sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

RELIGIÃO E MODERNIDADE. Abraham KUYPER

Esse texto contém um resumo do capítulo "Religião e Modernidade", do livro, Abraham Kuyper e as bases para uma teologia bíblica, de Thiago Moreira. INTRODUÇÃO. "Abraham Kuyper (1837-1920) foi um homem envolvido em diversas áreas. Desenvolveu atividades teológicas, jornalísticas, universitárias, acadêmicas, políticas e eclesiásticas. (...) Abraham Kuyper pretendia apresentar o calvinismo como um sistema de vida abrangente que se pautava em princípios cristãos e que ia de encontro ao outro sistema de vida antagônico que denominava de modernismo." (p. 25ss). CAPÍTULO 1. RELIGIÃO E MODERNIDADE. Religião e Cosmovisão. Notas históricas. "Questões como a relação entre religião e cultura; religião e espaço público; fé e razão; e conceitos como secularização e laicidade permearam e ainda permeiam os objetos de pesquisa do grande campo das Humanidades". (p. 57). Dentro do ramo teológico cristão oriundo da Reforma Protestante, houve bom número de movimentos que se dedicaram a organizar o pensamento doutrinário relativo à forma e atitudes com que o cristão deveria atuar diante da sociedade, cultura e Estado. A forte dedicação intra-mundana calvinista motivou o sociólogo Max Weber a refletir a influência da religião na economia e hábitos sociais através da obra, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Enquanto isso, o movimento cultural fora dos arraiais da igreja que foi capaz de estabelecer um marco e posteriormente, conceitos e valores em distinção e confronto diante das religiões foi exatamente o "Iluminismo, que principalmente em sua faceta francesa trouxe para a religião questionamento, desafios, revolução e separação." (p. 59). Surge então no séc. 18 a declarada "Era da Razão", descrita como um tempo de "autonomia da razão humana e emancipação da humanidade diante da transcendência." (p. 59). "Desde lá surgiram... o Iluminismo de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e François-Marie Arouet (1694-1778), ou Voltaire... os primórdios da busca do Jesus histórico com Lessing (1729-1781) e as publicações dos Fragmentos póstumos de H. S. Reimarus (1694-1857); o positivismo de Augusto Comte (1798-1857) sintetizado em sua obra Filosofia positiva... o evolucionismo de Charles Darwim (1809-1892)... e, por fim, o marxismo, da autoria do alemão Karl Marx (1818-1883), que tinha em suas bases o materialismo dialético... e uma belicosa relação com a religião a ponto de denominá-la "consciência invertida" com teor alienador...". (p. 61). Foi o estabelecimento histórico de uma proposição que definia o lugar da religião para uma experiência particular e privada, e somente na esfera da moralidade, vindo a redundar numa adequação cultural de movimentos religiosos que vieram a se dedicar ao Jesus histórico e na organização da denominada teologia liberal. No decorrer, uma teologia cristã mais socialista criou o Evangelho social para o pobre, enquanto outra vertente se fechou para as novidades, abraçando a ortodoxia e se tornando defensora do movimento que veio a ser chamado de fundamentalismo. RELIGIÃO E COSMOVISÃO. A compreensão da religião ocorre em duas vertentes, seja o aspecto doutrinário originário do grupo religioso que a organiza, seja o aspecto de estudo originário do grupo que observa o "fenômeno religioso". Para Émile Durkheim, "religião seria "um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas... crenças e práticas que se unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem". (p. 63). Trata-se de um conceito oriundo da escola funcional que entende a religião em sua função social de promover coesão comunitária, e aborda a visão dicotomica entre sagrado e profano. Numa perspectiva sociológica que observa a religião como linguagem, Peter Berger trará o aspecto em que as definições religiosas promovem a edificação de um "cosmos sagrado" - "a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo". (p. 64). Os que utilizam esse conceito para observar a religião poderão analisa-la tanto para compreender o "fenomêno religioso" ou verificar o significado deste conhecimento "em termos mais ontológicos ou existenciais". (p. 64). Paul Tillich apresenta uma visão que busca valorar a "dimensão de sentido da existência humana" que a religião deseja promover, de forma que para esse teórico, "religião é "o estado pelo qual se é possuído pelo que nos toca incondicionalmente", trazendo o aspecto da importância existencial numa perspectiva do ser, para a religiosidade. (p. 65). A religião também é vista como atuação humana, para Joshua Heschel: "religião é a resposta humana daquele que se sente estar diante do divino". (p. 66). Há diversos outros conceitos de religião, ora num viés sociológico para afirmar seu campo de observação, ora num viés ontológico para afirmar sua análise de sentido, como nas pesquisas da religião. Acerca do que importa para esse texto, numa aproximação ao tema da cosmovisão e visão de mundo, destaca-se que "a religião é, pois, uma busca e uma elaboração de significado", sendo que nosso interesse se volta para o "fato da elaboração intuitiva, teórica ou orgânica de uma cosmovisão religiosa que dê conta de explicar, mediante uma concepção que perpassa a noção do sagrado, divino ou incondicional (a depender do conceito de religião a ser adotado), a totalidade das coisas." (p. 66). "Uma cosmovisão, nos aponta o filósofo Mário Ferreira dos Santos, se caracteriza por três pontos fundamentais, quais sejam: "primeiro, um anelo de saber integral; segundo, a apreensão de uma totalidade; terceiro, a solução dos problemas do sentido do mundo e da vida". (p. 66). Neste contexto, as religiões se organizam diante de tais questões para intermediar na sociedade e cultura o pensamento ontológico-existencial de que precisa o ser diante da realidade. "É nessa linha que Kuyper apresenta a tradição calvinista do cristianismo como sendo uma cosmovisão, ou em suas palavras "um sistema de vida". (p. 67). Nesse contexto, três autores analisam a cosmovisão; James Sire: "cosmovisão é um compromiso, é uma orientação fundamental do coração... sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento no qual vivemos, nos movemos e existimos" - sendo que coração para o autor, num olhar kuyperiano, indica que "a cosmovisão está situada no eu - na câmara operacional central de todo o ser humano. É a partir desse coração que todos os pensamentos e ações de uma pessoa procedem." (p. 67-68). David Naugle parte da bíblia para descrever o "coração" como "a faculdade elementar de pensamento, afeição e vontade", evocando o centro do intelecto, afeto, vontade e "da vida religiosa do ser humano (Ez 6.9; Dt 6.5), possuindo, pois, um papel "elementar e vital". (p. 68). "Nos usos e referências presentes no Novo Testamento, o coração (kardia) é reafirmado como sua essencialidade na vida psíquica e espiritual humana, transformando-se assim em "centro psíquico das afeições humanas" (Mt 22.37-39; Jo 14.1), "fonte da vida espiritual" (At 8.21; Rm 2.29) e a "sede do intelecto e da vontade" (Rm 1.21; Hb 4.12). (p. 68-69). Como Jesus bem definiu, é do coração que originam "as fontes da vida", declaração com a qual o autor reafirma o modo como Cristo entendia o coração, sendo este "a pedra angular" dos seres humanos. O terceiro autor a abordar o tema da cosmovisão é Ninian Smart, aproximando gravemente religião e cosmovisão; em que a "religião seria "um organismo de seis dimensões, tipicamente contendo doutrinas, mitos, ensinamentos éticos, rituais e instituições sociais e animado por experiências religiosas de vários tipos", sendo importante destacar que cada movimento religioso poderá ser dedicar a valorar e desenvolver um destes aspectos mais do que outro. (p. 69-70). COSMOVISÃO RELIGIOSA, NARRATIVA E HISTÓRIA. A observação da história para seu entendimento religioso na busca de sentido existencial gera a edificação de "uma cosmovisão religiosa que invariavelmente implica uma leitura da história e sua dinâmica, o que, em dadas tradições, pode ter um início (cosmogonia) e um fim (escatologia), enquanto em outras tradições, haveria ciclos de eternos retornos. A relação entre a história e seus sentidos (ou ausência destes) também é importante para a área da cosmovisão religiosa". (p. 72). Nesse contexto, o entendimento e validação da história dentro da visão de sentido de uma cosmovisão origina e se estabelece a "partir dos conceitos fundamentais ou centros da fé religiosa que se analisa, e não meramente da coletânea de fatos", a fim de que "os conceitos centrais sejam o horizonte interpretativo do processo histórico." (p. 72). Conforme David K Naugle, desde a antiguidade a humanidade procura organizar sua solução para os dilemas e mistérios do universo através de "narrativas", sendo que dentre estas, "existe uma que possui um caráter fundamental, a saber, a cosmogônica (não ignoro também a narrativa antropogônica), pois, em razão de seu caráter de "história sagrada primordial", dela deriva toda a gama de significações e espectros de sentido - e não só das demais narrativas, mas da existência como um todo." (p. 73). Ao anotar a visão cristã segundo o pensamento do ramo calvinista neerlandês orientado pelo olhar de Kuyper, deve-se destacar tanto o "grande evento cosmogônico da criação narrado no livro bíblico de Gênesis", como especialmente, observar a realidade de que "existe um outro evento que marca e delimita a existência e a interpretação histórica: a encarnação de Jesus Cristo enquanto o eterno no tempo." (p. 74). Assim, a interpretação cristã da história surge dos fatos e declarações essenciais dados por esta fé e doutrina acerca da realidade, como foram dados nos "eventos chave na história como a criação, a queda da humanidade, a revelação de Deus a Moisés, a formação do povo de Israel como o povo eleito de Deus para que dele nascesse o Messias redentor da humanidade, a encarnação de Jesus Cristo, sua morte e ressurreição. A leitura e a participação existencial na história são uma matéria de fé moldada pela cosmovisão religiosa." (p. 74). Assim, a concepçâo da realidade do cosmos e da humanidade na história não se limita a perceber um certo direcionamento dado por Deus em determinados eventos, "mas se apresenta como a crença na direta intervenção de Deus na vida da humanidade, por intermédio de sua ação concreta e pessoal em momentos e lugares definidos." (p. 75). A partir dessa cosmovisão, o sentido e compreensão reais sobre o significado da história jamais será dado por qualquer filosofia política ou ramo de estudo abrangente da história, pois "os eventos mundialmente transformados, os quais alteram completamente o curso da história humana, ocorrem por baixo da superfície da história e passam despercebidos por historiadores e filósofos. Esse é o grande paradoxo dos Evangelhos, sobre o qual São Paulo discursa com tanta força." (p. 75). Ainda, a tradição judaico-cristã de entendimento da história rompe com a visão cíclica do eterno retorno, pois define que a história tem não somente um marco inicial mas igualmente um evento conclusivo e final; sendo essa "uma premissa (que) também implica uma valorização sagrada do tempo no qual se realizam propósitos divinos." (p. 76). Ao abandonar a visão cíclica do tempo, a cosmovisão cristã oferece para o entendimento da realidade a expectativa da realização dos eventos e fatos oriundos do que se chama, "esperança escatológica", numa "compreensão histórica (que) trabalha juntamente com a convergência de atuação de um Deus atemporal, transcendente e pessoal que atua no tempo e que, no caso da interpretação calvinista, desde a eternidade já havia escolhido os seus para a salvação... e determinado seu propósito na história com o agir humano." (p. 76-77). Nessa perspectiva oriunda da cosmovisão cristã, a própria história se torna um evento de significado posto que revela "a vontade ordenadora de Deus", indicando para o discípulo fiel e seguidor religioso que sua atitude existencial mais valorosa surge a partir de uma resposta "de acordo com e para o louvor de Deus". Sendo importante anotar que nesta cosmovisão, também é Deus "que impulsiona a história com sua ação concreta e direta e com a concessão de dons vários aos seres humanos, independente de sua predestinação à salvação, e que lhe permitem o desenvolvimento da arte, das ciências, da cultura, da política, a economia e afins, por meio do que se chama graça comum, restringindo a ação do pecado na humanidade e dinamizando a história." (p. 77). REFERÊNCIAS. MOREIRA, Thiago. Abraham Kuyper e as bases para uma teologia bíblica. Brasília, DF - Editora Monergismo, 2020. Autor. Ivan S Rüppell Jr é professor, advogado e ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil, atuando na gestão de ações sociais das igrejas.

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