quarta-feira, 10 de agosto de 2022

COSMOVISÃO CALVINISTA. Aula 3. SPS extensão Curitiba..

UMA COSMOVISÃO BÍBLICA. Criação, Queda e Redenção. Citação inicial: "Se realmente cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus para nós, a verdadeira narrativa do mundo; parece claro que a nossa cosmovisão precisa estar arraigada e fundamentada ali." (Goheen e Bart. p 61, 2016). A narrativa do mundo e humanidade que entendemos que está sendo escrita no universo surge dos atos e desenvolvimento dados e governados por Deus na história. A partir disso, vamos refletir na aula de hoje, acerca dos temas e períodos essenciais de uma Cosmovisão bíblica; Criação, Queda e Redenção, pois são estas três realidades da história que devem orientar e conduzir a nossa visão de mundo. INTRODUÇÃO. Segundo Ribeiro de Carvalho, "a ideia de que a cosmovisão cristã deve ter um impacto decisivo em todas as áreas da vida, inclusive no pensamento, desenvolvida no neocalvinismo holandês, tem seu paralelo" em diversos movimentos cristãos históricos do séc 20 que voltam seu olhar para a sociedade, a cultura e os necessitados. As proposições e reflexões de alguns desses movimentos, como o oriundo do Pacto de Lausanne e da Missão Integral, observam o modo em que "o desenvolvimento histórico da cultura ocidental (tem sido) governado por quatro grandes motivos-bases, que adquiriram poder sociocultural e assim dominaram a evolução da cultura ocidental". Dentre estes, utilizamos nessa introdução, breve destaque do autor para o "Motivo-base bíblico criação-queda-redenção." Essa proposição bíblica de entendimento da história e consequente atuação cristã na realidade, "nasceu da revelação redentora de Deus ao homem, consumada na pessoa de Jesus Cristo e aplicada pelo Espírito Santo. Essa revelação nos fornece as estruturas fundamentais de uma cosmovisão cristã. Em primeiro lugar, ela reconhece todo o cosmo como criação de Deus. Deus é a única origem absoluta, tendo uma diferença qualitativa infinita em relação à sua criação. Essa criação é ordenada pela vontade do Criador e reflete a sua glória, de modo que, em sua estrutura, há uma ordem de leis, uma cosmonomia, uma ordem de desenvolvimento temporal, ou cosmocronologia, e uma coerência-na-diversidade de seus elementos. Essa criação é completa e intrinsicamente boa. O homem, como parte da criação, está sujeito à cosmonomia, mas em seu centro a transcende em direção a Deus. Ele foi posto na terra com a função de glorificar a Deus, revelando, pelo trabalho, os potenciais que ele colocou na criação. A queda do homem alienou toda a criação de Deus. Não destruiu a própria estrutura da criação, nem tornou nenhum de seus aspectos essencialmente maligno, mas a colocou numa direção de apostasia. O pecado humano envolveu a rejeição do culto a Deus, e a eleição de criaturas como deuses. Desde que a queda foi total, o homem distorce todas as suas ações e pensamentos, tendo em vista a idolatria: tornou-se uma fabrica idolorum (fábrica de ídolos). A redenção, consumada por Jesus Cristo, envolve a recriação do homem, como "novo homem" em si mesmo, e, com isso, o redirecionamento da criação para Deus. A redenção não significa o acréscimo de uma graça especial, mas simplesmente, em sua essência, a reconstituição do propósito original de Deus. Tudo o que foi criado é objeto do amor redentor de Deus, que tem um alcance integral. A missão da igreja é, ao lado de Cristo, realizar o plano original de Deus numa nova criação, e esse propósito deve se manifestar desde já na cooperação da igreja com Cristo para o desvelamento das riquezas que ele pôs na criação, por meio da atividade cultural em todos os níveis da vida, a partir da fé no evangelho." (p 127-128, 2006). ASPECTOS introdutórios. A relação do homem com o universo. Segundo Cornelius Van Til, "depois de ressaltar que o homem foi criado à imagem de Deus, devemos observar que o homem estava fundamentalmente relacionado com o universo ao seu redor. Ele deveria ser o profeta, o sacerdote e rei neste mundo criado, sob o domínio de Deus. As vicissitudes do mundo seriam, em grande medida, dependentes das ações do homem. Como profeta, o homem deveria interpretar este mundo de acordo com Deus; como sacerdote, deveria dedicar este mundo a Deus; e como rei deveria reinar sobre o mundo, para Deus. Em oposição a isso, todas as teorias não cristãs sustentam que as vicissitudes do homem e do universo são apenas acidental e casualmente relacionadas. (...) Cristo é o verdadeiro profeta, sacerdote, e rei. O Breve Catecismo de Westminster pergunta: "Como Cristo exerce as funções de profeta? (p24). A resposta é: "Cristo exerce as funções de profeta, revelando-nos, pela sua Palavra e pelo seu Espírito, a vontade de Deus para a nossa salvação"... Novamente, o catecismo pergunta: "Como Cristo exerce as funções de sacerdote? (p 25). A resposta é: "Cristo exerce as funções de sacerdote oferecendo-se a si mesmo, de uma vez por todas, em sacrifício, para satisfazer a justiça divina e reconciliar-nos com Deus, e fazendo contínua intercessão por nós". Observe que o ofício sacerdotal de Cristo não pode ser compreendido sem a crença no seu ofício profético, pois "Cristo não poderia ter nos dado verdadeiro conhecimento de Deus e do universo a não ser que tivesse morrido por nós como sacerdote... quando as Escrituras falam do conhecimento de Deus, elas se referem ao conhecimento e o amor a Deus: este é o verdadeiro conhecimento de Deus; todo e qualquer outro conhecimento de Deus é falso. (...) Em terceiro lugar, o catecismo pergunta: "Como Cristo exerce as funções de rei? (p 26). A resposta é: "Cristo exerce as funções de rei sujeitando-nos a si mesmo, governando-nos e protegendo-nos, contendo e subjugando todos os seus e os nossos inimigos." Novamente observamos que essa obra de Cristo como Rei deve ser considerada em conexão orgânica com sua obra de Profeta e Sacerdote. Para dar-nos verdadeira sabedoria ou conhecimento, Cristo deve sujeitar-nos a si mesmo. Ele morreu por nós para nos sujeitar a si e, então, nos dar sabedoria. É somente através da ênfase nessa conexão orgânica dos aspectos da obra de Cristo que podemos evitar qualquer separação mecânica entre o intelectual e o moral na questão do conhecimento." (p 36-37,41-43, 2010) CITAÇÃO. "O primeiro ponto de importância a ser notado é que a revelação nas Escrituras deve ser nosso ponto de partida. É somente à luz da doutrina protestante da Escritura que se pode obter também a doutrina protestante da revelação de Deus na natureza. De acordo com a Confissão de Fé de Westminter, as Escrituras apresentam o homem como um ser pactual. Ela fala que o homem foi originalmente colocado na Terra sob os termos de um pacto de obras. E nos informa adiante que o homem quebrou esse pacto de obras e que Deus foi servido levar adiante seus objetivos do pacto das obras através do pacto da graça. Portanto, pode ser dito que a Escritura é a expressão escrita das provisões do relacionamento pactual de Deus com o homem." (Van Til, p 53, 2010). A CRIAÇÃO. "Confessar que Jesus é Senhor é dizer que Jesus, junto com o Pai e o Espírito, criou todas as coisas; ele sustenta e mantém todas as coisas. ele governa a história e dirige rumo ao objetivo dela, ele restaura e renova todas as coisas e, no final, julgará todas as coisas. Se confessarmos apenas "Jesus é meu Salvador pessoal" e negligenciarmos "Jesus é Criador, Regente, Redentor e Juiz", então temos uma cosmovisão atrofiada. Uma cosmovisão bíblica tem a ver com entender corretamente quem é Jesus." Especificamente, apreender uma cosmovisão bíblica significa compreender os fundamentos do Evangelho, que anuncia a vinda do Reino de Deus ao nosso mundo, em meio a uma grande narrativa dada por Deus acerca da existência e história. Nessa narrativa, Deus age com amor e poder para restaurar sua criação e humanidade decaídos, no propósito de que tudo que há possa novamente existir debaixo de seus atos benditos e cheios de graça. Eis o enredo da narrativa dramática do Evangelho: "1. Deus (em Cristo e pelo Espírito) cria o mundo; 2. O pecado debilita, deturpa e arruína a criação; 3. Deus age para curar, endireitar e restaurar; 4. Deus finalmente reconcilia todo o cosmo consigo mesmo." Observe o conteúdo essencial da narrativa do Evangelho, que destaca e pressupõe os dois primeiros momentos do drama da existência, Criação e Queda, pois "a salvação tem sentido apenas quando indicamos aquilo que está sendo salvo e por que precisa ser salvo. O enredo principal da Bíblia é a narrativa de como Deus restaura uma criação que tinha sido desfigurada pelo pecado: em primeiro lugar vem a Criação seguida pela Queda, e depois disso vem a Restauração." (Goheen e Bart. p 62, 2016). LEITURAS BÍBLICAS orientadas: Salmo 19.1, Hebreus 11.3, Gênesis 1.1 e 31, Colossenses 1.16,17, João 1.5 (Plantinga, p 33, 2007). Observe que os escritores do Novo Testamento afirmam sobre a criação que tudo que existe se relaciona com a Pessoa de Jesus Cristo, já que "a criação ocorreu "por meio dele" ou "nele" ou até "para ele". Nesse sentido, o Cristianismo não celebra o início da vida ou existência de Jesus nas comemorações do Natal, mas sim, o momento da sua encarnação como um ser humano em nosso mundo. Observe que "as Escrituras não explicam como foi o trabalho mediador de Cristo na criação, ou exatamente por que ocorreu, mas encontramos algumas sugestões disso em algumas passagens. Lemos, por exemplo, que Cristo não é apenas o Filho de Deus, mas também a "sabedoria de Deus" e o "Verbo de Deus" (1 Co 1.24; João 1.1). Essas metáforas indicam que a obra de Jesus Cristo representa a inteligência e a expressão do Deus triúno. (...) A compreensão que se deve ter da criação a partir da personalidade dadivosa e graciosa de Deus, é que "a criação é um ato adequado para Deus", como escreveu G. K. Chesterton: "Toda a diferença entre construção e criação é... que algo construído só pode ser amado depois de ter sido construído; mas algo criado é amado antes de chegar à sua existência". Conforme Plantinga, "na criação, Deus, expressando graça, abriu espaço no universo para outros tipos de serees... Empregando amplos recursos de engenhosidade, poder e amor, Deus expandiu a esfera dos seres, gerando de dez a cem bilhões de galáxias, cada galáxia se apresentando como uma esplendora fogueira contendo até cem bilhões de estrelas... No nosso próprio planeta, Deus arquitetou processos extraídos de sua própria imaginação para fazer salamandras, garças e lírios do campo. Como nos ensinam os zoólogos e os botânicos, a criação de Deus, aberta à nossa observação atual, inclui mais de 750.000 espécies de insetos e 250.000 espécies de plantas... Para o cristão, o estudo da criação é uma oportunidade clássica para ler as Escrituras e o mundo natural conjuntamente. As Escrituras nos dizem quem criou as maravilhas do mundo e por quê. O estudo dessas maravilhas nos indica, pelo menos parcialmente, como Deus as fez e quando. Tanto as Escrituras como a ciência revelam a natureza de Deus e os seus interesses. Na criação, encontramos não somente uma variedade incontável, mas também ordem e interdependência... Você respira oxigênio e exala dióxido de carbono que é exatamente o que as árvores precisam para viver e para produzir um pouco mais de oxigênio para o seu próximo fôlego. (...) Num versículo que nos atinge como um raio, o livro de Jó diz que Deus estabeleceu os fundamentos da Terra "quando as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus" (38.7)." Textos bíblicos como esses revelam não conceitos de zoologia, mas apresentam o modo como Deus ama, celebra e até brinca com sua Criação, e assim, "a resposta apropriada de uma criatura que não está corrompida é se voltar para Deus em adoração; e essa resposta é gerada pelo fato de ela ser ou estar agindo de conformidade com a sua natureza de criatura de Deus." (Plantinga, p 33-40, 2007). O SIGNIFICADO DA DOUTRINA CRISTÃ DA CRIAÇÃO (Cornelius Plantinga Jr). Os cristãos reformados e igualmente outros de outras denominações celebram e pensam sobre a criação refletindo seu significado e realidade no mundo acadêmico, sendo algo que podemos descrever ao mencionar, ao menos, oito aspectos e significados profundos desse conhecimento, em que cada um "representa uma linha de um novelo que pode ser seguida ao longo da história da queda e da redenção e, em alguns casos, ao longo de toda a História até a sua consumação, nos "novos céus e na nova terra". (p 48, 2007). 1. "A bondade original da criação infere que o seu todo, incluindo quaisquer seres humanos que venhamos a encontrar, é potencialmente redimível." A QUEDA. Leituras bíblicas orientadas (Plantinga Jr, p 57). Gênesis 3.12,13; Salmo 14.1,3; Jeremias 2.27; Romanos 1.21; Romanos 7.15; Romanos 8.20. "É razoável afirmar que a narrativa da queda sozinha dá uma explicação convincente para a perversão da natureza humana. Pascal disse que a doutrina do pecado original parece uma ofensa à razão, porém, uma vez aceita, dá sentido total à condição humana." (Bíblia de Genebra, p 13, 1999). "Do modo como estão as coisas agora, a criação ainda declara a glória de Deus, mas também declara a tragédia da queda, do caos, de carnificinas dolorosas. No ensolarado início da primvavera, toda "a terra entoa e ao meu redor ecoa"... mas a natureza também inclui animais que despedaçam uns aos outros e animais que estupram uns aos outros, ou que se matam por esporte... Como diz Paulo: "... toda a criação... geme e suporta angústias até agora" (esperando libertação) "... do cativeiro da corrupção" (Rm 8.21,22). Conforme Wendell Berry (citado por Plantinga Jr): "A ausência de forma... nem é algo civilizado nem natural. É um mal especificamente humano, sem analogia na natureza, provocado pelos fracassos das civilizações; falta de atenção, irresponsabilidade, falta de cuidado, ignorância quanto às consequências. Esse é o resultado do abuso do poder." Observe que ao falar da queda de toda a criação, devemos nos incluir também, pois a ruína da raça humana como espécie de Deus é visível, "na realidade você encontrará hostilidade embalada como entretenimento e indiferença tratada como se fosse uma atitude normal." Nesse sentido, vemos o modo em que "há muito tempo os filósofos vem estudando a condição humana e eles tem observado que o mal é o principal problema do ser humano." Se há algo que une os filósofos é o fato de que mesmo aqueles que negam a Deus, não conseguem negar a irregularidade e ruína do mundo e dos homens, com títulos sobre o modo em que os seres humanos estão "alienados, divididos e reprimidos". Conforme Schopenhauer (citado por Plantinga Jr): "Se quisermos saber o que as pessoas valem moralmente... tudo o que temos de fazer é considerar o destino delas como um todo e de modo geral. Ele consiste em carências, desgraças, aflição, miséria e morte". O autor faz um destaque necessário, enfatizando o modo como até os cristãos são bastante enganados acerca da realidade da existência, salientando que "o problema humano não é apenas ignorância, é também orgulho obstinado. Não se trata somente de opressão; é também corrupção. É por essa razão que pessoas, que tem sido vítimas de opressão, quando libertadas, acabam frequentemente oprimindo outras." O fato essencial sobre a existência da humanidade é o modo como temos vivido a história, de forma "inexplicável e irracional", sempre em conflito perante o que é melhor para nós; sendo algo que pode-se denominar de "mistério da iniquidade", que faz com nossa espécie escolha desde Adão tomar a atitude "de viver contra Deus, contra os seus semelhantes e contra o mundo de Deus. Vivemos até contra nós mesmos." "De acordo com Gn 3 e Romanos 5, toda a nossa raça "formou um hábito", ou está dependente, no que diz respeito ao pecado"; sendo que esse hábito é uma contínua e grave atitude de desobediência contra Deus, de forma que somos dependentes dessa atitude ruim e enganosa, pois até mesmo "os santos descobrem, em desespero, que quando eles querem fazer o que é certo "o mal reside" interiormente em nós (Rm 7.21). Somos "concebidos e nascidos em pecado", como os calvinistas dizem quando batizam uma criança. Essa é uma maneira de afirmar o pecado original, ou seja, que a corrupção e a culpa dos nossos primeiros pais atravessaram as gerações, manchando a cada um de nós." Conforme Garry Wills (citado por Plantinga Jr): "Somos reféns uns dos outros num entrelaçamento moral... Antigamente uma mulher com muitas experiências consideradas moralmente ofensivas era descrita, como "tendo um passado". A doutrina do pecado original declara que a raça humana, exatamente nesse sentido, "tem um passado". Observe que a existência do mal no mundo é um fato inegável e um fundamento de nossa história, sendo algo que gera dores para a natureza e para a humanidade; e "isso abrange doenças e furtos, defeitos de nascença bem como de caráter. Podemos, mesmo, definir o mal como qualquer perturbação do shalom, quaisquer desvios do caminho que Deus quer que seja seguido. (...) Deus odeia o pecado não somente porque ele viola a lei, mas porque viola a confiança. O pecado entristece a Deus, ofende a Deus, trai a Deus e isso não é porque Deus se melindre com facilidade. Deus odeia o pecado contra a sua pessoa, contra os nossos semelhantes, contra a boa criação que ele fez, porque o pecado quebra a paz - primeiramente entre o pecador e Deus. O pecado interfere com a maneira que Deus quer que as coisas caminhem. É por isso que Deus tem leis contra o pecado. Deus é pelo shalom; consequentemente, ele é contra o pecado." Observe essa reflexão: "Considerando que a sua fonte é Deus, a bondade é original, normal, construtiva. O mal é secundário, anormal, destrutivo. Na verdade, o mal precisa do bem para ser o mal. C S Lewis escreveu: "uma vaca não pode ser muito boa ou muito má... uma criança ainda melhor ou pior; uma pessoa comum, ainda mais; um gênio, mais ainda; um espírito sobre-humano totalmente melhor - ou pior - do que os demais". Porque "quanto mais bem formada a criatura - quanto mais inteligente, mais forte e mais livre ela é - assim ela será melhor se anda corretamente, mas também será muito pior se caminhar erradamente." Pra concluir os pensamentos de Plantinga Jr sobre a queda, vemos que ele destaca o modo como o pecado surgiu cedo na história da humanidade, desde o cap 3 de Gênesis, exatamente quando "nossos pais tentaram ser "como Deus... conhecedores do bem e do mal", sendo que sua única conquista nessa decisão foi a de se alienarem tanto de Deus como de si mesmos. Eles escolheram acreditar no tentador, em vez de no Criador e transformaram o seu jardim num matagal de espinhos. A terra boa e frutífera se torna sua adversária (Gn 3.17,18) e o seu próprio pecado começa a ascender numa espiral crescente. O orgulho e a incredulidade de Adão e Eva deflagram revolta, acusações mútuas e a fuga da presença de Deus (Gn 3.4,5,10,12,13). O primeiro filho deles mantém e amplia a tradição: Caim se ressente do seu irmão, Abel, e o mata, lançando a história da inveja que se transforma em assassinato. (...) Daí pra frente, a história do pecado e da corrupção progride, atravessando os séculos, atingindo bilhões. Cada nova geração, e cada nova pessoa, colhe o que as outras plantaram e planta o que outras colherão... A glória da boa criação de Deus não foi destruída pela tragédia da queda, mas foi profundamente ofuscada. A história da nossa raça, na sua maior parte, é uma alternância entre essa luz e sombra." (Plantinga Jr, p 57-64, 2007). A REDENÇÃO. Leituras bíblicas orientadas (Plantinga Jr, p 79): Gênesis 17.7; Isaías 9.6; Isaías 53.5; Lucas 24.34; 2 Corintios 5.19; Gálatas 3.28; Colossenses 3.1, 12. "A miséria humana é quase tão antiga quanto a raça humana, mas igualmente antiga é a história da graça de Deus, ou seja, a misericórdia de Deus por aqueles que não a merecem (...) A natureza humana das pessoas caídas em pecado não pode suportar ser examinada com tanta minúcia. O teólogo Dietrich Bonhoeffer escreveu que Adão e Eva não podiam mais olhar nos olhos um do outro. O medo específico que os atribulava era a perspectiva do que eles poderiam ver. Mas, depois disso, uma nota de maravilhosa graça. Depois que um coitado casal de seres humanos tenta se proteger com folhas de figueiras, o narrador nos diz que "Fez o Senhor vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu" (Gn 3.21)... (eis) uma amostra de bondade que inaugura a história da graça de Deus registrada de Gênesis ao livro de Apocalipse." (Plantinga Jr, p 81, 2007). Nesse contexto e desenvolvimento, observamos em Gn 12 como Deus chama Abraão no propósito divino de constituir grande nação para abençoar toda a terra, sendo que entre os cap 15 a 17, vemos o modo como Deus afirma junto de Abraão o "pacto da graça", iniciando com o filho da promessa, Isaque. A partir daí, "as histórias dos patriarcas, das matriarcas e de seus descendentes (algumas das melhores histórias da Bíblia), relatam dúvida e fé, luta e reconciliação, mentiras e trapaças seguidas de arrependimento e perdão... Por meio de todas essas narrativas, ricas em detalhes e intrigas, ouvimos, como se fosse o ritmo marcado por um tambor baixo, o som do comprometimento constante da parte de Deus, de manter o seu pacto com que pessoas que quebram pactos. (...) No Monte Sinai, três meses após o êxodo do Egito, YHWH (o nome santo de Deus, que significa algo como, "Eu sou aquele que está aqui, para você") renova o pacto da graça, nessa ocasião com Moisés, o mediador da redenção de Israel. Por intermédio de Moisés, as palavras de Deus para Israel chegam carregadas com amor e com promessa, conf Êxodo 19.4,5." (p 82-83). Anote que, "Deus resgata pessoas e depois estabelece a lei. Devemos fazer uma pausa para observar que essa é uma área da religião bíblica qeu ofende os secularistas. Na realidade, até que constatemos a nossa própria estrondosa derrota, essa é a área da religião bíblica que nos ofende a todos. Nós nos irritamos com mandamentos. Eles tiram uma parte do nosso orgulho e restringem o nosso estilo de vida. Achamos que eles são para crianças. Numa estrutura secularizada de pensamento, nós, seres humanos, pensamos em obediência à lei de Deus como algo desagradável e até como se o fato de nos escudarmos sob a vontade de outra pessoa fosse uma covardia." Segundo Friedrich Nietzsche, citado por Plantinga Jr: "Quando alguém se afasta da crença cristã está abrindo mão do direito à moralidade cristã... O Cristianismo é um sistema coerente e bem elaborado de visualizar as coisas. Se alguém retira dele uma ideia fundamental, como a crença em Deus, o sistema se dilacera em pedaços: fica-se com nada remanescente que tenha real importância... A moralidade cristã é um mandamento de origem transcendental... Ela possui verdade somente se Deus é verdade - ela se sustenta ou cai com a crença em Deus." (p 83). A partir disso, em destaque do autor, quando nos afastamos desse engano, logo entendemos "que a lei de Deus é, na realidade, mais uma evidência da sua graça. O que Deus lavrou nas pedras do Sinai foi uma receita para a liberdade real... O pecado aprisiona as pessoas e as faz murchar; a obediência a Deus liberta as pessoas e as ajuda a florescer. Os Dez Mandamentos constituem um guia para uma vida livre e viçosa. Eles dizem: "Faça isso e você prosperará". Ou então dizem: "Não faça isso: isso irá matá-lo". Todos os mandamentos de Deus são a favor da vida." Agora, imagine por um instante como seria a existência no mundo se todas as pessoas em todos os lugares guardassem os Mandamentos: "durante um dia todos falariam a verdade, ajudariam as pessoas carentes, protegeriam do mal os seus vizinhos, honrariam os seus pais, adorariam avidamente a Deus, e assim expressariam amor por Deus e pelo próximo numa grande corrente de alegria." (p 84). Observe que na caminhada existencial do povo de Deus narrada no Antigo Testamento, encontramos grandes experiências de pecado em meio a grandes movimentos da graça de Deus, pois o "povo de Deus demonstra uma ampla gama de obediência e de preguiça, de piedade e traição"; sendo algo narrado nas Escrituras de sabedoria de Salomão e louvores de Davi, na fidelidade do profeta Samuel e resiliência de Jó, enquanto vemos o surgir e desaparecer de reis maus, juízes injustos, profetas mentirosos e sacerdotes enganadores. "O próprio rei Davi - simultaneamente piedoso e corrupto - é uma demonstração do que Deus tem em suas mãos para lidar. Deus ama o seu povo (Davi é um homm "segundo o coração de Deus"), mas Deus odeia o pecado que insiste em aprisionar o seu povo com uma carga que o impede de progredir e o atrai de volta à escravidão (Davi quase arruina Israel com o seu adultério, engano e conspiração para perpretar um assassinato). Deus, por intermédio dos "últimos profetas" (Isaías a Malaquias), adverte quanto ao desastre que está por vir. Quase que desesperadamente os profetas conclamam o povo a se voltar para Deus. No entanto, o povo de Deus tem "um coração obstinado e rebelde" que não está interessado em examinar os fatos. "Ninguém há que se arrependa da sua maldade, dizendo: Que fiz eu? (Jr 8.6). (...) O êxodo, a lei, os profetas, os reis - todos esses fatores, aparentemente, são incapazes de impedir o naufrágio de Israel e de sua missão às nações... O que nos impressiona, mais uma vez, é a persistente graça de Deus. Deus se recusa a deixar que o naufrágio venha a ocorrer. Assim, os profetas advertem sobre o iminente julgamento de Deus e profetizam o exílio do seu povo. Mas também eles visualizam no horizonte a salvação de Deus e eles a desejam com toda a força dos seus corações. Como anteriormente verificamos, os profetas ansiavam por uma era na qual Deus operaria a libertação do seu povo de seus inimigos, como ele havia feito no Egito. Na nova era, o povo responderia alegremente com obediência, os ricos auxiliando os pobres e os fortes levantando os fracos... Obrigações e promessas que fazem parte do pacto, que haviam sido quebradas e esquecidas, serão cumpridas. Resumindo, os profetas ansiavam por shalom." (Plantinga Jr, p 85, 2007). Segundo Goheen e Bartholomew, toda vez que a Igreja primitiva declarava "Jesus é Senhor", os cristãos da época confessavam uma identificação de Jesus de Nazaré com "o Deus da narrativa do Antigo Testamento: Jesus é o Criador e Sustentador do mundo, o Regente da história e o Redentor e Juiz de todas as coisas", pois essa afirmação era dada não somente em contrariedade ao "senhor César" do império romano, mas em concordância com a expressão "kyrios" (senhor) "que foi usada para traduzir o termo hebraico "Yahweh" na tradução grega do Antigo Testamento." Para esses autores, "confessar que Jesus é Senhor é dizer que Jesus, junto do Pai e o Espírito, criou todas as coisas; ele sustenta e mantém todas as coisas, ele governa a história e a dirige rumo ao objetivo dela, ele restaura e renova todas as coisas e, no final, julgará todas as coisas. Se confessarmos apenas "Jesus é meu Salvador pessoal" e negligenciarmos "Jesus é Criador, Regente, Redentor e Juiz", então temos uma cosmovisão atrofiada. Uma cosmovisão bíblica tem a ver com entender corretamente quem é Jesus." O destaque desses autores trata da percepção de que a narrativa bíblica, e portanto a Cosmovisão Cristã apresenta que a realidade presente da existência se move na direção "da restauração da criação", sendo que "Deus está restaurando sua boa criação para que ela volte a estar debaixo de seu governo gracioso." Pois o texto bíblico do Antigo Testamento anuncia que Deus é o agente principal e o ator fundamental da narrativa das Escrituras, sendo necessário observar sua presença tanto no relato da Criação, como igualmente nos relatos dos dramas bíblicos sequências, em concordância aos atos restantes de Deus na história, até estarmos vivenciando a realidade da Redenção. (Goheen e Bartholomew, p 61-63, 2017). Nesse sentido, "os autores bíblicos sustentam que Deus não criou o mundo e então se afastou dele. Esse conceito de um Deus ausente é a ideia perigosa no âmago do deísmo, segundo o qual Deus criou o mundo da mesma maneira com um relojeiro cria um relógio... Uma idéia deísta de Deus vê Deus embutindo "leis naturais" na criação de tal maneira que sua presença e poder não são mais necessários para que a criação continue existindo." No entanto, a afirmação bíblica sobre Deus destaca que Ele está presente e atua em todo o tempo da história, conforme Paulo destaca em sua pregação em Atenas: "Deus criou o mundo todo e tudo o que nele há, dá aos seres humanos vida, fôlego e tudo o mais que possuem; ele dirige e governa a história, e controla todas as nações. Sua atividade é tal que todas as pessoas tem o dever de procurá-lo, buscar sua ajuda e encontrá-lo, pois está perto de todos nós: "Pois nele vivemos, nos movemos e existimos" (Atos 17.28). (Goheen e Bart. p 64, 2017). O teólogo e escritor anglicano John Stott destaca a importância de termos uma Cosmovisão Cristã pra viver e também ao anunciar o Evangelho, exatamente ao citar a mensagem do Apóstolo Paulo no areópago: "O que mais impressiona é a abrangência da mensagem de Paulo. Ele proclamou Deus em sua plenitude, como Criador, Sustentador, Soberano, Pai e Juiz. Tudo isso é parte do Evangelho, ou, no mínimo uma introdução necessária ao evangelho. Muitas pessoas tem rejeitado o evangelho não por entenderem que ele é falso, mas por considerarem sua mensagem trivial. Elas estão à procura de uma visão de mundo integrada, que faça sentido à sua experiência de vida. Paulo nos ensina que não podemos pregar o evangelho de Jesus separado da doutrina de Deus, ou falar da cruz sem falar da criação, ou da salvação sem o juízo, e vice-versa. O mundo atual precisa de um evangelho mais amplo, o evangelho pleno das Escrituras, que Paulo mais tarde, em Éfeso, chamaria de "todo o desígnio de Deus" (20.27). (p 334, 2007). O ENSINO DE JESUS. "Do testemunho de Jesus a respeito de seu Pai, das pessoas em suas necessidades e de seu próprio papel messiânico emergem três temas teológicos. 1. O Reino de Deus. Esse "Reino" é a realidade que veio com Jesus, como cumprimento do plano de Deus para a história, do qual os profetas do Antigo Testamento falaram com frequência. O Reino está presente com Jesus, e seus milagres são sinais desse Reino. O Reino toma conta da vida de uma pessoa, quando ela ou ele se submete, em fé, ao senhorio de Cristo, solene compromisso que traz salvação e vida eterna. O Reino será pregado e crescerá, até que o Filho do Homem - agora reinando no céu - volte para reunir seus eleitos de todos os cantos do mundo. 2. A obra salvífica de Jesus. Jesus morreu (pelos pecadores), chama-os e os traz para si mesmo, perdoa seus pecados e preserva-os seguros até o dia da ressurreição. 3. A ética da família de Deus. A nova vida é dada aos pecadores como um dom da livre graça de Deus e deve expressar-se num novo estilo de vida... os filhos de Deus devem ser como seu Pai e seu Salvador e ser completamente diferentes do mundo." (Bíblia de Genebra, p 1111, 1999). O SERMÃO DO MONTE E A COSMOVISÃO DA REDENÇÃO CRISTÃ DA HISTÓRIA. "Algo distintivo que também encontramos em Mateus é a sua apresentação dos ensinos de Jesus, divididos em cinco discursos principais: ética, discipulado e missão, o reino dos céus, a Igreja, e o fim dos tempos. Essas cinco divisões podem ter sido baseadas nos cinco livros de Moisés em Dt 18.18... Também se nota que as porções narrativas lidam principalmente com a questão da identidade do Rei, enquanto que o material apresentado nos discurso tende a focalizar o povo do Rei." (Bíblia de Genebra, p 1101, 1999). "É o primeiro dos cinco grandes blocos do ensino de Jesus em Mateus. É a afirmação clássica da ética do reino de Deus... Devemos reconhecer que o Sermão é dirigido aos seus discípulos e, através deles, a toda a igreja hoje. O Sermão destina-se tanto a condutas interiores quanto à conduta exterior. Estas legítimas exigências são tão estritas que ninguém consegue obedecê-las completamente e, portanto, somos guiados à graça e à misericórdia de Deus. ("Vós sois o sal da terra... Vós sois a luz do mundo.", Mateus 5.13-14). "O valor primário do sal não estava em seu uso como condimento, mas em sua capacidade de preservar. Os discípulos devem ser obstáculos à expansão no mundo." (Bíblia de Genebra, p 1106, 1999). "Sal e luz são duas das maiores necessidades nos lares (...) Jesus escolheu essas imagens para indicar a influência que ele desejava que seus seguidores exercessem no mundo. O que ele quis dizer?... Primeiro, os cristãos são radicalmente diferentes dos não-cristãos... Segundo, os cristãos devem penetrar na sociedade não-cristã... A luz deve brilhar na escuridão; o sal deve penetrar na carne... Terceiro, os cristãos podem influenciar e mudar a sociedade não-cristã... Não apenas indivíduos podem ser mudados; sociedades também podem ser transformadas. É claro que não podemos tornar a sociedade perfeita, mas podemos melhorá-la... Quarto, os cristãos devem conservar as características cristãs. O sal deve reter sua salinidade; caso contrário, será inútil. A luz deve reter seu brilho; caso contrário, nunca dissipará a escuridão. E quais são nossas características cristãs? O restante do sermão do monte nos diz." (Stott, p 193, 2007). REFERÊNCIAS. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo SP, Editora Cultura Cristã, 1999. Goheen, Michael W e Bartholomew, Craig G. Introdução à Cosmovisão Cristã. São Paulo, Vida Nova, 2016. Plantinga Jr, Cornelius. O Crente no mundo de Deus. trad Francisco Solano Portela Neto, São Paulo: Cultura Cristã, 2007. Ribeiro de Carvalho, Guilherm Vilela. (artigo) Cosmovisão Cristã e Transformação. Viçosa,MG, Edit Ultimato, 2006. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo, Edit Cultura Cristã, 2003. Ruppell Jr, Ivan Santos e Andrade, Marli. O Cristianismo e a Civilização Ocidental. Edit Intersaberes, Curitiba Pr, 2020. Stott, John. A Bíblia Toda o Ano Todo. trad Jorge Camargo. Viçosa, MG: Ultimato, 2007. Van Til, Cornelius. Apologética Cristã. trad de Davi Charles Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. Autor. Prof. Ivan Santos Rüppell Júnior

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