"Em Nome do Céu" (Under the Banner of Heaven, 2022) é uma série policial disponível na Disney + e streamings, que apresenta um bom drama de suspense e importantes reflexões existenciais, em breve temporada de sete capítulos. A criação é de Dustin Lance Black a partir do livro de Jon Krakauer, com a produção fílmica narrando a história baseada em fatos reais de um crime ocorrido numa comunidade mórmon no ano de 1984.
A resenha de Luiz Prisco traz de modo eficaz o enredo da série: "Em Nome do Céu tem início com o assassinato de uma mulher e sua filha de 1 ano e três meses. A partir do crime cruel, ocorrido em Utah, no Estados Unidos, os desdobramentos levam para uma reflexão sobre religião, fundamentalismo e uma discussão sobre a laicidade do estado." (16/08/2022, Metrópoles).
A trama de suspense gira ao redor da investigação criminal feita por dois detetives (Andrew Garfield e Sam Worthington), enquanto se deparam com a rigorosa vivência religiosa de um grupo fundamentalista da Igreja Mórmon.
A dinâmica do enredo para contar a história foi realizada com talento e dramaticidade pelo diretor. Ele promove um contraponto entre as cenas do período temporal da investigação do crime, junto das cenas do passado dos personagens da história. Dessa forma, há o devido e necessário destaque das relações da família protagonista e da comunidade religiosa diante da mulher assassinada.
O tema existencial do filme surge na orientação religiosa controladora utilizada por um grupo mórmon fundamentalista para administrar a experiência dos fiéis junto da igreja e da comunidade. E tambem, as suas relações sociais e políticas diante do Estado norte-americano.
Um tema espiritual que pode-se refletir na série apresenta o que nos círculos religiosos é denominado de 'farisaísmo' legalista.
Esse termo se refere a um estilo de vivência religiosa altamente regrada, na qual os fiéis abraçam com feroz obediência e submissão as normas doutrinárias da instituição. O aspecto sombrio deste legalismo no filme, aonde ocorre junto de um misticismo profético e interpretivo dos textos sagrados, surge de uma imposição para que o fiel cumpra gravemente as instruções dadas pela liderança. Tudo a partir de uma interpretação literalista dos princípios da igreja, envolta em sensações interiores conduzidas pela personalidade bastante emocional dos membros. Estes aspectos fazem com que as decisões dos líderes e as escolhas dos fiéis sobre como obedecer as regras religiosas do grupo não possam ser refletidas doutrinariamente ou contrariadas razoavelmente. O resultado desse modelo religioso gera uma vivência extremista e radical do que se acredita, sendo uma postura que tambem vemos ocorrer cada vez mais na sociedade contemporanêa, nos seguidores das mais diversas ideologias.
No contexto religioso, o Apóstolo Paulo teve uma experiência cristã denominada de 'Graça', a qual ele contrapôs diante de sua anterior vivência religiosa, que ele compreendeu ser farisaica e legalista. Dá uma olhada: "Pois nós, que adoramos por meio do Espírito de Deus, somos os verdadeiros circuncidados. Alegramo-nos no que Cristo Jesus fez por nós. Não colocamos nenhuma confiança nos esforços humanos, ainda que, se outros pensam ter motivos para confiar nos próprios esforços, eu teria ainda mais. Fui circuncidado com oito dias de vida. Sou israelita de nascimento, da tribo de Benjamim, extremamente obediente à lei judaica. Era tão zeloso que persegui a igreja. E, quanto à justiça, cumpria a lei com todo rigor. Pensava que essas coisas eram valiosas, mas agora as considero insignificantes por causa de Cristo... Não conto mais com a minha própria justiça, que vem da obediência à lei, mas sim com a justiça que vem pela fé em Cristo, pois é com base na fé que Deus nos declara justos. Quero conhecer a Cristo e experimentar o grande poder que o ressuscitou." (Carta aos Filipenses, cap. 3. 3-10). Nessa descrição de sua própria história, o Apóstolo Paulo afirma a importância de nos tornarmos 'justos' diante de Deus de modo apropriado - ser 'justo' é ser declarado por Deus como pessoa fiel, para poder experimentar a existência na presença e debaixo do poder benditos de Deus. Sendo que há dois caminhos anunciados entre os homens para que uma pessoa possa ser 'justa' diante de Deus: - praticar regras doutrinais e boas virtudes pautadas no esforço humano para se tornar 'um com Deus', e assim alcançar a presença divina; ou, - encontrar a Pessoa de Deus pela fé na salvação dos pecados disponível em Jesus Cristo, seu Filho Único. Neste sentido, Paulo descreveu o mais nobre farisaísmo e legalismo religioso dos seres humanos na história, apresentando a sua própria experiência como padrão deste grave engano: Paulo pertencia à raça eleita e fazia parte da tribo mais excelente, cumpriu as doutrinas desde os oito dias de vida e se tornou obediente na mocidade para praticar mais de 1000 regras e leis, sendo considerado o homem mais religioso de sua geração, e praticamente de toda a bíblia. Porém, ao colocar na balança todas estas capacidades religiosas pessoais, familiares e comunitárias desenvolvidas com enorme esforço para cumprir toda a 'lei de Deus', bem, Paulo descobriu que isto não significava 'nada', se comparado a ser um justo verdadeiro para se relacionar direto com a Pessoa de Deus, como ocorre na promessa da fé dada em Jesus Cristo. Observe que até outros apóstolos tiveram essa dificuldade e também vivenciaram o engano de querer caminhar por seus próprios esforços. Eles seguiam um padrão próprio de conhecimento e obediência a Deus, como ocorreu com os apóstolos Pedro e Tiago - que desejavam unir a 'fé no Messias Jesus' junto da obediência de rituais legais religiosos em sua caminhada com Deus. Até que foram advertidos por Paulo, e voltaram atrás: "Mas, quando Pedro veio a Antioquia, tive de opor-me a ele abertamente, pois o que ele fez foi muito errado... Quando vi que não estavam seguindo a verdade das boas-novas, disse a Pedro diante de todos:...". (Carta aos Gálatas, cap. 2. versos 11 a 21). Observe, então, que mesmo os apóstolos Pedro, Tiago e Paulo não tiveram condições de aproveitar qualquer esforço e conhecimento humanos para serem justos diante de Deus. Também não aproveitaram as suas vivências religiosas pessoais, tradições familiares e comunitárias para conhecer a Deus. E, ainda, veja que nenhum deles conseguiu aproveitar doutrinas milenares desenvolvidas com rigor por lideranças e grupos tementes, organizados para encontrar a Deus. A partir disso, pense: qual outro ser humano na história, incluindo eu e você, seríamos capazes de nos tornar 'justos' diante de Deus? Qual pessoa conseguiria estar com Deus a partir de seus próprios esforços e atitudes boas ou religiosas?
Nessa perspectiva, a Religião Cristã embasada na Graça do Senhor Jesus Cristo deve conter o entendimento doutrinal e uma obediência cotidiana e crescente dos Mandamentos pelo fiel diante de Deus Pai, numa dinâmica religiosa consciente e sensível. Mandamentos explicados nos fundamentos do Sermão do Monte (disponível nos capítulos 5 a 7 do Evangelho de Mateus), tendo por padrão de autenticidade as atitudes e sentimentos de Jesus de Nazaré nos evangelhos, e dos Apóstolos nas cartas do Novo Testamento. Uma experiência de viver junto de Deus que os apóstolos conheceram na Graça de Jesus, e começaram a experimentar como foi descrito nas suas cartas bíblicas, tendo por padrão de veracidade a vida de Jesus o Messias exposta nos Quatro Evangelhos. Como bem definiu e esclareceu Jesus, "Nem todos que me chamam: 'Senhor! Senhor!' entrarão no reino dos céus, mas apenas aqueles que, de fato, fazem a vontade de meu Pai, que está no céu. No dia do juízo, muitos me dirão: 'Senhor! Senhor! Não profetizamos em teu nome... Eu, porém, responderei: 'Nunca os conheci. Afastem-se de mim, vocês que desobedecem à lei!'." (Evangelho de Mateus, cap. 7. 21-23).
Neste sentido, assistir a mini-série 'Em Nome do Céu' e refletir sobre a experiência institucional legalista ali retratada, se torna uma experiência valiosa a todos os religiosos e espirituais. O filme acompanha as conversas e decisões religiosas dos personagens, dedicando um bom tempo para demonstrar a dinâmica de suas experiências espirituais e de seus interesses pessoais e comunitários.
As situações narradas nas vivências religiosas pessoais e familiares, comunitárias e sociais dos personagens irão expor com rara clareza e profundidade o modo em que o orgulho da humanidade domina mandamentos e orações benditos de Deus, até promover uma religião pautada no esforço humano e opressão institucional. Uma religiosidade enganosa e fraudulenta, com objetivos egoístas e vaidosos, os quais Jesus esclareceu como sendo falsos, quando teve um encontro com legalistas religiosos, conforme narrado nos capítulos 2 e 3 do evangelho de Marcos. E que Jesus confrontou assim: "O que a lei permite fazer no sábado? O bem ou o mal? Salvar uma vida ou destrui-la?' Eles ficaram em silêncio. Jesus olhou para os que estavam ao seu redor, irado e muito triste pelo coração endurecido deles. Então, disse ao homem: 'Estenda a mão'. O homem estendeu a mão, e ela foi restaurada. No mesmo instante, os fariseus saíram e se reuniram com os membros do partido de Herodes para tramar um modo de matá-lo." (Marcos, cap. 3. 4-6).
A partir deste valor dado por Jesus Cristo, os Cristãos devem assumir o desafio de adorar a Deus Pai enquanto também amam o próximo na sociedade, para gerar oportunidades constantes de serem discípulos reais numa dependência extrema da graça de Jesus, que está disponível exclusivamente no mover do Espírito Santo. Algo que irá afastar os cristãos de caírem na tentação de cuidar de si mesmos agarrados somente em atividades institucionais, e assim legalistas.
Bom filme!
autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de ciências da religião, tendo publicado o livro, Resenhas espirituais de meditações cinematográficas, edit. dialética, 2020.
Esse texto traz um resumo abreviado com citações, de artigo publicado pelo teólogo protestante Franklin Ferreira, no jornal gazeta do povo, Curitiba PR: 'Os temas centrais da Reforma Protestante'. O teólogo, diretor de seminário e pastor Franklin Ferreira graduou-se em teologia pela Escola Superior de Teologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tendo pós graduação na Universidade Luterana do Brasil e Mestrado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, sendo autor de diversos livros, dentre eles; 'A Igreja Cristã na história', 'Contra a Idolatria do Estado', 'O Credo dos Apóstolos'; e publica periodicamente no jornal gazeta do povo. TEXTO. O artigo 'Os temas centrais da Reforma Protestante' foi publicado em 25/10/2021, quando da celebração de 504 anos da Reforma Protestante iniciada no século 16. No dia 31 de outubro de 1517, Martinho Lutero deu publicidade na Igreja do Castelo de Wittenberg, às suas 95 teses do 'De...
Comentários
Postar um comentário