sábado, 1 de outubro de 2022

O PENSAMENTO REFORMADO E A REFORMA PROTESTANTE DO SÉC. 16. Seminário Presbiteriano do Sul - Curitiba. Outubro, 2022.

"Ecclesia reformata et semper reformanda secundum verbum Dei": (A igreja reformada, sempre se reformando segundo a Palavra de Deus). A Igreja de Cristo sendo continuamente reformada na história conforme a Palavra de Deus foi um pensamento descrito de forma conclusiva no século 20, pelo teólogo Karl Barth. Uma declaração que remete a debates da Reforma Protestante do século 16, tanto na defesa do Sola Christus, Sola Gratia, Sola Fide e Soli Deo Gloria (Somente Cristo, Graça, Fé e a Deus a Glória), como especialmente na proclamação do Sola Scriptura; "Somente as Escrituras"! Segundo o historiador Michale Bush e outros pesquisadores, essa expressão não surgiu em sua forma completa nos séculos 16 e 17; embora esse período tenha sido marcado por diversas manifestações refletindo o valor superior das Escrituras para a Igreja de Cristo. Assim, o reformador holandês Jodocus van Lodenstein uniu as palavras "reformando" com "se reformando" no decorrer do séc. 17, enquanto que o pensador holandês reformado Gisbertus Voetius (1589-1676) declarava que, a “igreja reformada está sempre se reformando”. Na mesma visão, os pensadores reformados ingleses do século 16, William Perkins e William Ames, o teólogo reformado holandês Jacobus Koelman no séc. 17, e ainda, teólogos da Assembléia de Westminster estabeleceram o princípio de que a Igreja de Cristo viesse a ser edificada conforme doutrinas embasadas unicamente nas Escrituras, devendo tal valor ser continuamente preservado através da história. (voltemosaoevangelho.com/blog/2017). Desta forma, percebemos como João Calvino e teólogos reformados vieram anotar na história do Cristianismo o valor de que o ensino e práticas da Igreja de Cristo deveriam estar fundamentados somente em acordo à verdade bíblica. Numa relação de constante dependência da instituição da Igreja para com as Escrituras da Palavra de Deus! Esse propósito impulsionou igualmente a escrita e organização das confissões de fé. Nessa perspectiva, recordamos o modo em que o Senhor Jesus buscou confrontar aquelas tradições religiosas dos homens que os afastavam da Palavra de Deus, negando ao Senhor o acesso a seus corações, conforme exorta o Messias no Evangelho de Marcos, cap. 7.9: "Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira de pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecerem às suas tradições." O evangelista anota de forma dramática a citação do Profeta Isaías pronunciada por Jesus, a qual define a grave disposição idólatra dos que desprezam o conhecimento da Palavra de Deus, em favor das tradições de homens: "Visto que este povo se aproxima de mim e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas o seu coração está longe de mim." (Isaías 29.13). Conforme destaque do escritor John Sttot, observamos a importância doutrinal histórica da exortação de Jesus: "esse foi o tema principal durante a Reforma. A igreja católica medieval havia asfixiado a Palavra de Deus com uma grande quantidade de tradições extrabíblicas. Desse modo, assim como Jesus desprezou a tradição dos antigos, os reformadores desprezaram as tradições da igreja medieval, a fim de que a Palavra de Deus pudesse ocupar lugar de destaque. Os reformadores ensinaram a supremacia da Escritura sobre a tradição." (p 210, 2007). O comentário da Bíblia de Genebra sobre a passagem de Marcos, orienta que "o verbo "negligenciar" pode significar também "cancelar" ou "abandonar". Jesus não é um antinominiano... Ele não é nem mesmo contra a tradição, mas é contra aquilo que nela anula as Escrituras." (p 1158, 1999). (antinominiano: contra a lei e a legalidade). A instrução de Jesus acerca do erro ocasionado pelo valor superior dado às tradições dos homens diante das Escrituras tornou-se um fundamento dos debates da Reforma Protestante. Foi um período da história da Teologia Cristã em que os textos da Bíblia vieram a ocupar lugar primordial no estudo e compreensão, reflexão e ensino das verdades de Deus acerca da religião. Essa perspectiva teológica diferencial na história diante do período medieval, tornou-se um princípio a ser buscado pelos pensadores reformados, no decorrer dos séculos. Nesse contexto, um movimento histórico que veio estabelecer no Cristianismo este valor bíblico recuperado na Reforma Protestante, se deu através do surgimento das denominadas "Confissões de Fé". Estas se tornaram documentos oriundos das denominações cristãs, o que veio a ser desenvolvido no interesse de esclarecer e comunicar de modo adequado aos fiéis os ensinamentos distintivos da Palavra de Deus. Neste sentido, apresentamos a seguir alguns aspectos da formação das Confissões de Fé Protestantes, especialmente de viés reformado. Enquanto a Reforma Protestante atualizava na história a autoridade primária das Escrituras, diferentes visões de interpretação se tornavam reais entre os líderes e pensadores do movimento. Algo visto especialmente na contrariedade surgida entre os "reformadores magisteriais"; que respeitavam as autoridades, e os "reformadores radicais"; mais revolucionários diante do Estado e tradições teológicas. Nesse período, houve a necessidade de afirmar definições oficiais que pudessem esclarecer o que pensavam e buscavam os reformadores do cristianismo diante do Estado e Sociedade, e acerca da teologia cristã como um todo. Segundo McGrath, "em termos gerais, considera-se que os teólogos protestantes reconheciam a existência de três níveis ou categorias de autoridade:" O padrão básico adotado era o de reconhecimento das Escrituras como autoridade de caráter primário e universal; dos credos como autoridade de caráter secundário e universal, e ainda, das confissões de fé como de caráter terciário e local; já que estas confissões vieram a ser consideradas por uma denominação ou igreja de determinada região e pensamento doutrinal definido. Essa graduação se refere à primazia e área de alcance, o que não significa desprezo à autoridade de cada um destes textos doutrinais, posto que válidos exatamente a partir de sua conformidade à Bíblia. Acerca da "Autoridade das Escrituras" numa perspectiva mais ampla, a Bíblia de Genebra destaca o modo como o "protestantismo histórico aceita as Escrituras como a única revelação escrita de Deus. Elas são inspiradas ou "sopradas" por Deus (2Tm 3.16), o que as distinguem de todas as outras palavras... São suficientes e contêm tudo o que é necessário saber para a salvação e a vida eterna." (p 1453, 1999). Assim, um aspecto essencial de proximidade teológica entre a Reforma Protestante como um todo, junto do Pensamento Reformado como movimento eclesial oriundo desse período foi a grande valorização da autoridade das Escrituras para o Cristianismo. Esse valor se tornou um princípio comum de outros grupos que se organizavam na primeira metade do século 16, como os da reforma alemã, luterana e das reformas suiça e francesa. Esse contexto de redescoberta do valor das Escrituras ocorria, segundo McGrath, num momento e situação doutrinária históricos, em que haviam "aspectos de interpretação que tanto eram propícios a causar divergências quanto difíceis de definir. Existia a necessidade evidente de encontrar-se algum tipo de recurso "oficial" para delimitação de ideias da Reforma, a fim de evitar confusão." No destaque desse autor, "as "Confissões de fé" desempenharam essa função." (p 109, 2005). Sendo que, as autorizadas Confissões de Fé protestantes vieram a se consolidar através de movimentos "pós-reforma", conforme esclarece, ainda, McGrath: "tanto a Reforma protestante quanto a católica, foram sucedidas por um período de consolidação da teologia, em ambos os movimentos. No seio do protestantismo, luterano e reformado (ou "calvinista"), iniciou-se o período conhecido como "ortodoxia", caracterizado por sua ênfase em normas e definições doutrinárias. (...) O luteranismo e o calvinismo eram, sob muitos aspectos, bastante semelhantes. Ambos alegavam ser evangélicos e rejeitavam, de modo geral, os mesmos aspectos centrais do catolicismo medieval. Entretanto, eles precisavam se diferenciar." (p 112 -114, 2005). Na perspectiva do pensamento reformado, destacamos algumas das confissões de fé que se tornaram relevantes nas primeiras décadas após a ocorrência da Reforma Protestante: A Confissão Gálica, França, em 1559; A Confissão Escocesa, Escócia, 1560; A Confissão Belga, Países Baixos, 1561; Os Trinta e Nove Artigos, Inglaterra, 1563; e, A Segunda Confissão Helvética, Suíça Ocidental, 1566." (p 109-110, 2005). Em um contexto nacional, trazemos a citação de Matos e Nascimento, sobre a organização dos Símbolos de Fé da IPB: "A Igreja Presbiteriana do Brasil adota, como exposição das doutrinas bíblicas, a Confissão de Fé de Westminster, o Catecismo Maior e o Catecismo Menor ou Breve Catecismo. Nossa única norma de fé e conduta é a Bíblia Sagrada. Todavia, em virtude de a Bíblia não apresentar as doutrinas já sistematizadas, adotamos a Confissão de Fé e os Catecismos como exposição do sistema de doutrinas ensinadas na Escritura." (p 67, 2007). E na conclusão deste texto acerca da autoridade do pensamento cristão reformado a partir das Escrituras, observando o modo em que as Confissões de Fé surgiram como declaração autoritativa e didática dessa visão, destacamos a seguir breves citações da relevância das Escrituras, conforme os Símbolos de Fé da Igreja Presbiteriana do Brasil: 1. Confissão de Fé de Westminster: "A autoridade das Escrituras Sagradas, razão pela qual elas devem ser cridas e obedecidas, não depende do testemunho de qualquer homem, mas somente de Deus (que é a própria verdade) que é o seu autor; elas devem, portanto, ser recebidas, porque são a Palavra de Deus." 2. Breve Catecismo de Westminster: "A Palavra de Deus, que se encontra nas Escrituras do Antigo e do Novo Testamentos, é a única regra para nos orientar quanto ao modo de glorifica-lo e goza-lo." 3. Catecismo Maior de Westminster: "As Escrituras Sagradas do Antigo e Novo Testamentos são a Palavra de Deus, a única regra de fé e prática." (Beeke e Ferguson,p. 11-13, 2006). REFERÊNCIAS: BEEKE, Joel R e FERGUSON, Sinclair B. Harmonia das confissões de Fé Reformadas. Edit Cultura Cristã, São Paulo, SP, 2006. BÍBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA. Editora Cultura Cristã, São Paulo SP, 1999. MATOS, Alderi de Souza e NASCIMENTO, Adão Carlos. O que todo presbiteriano inteligente deve saber. Edit Socep, Santa Barbára do Oeste SP, 2007. MCGRATH, Alister. Teologia sistemática, histórica e filosófica. Uma introdução à Teologia Cristã. Shedd Publicações. SP São Paulo, 2005. STOTT, John. p 210. A Bíblia toda, o ano todo: meditações diárias de Gênesis a Apocalipse / ; tradução: Jorge Camargo. - Viçosa, MG : Ultimato, 2007. (voltemosaoevangelho.com/blog/2017/11/igreja-reformada-sempre-se-reformando/). Autor: Ivan S Ruppell Jr é Ministro Presbiteriano, Professor e Advogado.

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