sábado, 23 de outubro de 2021

SOLA SCRIPTURA! A Reforma do Cristianismo e a Palavra de Deus.

A Reforma Protestante do sec 16 será celebrada mais uma vez no próximo dia 31 de outubro. Esta Reforma da Religião Cristã deu origem ao Protestantismo, e ficou marcada por cinco títulos que se tornaram lemas de sua doutrina religiosa, os quais enfatizam que acima de qualquer instituição e homem, o Cristianismo deve ser estabelecido primeiramente conforme cinco conceitos teológicos: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus e Soli Deo Gloria; ou seja, Somente a Escritura e Somente a Graça, Somente a Fé e Somente Cristo, e Somente a Deus a Glória! O princípio doutrinário Sola Scriptura - Somente a Escritura indica que a Bíblia é a única regra de fé e prática da Igreja, sendo que o protestantismo afirma as doutrinas da inspiração e autoridade, inerrância e clareza, necessidade e suficiência do texto bíblico como fundamentos do Conhecimento de Deus, na Teologia Reformada. Nesse contexto, voltamos nossa atenção para as palavras de Jesus anotadas pelo Apóstolo João, no capítulo cinco do Evangelho, que contém o ensino do Messias para os que negavam sua autoridade como Profeta de Deus: "Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês tem a vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a meu respeito; contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida (...) Se vocês cressem em Moisés, creriam em mim, pois ele escreveu a meu respeito. Visto, porém, que não crêem no que ele escreveu, como crerão no que eu digo?" (versos 39 a 47). Jesus revela que sua Autoridade como Cristo para fazer Obras em nome de Deus e declarar Bênçãos e Juízos divinos para os homens tem base e origem nas Escrituras, num princípio relacionado à Torá (Lei) de Moisés, sendo que utilizamos este mesmo princípio para valorar o modo como as Escrituras desenvolvidas nos Evangelhos pelos Apóstolos, igualmente autorizam o conhecimento cristão. Sobre esse tema, o Salmo 19 é um dos textos bíblicos que melhor ensina a importância das Escrituras para que a humanidade possa conhecer Deus de forma verdadeira e profunda. O salmo inicia com uma proposição universal, ao afirmar que "os céus declaram a glória de Deus; o firmamento proclama a obra das suas mãos.", apresentando o modo como toda natureza e mundo comprovam a existência do Criador Todo Poderoso sobre a Terra, sendo um conceito teológico entendido como uma "revelação geral" de Deus acerca de sua Majestade, que toca o coração de todos os seres humanos, simplesmente pelo fato de estarem vivos. A seguir, o Salmo 19 acrescenta o ensino do modo como Deus revela a Verdade da existência e oferece Vida pra humanidade: "A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma... os preceitos do Senhor são justos, e dão alegria ao coração. Os mandamentos do Senhor são límpidos e trazem luz aos olhos." (versos 7-8). Desta forma, vemos nestes versículos como o próprio texto bíblico atesta o modo como Deus faz uma "revelação especial" acerca de Si mesmo para a humanidade, vindo a estabelecer as Escrituras como as Palavras de Deus que irão esclarecer aos seres humanos o caráter divino e o conhecimento acerca da Vida real e eterna. Então, vemos como a natureza anuncia a Majestade do Criador, enquanto aprendemos que somente a Bíblia ensina a Verdade sobre Deus e a existência humana. Sendo este um breve e simples exemplo da maneira como surgiu e de como tem se mantido na Igreja Protestante o princípio Sola Scriptura, da supremacia da Bíblia, como um valor cristão básico e fundamental. Agora, para entender um pouco melhor a importância deste princípio e o modo como seu valor foi essencial para a Reforma do Cristianismo iniciada no século 16, vamos aproveitar algumas reflexões e fatos apresentados pelo historiador e teólogo Alister McGrath, em seu livro; A Revolução Protestante - uma provocante história do protestantismo contada desde o século 16 até os dias de hoje. O autor conta na introdução do livro, o modo como a Igreja Anglicana se reuniu ao final do século 20 no objetivo de reforçar a unidade de sua liderança, e assim de todos os fiéis. Em meio às atividades diárias de oração e estudo da Bíblia, eis que uma questão essencial eclodiu: "como a Bíblia deveria ser interpretada - por exemplo, em relação a questões controversas como a da homossexualidade"; sendo que este e tantos outros temas urgentes da chegada próxima do século 21 refletiam as mais diversas contrariedades de entendimento entre liberais e conservadores no meio religioso. "Parafraseando Hugh Latimer, bispo de Worcester... todos queriam o bem - mas certamente eles não queriam a mesma coisa." (p 9-10) Nesta situação, os anglicanos passaram a debater de que maneira a Bíblia poderia "ser o fundamento para a identidade e a união deles quando havia uma desunião tão evidente em relação a como ela tinha de ser entendida?". Para McGrath, "a ideia no cerne da Reforma do século 16, que trouxe o anglicanismo e outras igrejas protestantes à existência, era que a Bíblia podia ser entendida por todos os cristãos - e de que todos eles tinham o direito de interpretá-la e de insistir que as suas percepções fossem levadas a sério." Assim, a proposição de que os cristãos deveriam ter o direito de interpretar as Escrituras segundo seu próprio entendimento se tornou tanto um valor da reforma, como um princípio de consequências incontroláveis na história do Cristianismo, conforme destaca McGrath: "O desenvolvimento do protestantismo como a principal força religiosa do mundo é decisivamente modelada pelas tensões criativas que emergem desse princípio." (p 10) Nesse contexto, anotando a importância fundamental das Escrituras ao Cristianismo, a partir de como Jesus estabelece a Lei de Moisés como base de sua autoridade, a qual somente temos conhecimento exatamente pelas Palavras Bíblicas dos Evangelhos dos Apóstolo; voltamos nossa atenção para o modo como o lema SOLA SCRIPTURA esteve presente na história da Igreja Medieval e particularmente, no surgimento do Protestantismo. Segundo McGrath, "o protestantismo... teve origem nas grandes agitações intelectuais e sociais da época que criaram uma crise nas formas existentes de cristianismo e que ofereceram meios pelos quais isso podia ser resolvido." A própria expressão "protestantismo" para designar esse movimento surgiu de forma casual, em meio aos decretos romanos que definiam Lutero como um herege, sendo que em meio aos conflitos de autoridade entre Roma e Alemanha, diversos príncipes vieram apoiar Martinho Lutero, com um decreto de 1526 liberando-os para decidir por si próprios como atuar diante do reformador, o que acabou impulsionando o movimento reformista luterano na Alemanha. (p 13) Até que anos mais tarde, autoridades do catolicismo romano reunidas na Dieta de Speyer de 1529 aprovaram resoluções contrárias tanto ao Islã quanto diante do movimento da Reforma de Lutero; sendo que nesta ocasião, "seis príncipes alemães e quatorze representantes imperiais, indignados", vieram a realizar um protesto direto diante da opressão contra a liberdade de religião. Sendo que, "o termo latino protestantes foi imediatamente aplicado a eles e ao movimento que representavam." (p 14) Dentro desse contexto histórico e religioso, o termo protestantismo veio a ser utilizado para designar tanto a reforma alemã, como a reforma desenvolvida por Ulrico Zuínglio na Suiça, além de movimentos anabatistas e também, as atividades desenvolvidas em Genebra sob a liderança de João Calvino. Desta forma, ao redor da década de 1560 e em meio ao desenvolvimento das reflexões da Contra Reforma Católica, luteranos e anglicanos, reformados e anabatistas buscaram alinhamento e certa unidade no interesse de colaborarem junto diante de um adversário fortíssimo, a Igreja Católica. "Quaisquer que fossem as diferenças, assim eles raciocinaram: "Somos todos protestantes" - embora houvesse uma evidente falta de clareza em relação ao que isso queria realmente dizer." (p 15) A partir disto, buscamos entender o modo como este "Protestantismo" surgido no séc 16, que agregava diversos movimentos cristãos interessados na "Reforma" do Cristianismo, faz parte de uma realidade que sempre esteve presente na Religião Cristã; especialmente a partir do modo como os cristãos valorizam a Bíblia, o que demonstra a importância e supremacia das Escrituras como o valor essencial de uma Igreja Cristã que pretende atuar continuamente numa reforma válida de suas estruturas e vivências. O autor anota o modo como desde a década de 1170, na Idade Média, um comerciante do sul da França chamado Valdes (Pedro Valdo) iniciou um projeto de reforma da religião cristã baseado na importância da leitura da Bíblia e na atenção aos necessitados, de forma que o movimento cristão valdense veio a se desenvolver nas regiões da França e Itália, nos Alpes, tendo uma base até os dias de hoje na região de Piemonte, norte da Itália. Seguindo o princípio de desenvolver pregações cristãs direto do texto bíblico, o movimento influenciou o reformador suiço Bullinger na época da Reforma, vindo a se integrar ao movimento protestante, assumindo valores de pensamento calvinistas. Para McGrath, "o movimento valdense representa um importante elo histórico entre os primeiros movimentos reformadores medievais, que tinham programas predominantemente morais e fundamento bíblico, e a Reforma." (p 32). Neste mesmo contexto, o autor destaca um certo "evangelicalismo católico" surgido em regiões da Itália, com ênfases na importância da fé pessoal e na responsabilidade do cristão agir no dia a dia segundo princípios bíblicos, sendo uma experiência que também surgiu e se manteve durante a Igreja medieval. Após esse destaque sobre alguns movimentos de reforma do cristianismo, entende-se que a compreensão correta da origem histórica do Protestantismo aponta para uma dupla mudança que ocorria na cultura ocidental ao final da idade média e início do período moderno. Mudança embasada em valores e ideias, e relacionada aos desejos pessoais e aspirações sociais que tomavam conta do ocidente desde o século 14, sendo que, "o advento da imprensa permitiu o descontentamento com os paradigmas existentes e o entusiasmo por uma alternativa para difundir ideias com rapidez sem precedentes." (p 33). Aqui, anotamos que a grande transformação religiosa da época da reforma protestante surgiu a partir de debates sobre a possibilidade de que ideias fundamentais da igreja podiam ter origem e estar embasadas em intepretações errôneas da Bíblia. Sendo que foi o Renascimento do séc 14 que trouxe mudanças para o mundo das ideias, as quais através do Humanismo vieram a promover mudanças na realidade social de toda Europa. Observe que os humanistas do Renascimento, entre o séc 14 até o ano de 1500 se dedicavam a buscar a eloquência e excêlencia da cultura das civilizações clássicas grega e romana, vindo a fortalecer o valor da filosofia como ideias de reflexão e estruturação da sociedade: "seu método básico se resume na expressão latina AD FONTES, "de volta às origens"! O riacho é mais puro na nascente." (p 36). Nesse mesmo movimento, o estilo de arquitetura gótico perdeu espaço para o clássico, enquanto que o latim rebuscado do poeta Cícero se tornou a linguagem das universidades e literatos, diminuindo a importância do latim popular. Em meio a tudo isso, "a maioria dos humanistas da época - como o grande Erasmo de Roterdã - eram cristãos preocupados com a renovação e a reforma da igreja." (p 36). Daí surgiu a reflexão e decisão de que o mesmo método utilizado pelo humanismo renascentista na revolução da literatura e conhecimento, arquitetura e sociedade deveria também ser utilizado para a reforma do Cristianismo. "Mas como isso tinha de ser feito?... Qual era a fonte original do cristianismo? Os humanistas cristãos tinham pouca dúvida: a Bíblia, especialmente o Novo Testamento. Essa era a fonte derradeira da fé. (...) A exigência humanista de retorno à Bíblia mostrou ser um chamado muito mais radical do que muitos homens seniores da igreja podiam digerir (...) O verdadeiro conteúdo da Bíblia devia ser estabelecido por meio de métodos textuais mais confiáveis, e a Bíblia devia ser lida em suas línguas originais." (p 36-37). Neste período, o mesmo Erasmo que havia lançado em 1503 a revolucionária obra, Manual do Soldado Cristão, que valorizava a importância de o cristianismo estar baseado nos crentes leigos que deveriam praticar a religião embasados na leitura bíblica, acabou produzindo em 1516 uma edição do Novo Testamento em grego, apontando diversos erros de tradução na Vulgata latina estabelecida ao redor do ano 800 e tornada oficial na Idade Média. Erasmo esclareceu a partir do texto grego que a convocação cristã de Mateus 4.17 não deveria ser lida como estava na versão latina: "Façam penitência, pois o Reino de Deus está próximo", mas sim, conforme o texto grego "ad fontes", que dizia: "Arrependam-se, pois o Reino dos céus está próximo." E neste exemplo, vemos o modo como a reconciliação Cristã dos homens com Deus foi transferida da esfera de uma instituição histórica para uma relação pessoal diante da Pessoa de Deus, pois a penitência é um ato sacramental ritualístico vivenciado numa instituição diante de homens designados para isto, enquanto que o arrependimento é um sentimento de tristeza afirmado numa súplica e oração de ajuda, dirigida e falada pra Deus Pai, como bem ensinou Jesus Cristo: "Vocês, orem assim: Pai Nosso, que estás nos céus! Santificado seja o teu nome... Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos os nossos devedores..." (Mateus 6.9-12). Sendo que foi este livre acesso às Escrituras e a supremacia do texto bíblico sobre as tradições dos homens, que capacitou Lutero a conhecer o conceito essencial do Evangelho de Jesus Cristo, na carta aos romanos do Apóstolo Paulo, cap 1.17: "Porque no evangelho é revelada a justiça de Deus, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: "O justo viverá pela fé". Algo que fez tanto o líder protestante do séc 16, como igualmente qualquer cristão dedicado a Bíblia na história, a ser capaz de confessar seus pecados a Deus em nome de Jesus Cristo, para dizer feliz junto com Paulo: "Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo." (Romanos 5.1). Enfim, é dentro deste contexto histórico e social, que McGrath ressalta a seguinte afirmação: "Sem o Humanismo, não teria havido Reforma", sendo que, "esse lema repetido com frequência apresenta o ponto de que o surgimento do humanismo forçou um programa de reforma mais radical sobre a igreja do que fora previsto." É verdade! As transformações culturais dos séculos 14 e 15 oportunizaram as condições sociais e políticas para que os Líderes da Reforma Protestante tivessem um êxito histórico no propósito de promover uma reforma da Religião como jamais houve no Cristianismo. E do mesmo modo, entendemos que nenhuma Reforma saudável do Cristianismo jamais aconteceria separada das Escrituras. Sendo que o momento histórico do sec 16 propiciou a formatação de um protestantismo estabelecido na ideia mais original e perigosa (maravilhosa) da história - o acesso livre do ser humano ao texto das Escrituras Bíblicas, a própria Palavra de Deus! Sola Scriptura - Somente a Bíblia. (REFERÊNCIAS: McGrath, Alister. A Revolução Protestante - uma provocante história do protestantismo contada desde o século 16 até os dias de hoje. Editora Palavra, Brasília DF, 2012) Autor: Ivan Santos Rüppell Junior é Teólogo e Cientista da Religião, Ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil.

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