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AMISTAD, de Steven Spielberg. Das Liberdades e Direitos Humanos, no CINEMA.

O filme 'Amistad' (1998) tem enredo baseado na história verídica do modo em que mais de 50 cidadãos negros foram sequestrados na África e conduzidos no navio negreiro La Amistad, até se rebelarem no mar, assumirem o navio e serem presos na costa norte-americana, em 1839. A rebelião dos escravos ocorre no percurso pelo mar, porém, eles acabam sendo enganados no desejo de retorno para a África, vindo a navegar até Connecticut, EUA; aonde são presos e levados ao tribunal norte-americano. Enquanto os donos de escravos norte-americanos apoiados pelo Presidente Van Buren defendem os proprietários do navio - que afirmam serem donos dos escravos em nome da rainha de Espanha; abolicionistas da nação americana defendem o caso dos africanos na justiça. Até que o julgamento final é definido para a Suprema Corte, com a defesa dos negros sendo conduzida pelo ex-presidente John Quincy Adams, em atuação brilhante do ator Anthony Hopkins. Quem deseja entender melhor o contexto norte-americano à época sobre o comércio de escravos e as questões políticas e econômicas envolvidas deve assistir ao excelente filme 'Lincoln' (2012, de Steven Spielberg), com Daniel Day-Lewis. Filme que apresenta uma narrativa do modo como o presidente Abraham Lincoln desejava encerrar a guerra civil nos EUA, enquanto buscou aprovar no Congresso a lei contra a escravatura. As situações narradas no enredo do filme 'Amistad' oferecem a oportunidade de visualizarmos temas éticos importantes relacionados a duas instituições fundamentais da sociedade - judiciário e religiões. Uma história que trata de valores essenciais das democracias ocidentais, como das liberdades e direitos humanos, ao apresentar os seguintes temas: - um poder judiciário orientado pelas leis e regido pela Constituição, e, - uma fé cristã movida pelo temor a Deus Pai e o amor ao próximo. Spielberg integra esses dois temas de forma instigante no início da trama, ao apresentar uma cena valiosa na hora da decisão do julgamento de primeira instância sobre quem deverá ser declarado proprietário dos escravos. Neste momento, o Juiz se dirige até uma Igreja cristã na busca de iluminação para tomar a decisão certa diante dos fatos apresentados, à luz das leis comerciais norte-americanas. A ética necessária para atuar com justiça legal e social diante da realidade exposta pelos testemunhos e provas, exige do Magistrado uma busca pessoal e interior de sua espiritualidade, para que consiga ser corajoso na missão de ministrar ao povo as demandas de justiça dos homens. Na perspectiva da administração de uma justiça digna para a sociedade a partir das regras fundamentais da constituição de um Estado democrático de direito, a defesa que o ex-presidente Quincy Adams (Hopkins) promove diante da Suprema Corte dos EUA é digna de nota e deve ser apreciada com atenção ética e a humildade de um aprendiz, enquanto a assistimos no terço final do filme. A oratória racional e coerente na demonstração da veracidade dos fatos da escravidão e dos princípios legais da nação, envolta em declarações plenas de sentimentos humanitários e uma distinta crença na dignidade das autoridades do Estado é correspondente aos valores das liberdades e direitos humanos que a atuação de Hopkins evoca em todos os presentes na corte, incluindo os felizes espectadores do filme. Na perspectiva da espiritualidade, deve-se destacar o modo como uma das mais poéticas e artísticas comunicaçôes do significado essencial da vida de Jesus de Nazaré foi dada em poucos minutos no filme, numa apresentação brilhante do cineasta e diretor. A cena acontece rapidamente na prisão, assim que dois escravos negros compartilham através das gravuras pintadas de um livro antigo, a história dos encontros humanos e os milagres de cura, junto de situações da paixão e ressurreição de Jesus Cristo, conforme ocorridas na Palestina do primeiro século. As páginas contando a história existencial de Jesus surgem na tela de cinema lentamente, e suas imagens simples são como que depositadas por anjos diante dos espectadores. No decorrer da cena, um dos escravos explica ao outro a maneira como aquela civilização que os raptou da África e os mantém acorrentados nos Estados Unidos da América - tratou igualmente com crueldade e ódio um homem nascido entre eles mesmos, Jesus. Um momento cinematográfico notável realizado para nosso deleite visual e boa meditação espiritual. 'Amistad' de Steven Spielberg é uma daquelas jóias cinematográficas de que, às vezes, não percebemos o grandioso valor quando do seu lançamento nos cinemas. E para piorar, acabamos esquecendo a sua existência no decorrer dos anos. O filme é um marco em defesa das liberdades e direitos humanos, apresentando também, certos aspectos que podemos relacionar a valores oriundos do Cristianismo, que é uma religião atuante na construção dos conceitos formadores das democracias ocidentais. No destaque do comentarista bíblico John Stott, entendemos que tanto o Antigo como o Novo Testamentos da Bíblia, afirmam que todos "os seres humanos ainda carregam em si a imagem de Deus e por essa razão devemos respeitá-los." A vida humana se reveste do sagrado devido a termos sido criados à imagem de Deus, o que orienta que as pessoas devem ser amadas. Junto disso, e a partir do primeiro pedido da Oração do Pai Nosso, Stott destaca que, "buscar a justiça de Deus é lembrar que ele ama a justiça e odeia o mal, de modo que, mesmo fora do círculo do reino, a justiça agrada mais a Deus que a injustiça; a liberdade, mais que a opressão; a paz, mais que a violência ou a guerra." (p. 18 e 197). Bom filme! autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de ciências da religião, tendo publicado o livro, Resenhas espirituais de meditações cinematográficas, editora Dialética, 2020. Referências: A Bíblia toda, o ano todo: meditações diárias de Gênesis a Apocalipse / John Stott ; tradução: Jorge Camargo. - Viçosa, MG : Ultimato, 2007.

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