.10-11). Os Cristãos doutrinários devem unir a moralidade da Santidade com a compaixão da Graça e os Cristãos humanitários devem manter esta graça sem desprezar aquela santidade. FELIZ ANO NOVO! Autor. Ivan S Rüppell Jr é Professor de Teologia e Ciências da Religião, e Capelão Escolar e Social.

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