"O DEFENSOR". A espiritualidade do AMOR aos inimigos, no CINEMA. O goleiro que uniu alemães e ingleses em 1945.
O filme 'O Defensor' (The Keeper, do diretor Marcus Rosenmüller, 2022), conta a história baseada em fatos reais de um jovem soldado do exército alemão que foi capturado pelo exército inglês, ao final da segunda guerra mundial.
O soldado Bert Trautmann ficou preso na Inglaterra alguns meses após o final da guerra em 1945 até ser libertado, e se tornou o goleiro titular da equipe do Manchester City nos anos seguintes.
A produção é cuidadosa nos ambientes históricos e a direção conduz os atores com naturalidade para apresentar um tema complexo numa narrativa realista, o que torna este filme num drama histórico sensível.
Afinal, Trautmann foi soldado por 4 anos da força aérea alemã (Luftwaffe), que foi responsável por bombardeios incessantes na Inglaterra, causando devastação nas cidades e milhares de mortes. Dessa forma, mesmo a juventude do soldado e o seu distanciamento das atrocidades ocorridas nos campos de concentração contra judeus e minorias, não conseguiu livra-lo de uma perseguição na Inglaterra, após a guerra.
O tema espiritual para refletir no filme surge quando Margaret, a esposa inglesa de Trautmann, defende o marido numa reunião de líderes da comunidade de Manchester, afirmando que ele deveria ser julgado por suas atitudes pessoais diante da comunidade. Pois ele luta para construir uma nova história de vida, com dedicação para atingir suas próprias escolhas e valores. Enquanto isto, a comunidade segue o condenando pelos atos de guerra da Alemanha nazista, que perseguia os judeus para assassina-los aos milhões em fornos de gáz industriais - o holocausto!
Esse debate levado à público na comunidade se torna o momento de uma mudança de entendimento sobre como os ingleses irão se relacionar com o jovem alemão, que agora reside junto deles como um jogador de futebol.
No filme, essa mudança relacional fundamental da comunidade diante do ex soldado passa exatamente pela reflexão do Rabino Altmann. Ele é uma liderança judaica importante na comunidade, que após inicialmente apoiar a perseguição ao jovem alemão, decide ponderar de outra maneira sobre o modo como tudo tem ocorrido na Inglaterra pós-guerra. O líder espiritual judaico escreve uma carta aberta que é publicada no jornal, na qual expressa a sua visão diferente acerca da culpa do rapaz e do modo como ele tem sido julgado na comunidade, por crimes de ódio que não cometeu. O Rabino pede que deixem o alemão jogar futebol e demonstrar o rapaz decente que afirmam que ele é.
Essa atitude do Rabino traz ao filme a oportunidade de destacar os dramas pessoais e comunitários por detrás de toda a situação, à luz de valores espirituais profundos.
Dentro desse contexto, buscamos refletir aqui, aspectos de princípios cristãos dados no Sermão do monte (Mateus, cap. 5-7), que são um fundamento existencial para aquelas situações em que somos chamados a praticar algo mais amplo do que um simples perdão direto ao próximo. Pois o perdão cristão normalmente se refere ao tratamento de um conflito individual em que o ofensor pede perdão ao ofendido.
Porém, na história do filme, vemos uma situação em que os princípios de Jesus sobre o tema da 'não vingança' e do 'amor aos inimigos' (Mateus 5. 38-48) se tornam valores mais apropriados para explicar de que modo agir como cristão nestes momentos existenciais complexos, em que um simples perdão pessoal não parece ser a atitude mais razoável na situação. Seja pela falta de convívio diário entre os envolvidos, ou por se tratar de uma relação mais social do que pessoal. E assim, estes dois princípios cristãos que desafiam os religiosos a 'dar a outra face' e 'abençoar os inimigos' em situações de conflito, vão produzir em nosso coração um entendimento do valor deste 'perdão social amplo' como sendo a atitude apropriada em resposta ao eterno desafio feito por Deus aos cristãos - "mas, se vocês se recusarem a perdoar os outros, seu Pai não perdoará seus pecados." (Mateus 6.15). É isso! Que Deus Pai tenha misericórdia de nós, até que recebamos d'Ele a misericórdia para dar uns aos outros. Bom filme!
autor. Ivan S. Rüppell Jr é prof. de ciências da religião, e publicou o livro, Resenhas espirituais de meditações cinematográficas, edit. dialética, 2020.
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