sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A SOBERANIA de Deus e a Supremacia das Liberdades Civis sobre a Instituição do ESTADO, segundo ABRAHAM KUYPER, na obra: Calvinismo; p/ Ivan S. Rüppell Jr.

No interesse de propor à Igreja de Cristo, alguns princípios bíblicos e atividades cristãs de orientação “vocacional” ao povo de Deus para uma Missão Integral, iremos apresentar nesse artigo aspectos da Cosmovisão Reformada para uma atuação do Cristão na Sociedade, especialmente diante da instituição do Estado; segundo o pensamento de Abraham Kuyper, conforme texto do livro, “Calvinismo”. CITAÇÃO: “No Calvinismo encontra-se a origem e a garantia de nossas liberdades constitucionais.” (Groen Van Prinsterer) (Kuyper, p 85, 2003). TEXTO: Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país.” Atuou no Parlamento durante trinta anos e foi Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. Seu livro “Calvinismo” contém as palestras ministradas na Universidade e Seminário de Princeton no ano de 1898, expondo temas teológicos “como um fundamento para uma visão abrangente de vida.” (Kuyper, p 5-6, 2003) Kuyper trata do tema do Estado em sua terceira palestra, movendo-se da religião para a instituição pública, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Além da citação no início deste tópico, há um outro destaque do autor, no interesse de apresentar o princípio reformado mediante o qual a sociedade dos homens deverá ser organizada politicamente: “O fanático pelo Calvinismo era um fanático por liberdade pois, na guerra moral pela liberdade, seu credo era uma parte de seu exército e seu mais fiel aliado na batalha.” (p 86, 2003) Nessa perspectiva, a liberdade existencial do homem que deve ser assegurada nos ordenamentos constitucionais das nações é um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania do Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. O autor anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão. Ao contrário, segundo o desígnio divino, a humanidade tem sido gerada na história “a partir do homem”, como bem anotou Aristóteles, algo que veio unir de forma orgânica toda a raça humana numa espécie única e contínua, posto que oriunda das gerações anteriores e provedora das gerações futuras. Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) Abraham Kuyper reconhece, sim, que a proposta de promover esse império mundial integrador de todos os homens numa única nação, logo se torna um ideal valioso para a humanidade; sendo uma proposição que nos seduz por seu valor comunitário e solidário, da mesma forma que a liberalidade social cresce nos corações humanos, devido a seus apelos em favor da liberdade pessoal que almeja. No entanto, segundo destaca o autor, ambas estas proposições se tornaram apenas vãs tentativas de “olhar para trás, para um paraíso perdido.” (p 87, 2003) Desta forma, a nossa realidade pecaminosa indica que o erro mais grave dos Imperadores, não foi tanto a sedução do Império Mundial, mas sim, o fato de almejarem estabelecer esse ideal numa situação existencial impeditiva desta unicidade. “de fato, sem pecado não teria havido magistrado nem ordem de estado; mas a vida política em sua inteireza teria se desenvolvido segundo um modelo patriarcal da vida de família. Nem tribunal, nem polícia, nem exército, nem marinha, são concebíveis num mundo sem pecado; e se fosse para a vida desenvolver a si mesma, normalmente e sem obstáculo de seu próprio impulso orgânico, consequentemente toda regra, ordenança e lei caducaria, bem como todo controle e afirmação do poder do magistrado desapareceria.” (p 87, 2003) Em decorrência desta impossibilidade, o autor vai definir que toda organização estatal e suas autoridades se tornam um “meio mecânico de obter pela força, a ordem” social entre os homens. Sendo algo, portanto, que deverá ser desenvolvido dentro dos limites e ordenanças de Deus, para que alcancem o propósito divino de sustentar um curso ordeiro para a sociedade, posto que existimos num mundo “em pecado". (p 88, 2003) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) Assim, Kuyper destaca o valor maior por detrás do Estado, como sendo uma instituição judicial perante os homens, cuja autoridade necessita originar e basear-se na Soberania de Deus: “na política, o elemento humano – aqui o povo – não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja forçado a ajudar este povo somente na hora da necessidade; mas que Deus, em sua majestade, deve brilhar diante dos olhos de cada nação.” (p 89, 2003) O modo em que Deus deverá brilhar soberanamente sobre o Estado, para que a vontade do povo e mesmo de algum homem não venham a se tornar superiores sobre a humanidade, orienta o reconhecimento dos princípios com que Deus tem definido a formatação desta instituição, na terra: “portanto, quando a humanidade desintegra-se por causa do pecado numa multiplicidade de povos separados, quando o pecado separa os homens e os arrasta, e revela-se em todo tipo de vergonha e iniquidade – a glória de Deus exige que estes horrores sejam refreados, que a ordem retorne ao caos, e que uma força compulsória de fora, faça-se valer para tornar a sociedade humana uma possibilidade. Deus tem esse direito e somente ele.” (Kuyper, p 89, 2003) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003) Ao tratar da instituição do Estado na existência comunitária do homem, Kuyper expõe a cosmovisão cristã que busca assegurar o valor da liberdade do ser, na seguinte afirmação: “nenhum homem tem o direito de governar sobre outro homem”, pois “como homem eu continuo livre e corajoso, em oposição ao mais poderoso de meus semelhantes. (...) Não falo da família, pois aqui governam laços orgânicos, naturais; mas na esfera do Estado não cedo ou me curvo a qualquer um que é homem como eu sou.” (p 89, 2003) Nosso autor distingui, assim, a importância da hierarquia natural existente nas instituições criadas por Deus desde a eternidade, como a família e todas as outras vivências culturais etc; daquela hierarquia mecânica e antinatural da instituição do Estado. Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) Ao concluir a exposição do entendimento de Abraham Kuyper sobre o pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) Ainda neste contexto abrangente, ao tratar da importância das liberdades individuais e da liberdade de consciência do ser humano em sua vivência familiar e cultural, Kuyper faz algumas considerações para distinguir na história, os pressupostos desiguais de alguns importantes movimentos revolucionários. De um lado, coloca movimentos que mantiveram os princípios e propósitos de Deus, quando da organização da instituição do Estado, como o fizeram as Revoluções Americana e Inglesa; e de outro, aponta para aqueles que agiram contrariamente e para subverter a Soberania divina, buscando elevar e estabelecer o domínio do homem sobre o homem, atacando assim a própria liberdade existencial da humanidade, como fizeram a Revolução Francesa e a ideia de Soberania do Estado Alemã, que se originou de um “produto do panteísmo filosófico alemão”, nas palavras desse mesmo autor. (p 95-96, 2003). CONSIDERAÇÕES FINAIS. “Por causa do Senhor, submetam-se a todas as autoridades humanas, seja o rei como autoridade máxima, sejam os oficiais nomeados e enviados por ele para castigar os que fazem o mal e honrar os que fazem o bem.” (1 Pedro 3.13-14). Para o pensamento calvinista reformado, o Estado é uma instituição criada por Deus em razão do pecado da humanidade. Serve para refrear o mal e livrar a sociedade do caos, e neste propósito e interesse, tem poder de justiça para manter a ordem através das leis civis. E como toda Autoridade de Estado foi instituída por Deus para proteger os que praticam o que é correto na sociedade, e para penalizar os desobedientes, compreende-se que as leis civis não deverão desprezar os valores morais dos mandamentos bíblicos; posto que o certo e o errado que Deus deseja regular na sociedade, deve ser coerente ao seu pensamento sobre o tema. 2. O ser humano e sua associação familiar e a cultural nas mais diversas áreas de ciências e artes, educação e esportes, religião e negócios geram instituições orgânicas; que servem para a humanidade fazer prosperar as capacidades e anseios naturais da vida social que o ser carrega em si. 3. Deus criou as Instituições sociais para orientar a Humanidade através das Autoridades. Todo homem que praticar o bem será protegido e quem fizer o mal será disciplinado; pois a Lei foi dada para ensinar o homem sobre o pecado que arruína a vida hoje, e condena o espírito na eternidade! Não matar e não roubar significa amar o próximo. 4. As Autoridades instituídas por Deus na família e religião, trabalho e comunidade, educação e sociedade devem ser respeitadas e apoiadas nos limites e amplitude de suas áreas. O Estado não é superior à Família, e a Educação não é superior à Religião, e vice versa, pois cada setor da existência tem sua área de ação social definida por seu próprio conteúdo técnico e existencial. 5. A supremacia do Estado sobre o espirito do homem e a consciência do ser não deve ser tolerada pelos cristãos, posto que essa instituição pode vir a afrontar as liberdades civis e individuais; enquanto também poderá atuar para limitar as liberdades de expressão e religiosa dos cidadãos, agindo na corrupção do propósito para que foi instituída por Deus. (*Esse texto faz parte de um artigo com três tópicos, incluídos o pensamento de Calvino nas "Institutas" e a análise de Henri Strohl acerca do pensamento protestante de Calvino, conforme publicado integralmente na Revista Teológica Fatesul, o qual pode ser acessado no link a seguir: http://fatesul.com/publicacoes/revista-teologica/). Bibliografia BÍBLIA, Sagrada, NVT. 1 ed – São Paulo : Mundo Cristão, 2016. _______, de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 1999. KUYPER, Abraham. Calvinismo. Tradução Ricardo Gouveia e Paulo Arantes – São Paulo: Cultura Cristã, 2003. STOTT, John. A Missão Cristã no Mundo Moderno. Traduzido por Meire Portes Santos. – Viçosa, MG : Ultimato, 2010. AUTOR: Ivan S Rüppell Jr é Ministro presbiteriano, Mestre em Ciências da Religião e Advogado, atuando na Igreja Presbiteriana Olaria, em Curitiba/PR, e como professor na Fatesul.

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