sexta-feira, 29 de junho de 2018

a Espiritualidade da PERSONALIDADE da Humanidade, no Cinema: A GRANDE APOSTA

Afinal, o que veio primeiro: o ovo ou a galinha? Segundo a espiritualidade judaico-cristã, as pessoas vieram primeiro, e só depois, o Ego - o "eu ideal de cada um" de nós. O Ego existe como uma espécie de "defensor da personalidade" do cidadão, então, ele só surgiu na hora em que o homem resolveu se defender... de Deus, lá no Princípio. Ora, o negócio é que o filme "A Grande Aposta" (The Big Short, EUA, 2015) é a mais completa obra cinematográfica acerca da crise imobiliária norte-americana de 2008, numa concorrência que não é fácil de ganhar. E o seu tema espiritual natural é uma espécie de experiência geral da avareza existencial da humanidade. Pois a avareza é aquele medo profundo de perder algo que possuímos, o que faz a gente se apegar gravemente ao "bem" em questão. E no caso do "ego", o que a gente precisa segurar bem forte nas mãos pra não deixar escapar, bem, é um pedaço da nossa própria personalidade. Tá entendendo? Dá uma olhada na indicação do AdoroCinema, de Francisco Russo: "(o filme é) baseado em fatos reais - sobre a complexa crise imobiliária ocorrida nos Estados Unidos em 2008. Só que, ao invés de se render ao didatismo técnico inerente ao tema, McKay demonstra imensa habilidade ao transformar a sopa de letrinhas do mercado imobiliário em um verdadeiro turbilhão de referências (e críticas) à cultura pop e ao american way of life, como poucas vezes se viu no cinema americano nas últimas décadas." A Grande Aposta é cinema de primeira qualidade, sob a direção de Adam Mckay e com os atores Christian Bale, Steve Carell e Ryan Gosling em grande performance. E pra saber mais da história, por favor, assista logo ao filme! Agora, vamos analisar o enredo da trama em busca da tal espiritualidade da Personalidade da Humanidade, certo? A observação essencial do filme é dada pelo ex-guru de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt), assim que grita para seu pessoal parar de dançar após terem fechado um bom negócio, já que para a aposta deles sair vencedora será necessário que quase o povo inteiro dos EUA perca: sendo que a crise imobiliária em questão deixou mais de 8 milhões de norte-americanos desempregados, além de algumas centenas de milhares morando na rua, só pra começar. Enfim, o enredo do filme revela rapidamente como os homens jamais deixam de proteger aquele Ego(ismo) essencial da raça, assim que chega a hora da verdade da humanidade. Pois todos os corretores protagonistas das decisões financeiras no filme, bem, vai chegar o momento em que rápido dirão: "farinha pouca, meu pirão primeiro". Opção básica racional que esclarece o absoluto individualismo do ser humano. E olhe que dos seis agentes financeiros que movem a trama do filme, cinco deles buscam agir "profissionalmente", e até desejam enfrentar, quiçá, o corrupto sistema fraudulento "capitalista", quando este decide proteger os interesses da Elite de sempre. Só que não! Todos eles, e não sobra ninguém pra contar uma história diferente no final, irão logo decidir por si mesmos ainda que (milhares) de cidadãos pobres e comuns venham a pagar (mais) pelo prejuízo de quase todo mundo. Eis aí um exemplo de como a identidade (EGO) da personalidade da humanidade se protege na hora H sem importar as consequências ao próximo, aquele mesmo que almejamos amar como a nós mesmos, conforme a boa espiritualidade. Eita. Daí a importância de não se meter em tentações profissionais e ideais que nos colocam regularmente em situações que nos fazem viver no limite ético dos usos e abusos contra o ser humano - pois o fato é que vamos escolher a nós mesmos no momento decisivo. E aí, "bum"! Pois é assim que avacalhamos a vida espiritual (e social) neste planeta, como tem ocorrido na história humanista da nossa Egoísta civilização. Aiii. Nosso desafio agora é refletir como praticamente todas as vivências saudáveis da espiritualidade dos homens confrontam gravemente este estilo de vida centralizado no EU nosso de cada dia. E neste objetivo, aproveito pra citar algumas análises valiosas do último livro do filósofo Luis Felipe Pondé, "Espiritualidade para Corajosos" - a busca de sentido no mundo de hoje (Planeta, SP, 2018). O autor expõe o entendimento geral de espiritualidade "como sendo uma vida para além da vida meramente material", a qual deseja superar o "sentimento de vazio que nos corrói (...) sentimento (que) não é mera abstração filosófica, é fato cotidiano, associado a pessoas, ao trabalho, aos afetos, às doenças, aos fracassos, aos constrangimentos. A morte é o nome síntese desse vazio." No propósito de tratar este "sentimento de vazio que nos corrói", Pondé esclarece que a espiritualidade busca o conhecimento de um princípio ou Ser que esteja acima e no controle de tudo isso que nos angustia. E ao relacionar o anseio espiritual do homem com a necessidade de encontrarmos uma ordem virtuosa pra vida, o filósofo analisa diversos pensamentos que se propõe a orientar os homens nesta peculiar caminhada existencial. Dentre elas, a perspectiva cristã: "A espiritualidade cristã pode ser pensada de várias formas, mas a mais encantadora, na minha opinião, é a espiritualidade da graça (...) Para Agostinho, quem tem a graça nunca "sabe" que tem a graça porque, por efeito dela mesma, sai da posição orgulhosa de querer se afirmar autossuficiente em relação a Deus... Não somos causa sui, isto é, não somos causa de nós mesmos, só Deus é. Sem a graça de Deus que nos retira do nada e nos mantém no Ser, somos isso mesmo, nada." O autor utiliza uma ilustração para esclarecer esta graciosa visão da espiritualidade judaico-cristã: "No hassidismo (e aqui passo ao judaísmo), dois contos nos servem para ilustrar a raiz judaica da associação entre a superação do eu e a da espiritualidade (...) No segundo conto, um justo morre e vai para o céu. Recebido por Deus, faz o tour do paraíso. Ouvem um som ensurdecedor vindo de uma porta fechada. Pergunta a Deus o que as pessoas estão gritando e o que é aquela porta fechada. Deus responde que aquilo atrás da porta é o inferno e diz ao justo que abra a porta para saber o que gritavam. Ele abre e ouve: "Eu! Eu! Eu!" E para concluir aqui as citações do filósofo, segue o que entendo ser uma integração íntima entre a ideia de espiritualidade e altruísmo - que é o exato contrário do egoísmo da humanidade: "A espiritualidade mística neste caso é a vida vivida sem os imperativos de satisfação do eu... Transcender a "identidade" é existir sem o peso de querer saber o tempo todo quem eu sou, o que eu quero e o que eu penso das coisas... A espiritualidade mística é, em si, a superação do gozo místico, em direção ao cuidado com o mundo e com as pessoas que nele habitam. É um cuidado com a Criação... Quem ainda pensa que a espiritualidade é a busca de si mesmo e do "autoconhecimento gozoso" não saiu da infância espiritual." Observe como este "Ego" que é uma espécie de protetor da identidade do cidadão, torna-se "algo" que surgiu exatamente na hora em que o homem resolveu se defender de Deus, lá no Princípio. Ou seja, tanto aquele que busca Deus, como aquele que deseja penetrar na "ordem" das coisas, precisa logo refletir acerca deste paradoxo filosófico da espiritualidade: o de que quanto mais EGO existe, menos Deus há por perto; e igualmente, quanto mais Eu, menos espiritualidade - e haja vazio e angústia até que EU consiga isto perceber, não é mesmo? Pois a intimidade com Deus através de uma relação de espiritualidade em que tanto Ele quanto Eu simplesmente assumimos nosso lugar apropriado na ordem das coisas, pois bem, eis aí uma vivência saudavel que irá se tornar o contrário perfeito desta idolatria geral do nosso EGO, tá sabendo? Afinal, é a exaltação superior do nosso EU que nos faz gerenciar de modo egoísta a vida social (e a alma individual) de quase todo mundo por aí; semeando uma realidade humanista catastrófica, conforme exemplificada no filme. Mas há outros bons filmes que você deve assistir pra fechar este ciclo relacional entre a espiritualidade dos homens e o Egoísmo da humanidade, a partir da crise imobiliária de 2008. Indico ao menos três: "Grande demais para Quebrar" (Too Big To Fail, EUA, 2011), de Curtis Hanson, com Paul Giamatti e William Hurt, acerca das negociações entre o governo dos EUA e os banqueiros durante a crise; "O Dia Antes do Fim" (Margin Call, EUA, 2011), acerca das tratativas internas de um banco de investimentos que gerencia a crise no objetivo de salvar os investimentos da chefia da instituição, de J.C.Chandor, com Kevin Spacey, Jeremy Irons, Demi Moore e Paul Bettany; e, finalmente, o mais dramático e essencial: 99 Casas (99 Homes, EUA, 2016), de Ramin Bahrani, com Andrew Garfield, Michael Shannone e Laura Dern, do qual cito aqui a sinopse de AdoroCinema: "Dennis Nash (Andrew Garfield) perdeu a sua casa por conta da hipoteca e teve que se mudar para um pobre hotel com sua mãe (Laura Dern) e seu filho pequeno. Desesperado para reaver seu lar, ele aceita trabalhar com o imoral agente imobiliário Rick Carver (Michael Shannon), que foi a pessoa responsável pela sua perda. Logo, ele tem que ajudar Carver a expulsar outras pessoas e a desviar dinheiro do governo. Enquanto seus problemas financeiros desaparecem, a consciência de Nash passa a atormentá-lo." Por enquanto é isso, gente. Bom filme! E cuide bem da sua espiritualidade. "Encanta-me essa ideia de que apenas desistindo de sermos o centro do mundo e de nossa própria vida somos capazes de experimentar a verdadeira doçura de Deus e da vida."(Luis Felipe Pondé)

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