segunda-feira, 8 de agosto de 2022

COSMOVISÃO CALVINISTA. Aula Cosmovisões Comparadas, SPS, 2023

AULA. COSMOVISÕES COMPARADAS. Nessa aula iremos refletir sobre os princípios de cosmovisões diversas desenvolvidas na história, especialmente aquelas que foram estabelecidas nos últimos cinco séculos, no Ocidente. Esse texto contém resumos e também citações longas, para uso exclusivo da disciplina Cosmovisão Reformada no Seminário Presbiteriano do Sul extensão Curitiba. Conforme destaque de Carlos de Souza, a Europa viu o surgimento ao fim do século 19 de um processo de "profunda descriatinização da sociedade. Todas as dimensões da vida social, como as artes, a ciência, a política, a economia e a filosofia se tornaram predominantemente secularizadas, relegando à fé cristã o papel estreito de veículo inspirador de uma devoção subjetiva, desprovida de engajamento com as realidades manifestas da vida. Isso passou a ser aceito por movimentos inteiros, como o pietismo extremo, o liberalismo e existencialismo teológico." Foi nesse período que o teólogo e educador escocês James Orr levantou a voz, "propondo um retorno do cristianismo e um sistema integral de percepção do mundo, vida e pensamento. (...) Nas palavras de Orr: "A oposição que o cristianismo enfrenta não está confinada a doutrinas especiais ou a pontos supostamente em conflito com as ciências naturais... Mas estende-se à forma total de se conceber o mundo, do lugar do homem nele, da maneira de conceber o sistema total das coisas, naturais e morais, das quais nós somos uma parte. Não temos mais uma oposição de detalhes, mas de princípios. Esta circunstância precisa de uma extensão igual na linha de defesa. É a visão cristã das coisas em geral que é atacada, e é apenas pela exposição e vindicação da visão cristã das coisas como um todo que esse ataque poderá ser detido." O pensamento de James Orr fortaleceu na Europa e Ocidente o entendimento do cristianismo como uma cosmovisão válida, vindo inspirar outras lideranças, como foi Abraham Kuyper "e o movimento denominado neocalvinismo holandês. (...) A tradição cristã calvinista, segundo Kuyper, seria a interpretação e a manifestação mais fiéis ao cristianismo bíblico, devendo ser seguida por cristãos em geral como base de uma cosmovisão propriamente cristã." (p 48-51, 2006). Acerca das mudanças conceituais e de paradigma de cosmovisão, surgidas desde o Renascimento até o Iluminismo, entre os séculos 15 e 19, que vieram a debater, criticar e posteriormente afastar o pensamento cristão do entendimento ocidental sobre a cultura e realidade, incluo a seguir, texto de livro próprio, com informações e personalidades acerca de aspectos relevantes ao tema, Cosmovisão: "A denominada “Idade da Razão” acabou realizando uma integração da reflexão científica junto da área da filosofia no século 17, a qual foi liderada pelos filósofos Francis Bacon e Thomas Hobbes, sendo que René Descartes, Blaise Pascal e Gottfried Leibniz a desenvolveram valorando a lógica no objetivo de afirmar que o raciocínio matemático era o método mais confiável para se alcançar o conhecimento da realidade. Ao mesmo tempo, nesse mesmo contexto científico-filosófico, John Locke assumia na Inglaterra a liderança das reflexões do movimento do empirismo, que entendia que o conhecimento somente poderia ser adquirido pelos homens a partir da experiência de seus sentidos. Observe que essa contraposição de ideias entre o racionalismo e o empirismo se desenvolvia mediante uma perspectiva comum de ambos os movimentos, que era a base de suas argumentações: a centralidade do ser humano como o agente responsável por refletir acerca do conhecimento a partir de suas faculdades intelectuais. (...) Segundo Gonzalez, a observação da natureza e as reflexões puramente racionais se integravam na busca e demonstração do que era possível conhecer da realidade, pois a ordem da natureza se ajustava à lógica da razão humana, segundo os princípios do racionalismo. Pois quanto mais a análise de dados externos propiciava uma melhor explicação acerca da natureza, igualmente aumentava a confiança dos intelectuais na expectativa de que somente a razão iria prover o conhecimento mais verdadeiro que se poderia alcançar acerca da realidade da existência. (2011, p 319). Nesse contexto e época, houve um movimento racionalista dentro do Cristianismo, denominado de “deísmo”, que pretendia explicar a religião sem utilizar os limites e as regras das doutrinas dogmáticas da Igreja. Os deístas buscavam esclarecer os princípios universais daquela que viria a ser considerada como uma religião natural e cristã, a qual teria suas bases e princípios oriundos dos instintos interiores dos homens, e não das revelações da bíblia ou de acontecimentos históricos “sagrados”. A religiosidade natural do deísmo apregoava a existência de Deus e a obrigação de adora-lo através de princípios éticos, sendo que haveria tanto uma recompensa para os bons, quanto um castigo para os maus. Enquanto os deístas confrontavam o dogmatismo da igreja e o ceticismo da sociedade, também desenvolviam a ideia de que todos os aspectos de valor do cristianismo deveriam ser exatamente aqueles que coincidissem com os princípios da religião natural, a qual origina dos instintos inatos da humanidade. Portanto, observe que até esse momento da história do desenvolvimento da teoria do conhecimento, a Pessoa do Deus cristão continuava sendo considerada essencial nas proposições dos filósofos e intelectuais, ainda que a autoridade da Igreja e da Bíblia estivessem sendo questionadas. (...) O pensamento de Kant que veio trazer alguns limites para as teorias racionalistas que buscavam dogmatizar de forma absoluta o conhecimento da realidade, argumentava que a mente do homem não carrega consigo “ideias inatas”, mas sim, que existem no interior da mente humana certas estruturas que permitem ao homem organizar as sensações fornecidas pelos sentidos. Sendo que estas sensações acerca da realidade que o homem adquire através da experiência, também chegam até nós de forma bastante confusa, daí a necessidade de que sejam organizadas em nosso interior através de alguns modelos estruturais da mente, como os do tempo e espaço, e da existência e substância. (...) Em relação a Deus e à religião, Kant entendia que as críticas que ele fizera ao racionalismo não implicavam na negação de Deus, no entanto, também afirmava que a razão não tinha condições de reconhecer e afirmar a existência de Deus. Mas, havia um princípio moral universal determinado para o homem que o filósofo refletia exatamente a partir da realidade da Pessoa divina. Segundo ele, existe uma “razão prática” relacionada à vida moral, que determina que os homens pratiquem o ato correto em suas vidas no objetivo de que tal atitude se torne um padrão mundial. Essa razão prática é um conceito relacionado à existência de Deus, já que Deus é o Juiz desta ação moral enquanto ela é vivenciada pela alma humana em suas atitudes. (...) O Iluminismo. “O ceticismo é o primeiro passo em direção à verdade”. (Denis Diderot) O Iluminismo; uma expressão surgida apenas no século 19 que origina do alemão “die Aufklärung” (aclarar) e do francês “les lumières” (as luzes), foi um movimento cultural abrangente da Idade Moderna bastante relacionado a uma determinada época do século 18, entre os anos 1720 até 1780. Seu princípio essencial orientava que a razão deveria ser utilizada de forma livre e progressista pelo homem no objetivo de que a humanidade pudesse superar as concepções de mundo medievais que a tinham estruturado até então, posto que tais valores mantinham a sociedade submissa a paradigmas opressores do passado. Um elemento importante acerca do iluminismo se refere ao fato de que os intelectuais desse movimento se interessavam mais com o modo e a maneira como iriam pensar e desenvolver as suas reflexões, do que com o conteúdo que cada um deles iria abordar em suas análises e textos. (McGrath, 2005, p 125) Nesse contexto, o filósofo francês Denis Diderot publicou no ano de 1751 o primeiro dos dezessete volumes da fundamental obra iluminista, “Enciclopédia”, a qual ele organizou numa divisão feita a partir de três grandes temas: os assuntos históricos; a razão e a filosofia; e, a poesia e a imaginação. Diderot se preocupou em editar esta obra tendo em mente que a mesma iria propor reflexões que não deveriam se submeter aos dogmas religiosos e às limitações dadas por autoridades de Estado, sendo que para atingir seu objetivo ele convocou um grande número de escritores, filósofos e intelectuais para que escrevessem artigos sobre os temas mais diversos. A orientação comum era de que todos eles deveriam utilizar a razão e a lógica a fim de compreender e expor tanto o mundo natural, quanto a realidade da existência humana. Um princípio essencial desses textos é que deveriam se preocupar em estabelecer parâmetros com bases somente racionais para a organização da sociedade, em contraponto aos valores dogmáticos católicos que vinham definindo a estrutura das instituições sociais nos últimos séculos. (Werner, 2017, p 192) (...) Segundo McGrath, o iluminismo se tornou um movimento que buscou questionar os fundamentos e bases intelectuais da religião cristã, vindo a utilizar conceitos e reflexões oriundas do cartesianismo e do deísmo; o que desafiou a Igreja para que viesse apresentar e expor suas doutrinas segundo um sistema absolutamente racional e coerente. Nesse sentido, o pretenso apoio que o Cristianismo havia recebido dos intelectuais da renascença e do movimento do racionalismo, que acreditavam na existência de Deus e de valores religiosos cristãos oriundos de uma religião natural, acabaram criando a oportunidade para que toda e qualquer doutrina cristã que não fosse completamente explicitada nos limites da razão, viesse a ser fortemente criticada e rejeitada pelo padrão analítico iluminista. (2005, p 127)... Observe que, embora a teologia cristã tenha se desenvolvido historicamente através de uma integração entre os conceitos da revelação natural e revelação sobrenatural (bíblia), esta unidade de pensamento era realizada procurando observar os limites e as funções de cada um destes distintos tipos de conhecimento. De um lado havia a revelação natural acerca de Deus que seria encontrada na Criação, e de outro, havia a revelação sobrenatural (Escrituras) mediante a qual Deus iria se fazer religiosamente conhecido perante a humanidade. No entanto, tanto os mandamentos éticos bíblicos, como as situações históricas narradas pelos profetas e apóstolos nas Escrituras, e especialmente o nascimento, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, vieram a se tornar os elementos da doutrina cristã mais analisados e criticados pela nova vertente intelectual racionalista do século 18. (...) O Iluminismo estava se tornando um grande movimento progressista através do qual os intelectuais entendiam que seria possível estabelecer normas gerais de direitos civis para todos os homens. (Werner, 2017, p 194) (...) As posturas e reflexões oriundas do contexto histórico e ambiente intelectual do iluminismo denunciavam uma ordem social bastante injusta na Europa do século 18, vindo a se tornar uma proposição existencial que iria gerar grandes transformações a partir da Revolução Francesa de 1789." (Ruppell Jr e Andrade, 2020). Em seguimento ao nosso tema, vamos destacar a seguinte reflexão sobre o desenvolvimento intelectual dos séculos após a Reforma: "O Ocidente havia perdido sua fé (em Deus) - e encontrou uma nova, na ciência e no ser humano." (Tarnas, Passion of the Western mind, p. 286 apud Goheen, 2016). Conforme Goheen, "as mudanças iniciadas pelas Revoluções Industrial e Francesa transformaram a sociedade no estado moderno, baseado no humanismo confessional... "No mundo moderno, o estado é a principal e mais poderosa força institucional na comunidade internacional e, provavelmente, o mais bem-sucedido promotor institucional do processo de modernização." (Walker, Telling the story, p. 110-1, apud Goheen, 2016). Nesse contexto de transformações da cosmovisão do Ocidente, Goheen assinala um pensamento e reflexão valiosos: "A sociedade que experimentou uma reviravolta como triunfo da modernidade não era propriamente cristã, mas a cristandade medieval - uma mistura de elementos cristãos e pagãos. Tal quals os humanistas, os cristãos estão propensos a rejeitar a hierarquia da Idade Média e o poder excessivo da igreja, mas farão isso por razões diferentes... "Com base em que autoridade devemos, então, moldar aquelas áreas da vida que foram emancipadas? Deve ser de acordo com os ditames da razão ou de acordo com a revelação de Deus? (Goheen e Bartholomew, p 153, 2016). Conceitos e elementos de alguns movimentos contrários e distintos da Cosmovisão Cristã: NATURALISMO. "A principal concorrência para a cosmovisão cristã na parte do mundo normalmente tida como a cristandade é um sistema que muitas vezes se conhece pelo nome de naturalismo. A proposição pedra de toque, ou pressuposição básica, do naturalismo afirma: "Nada existe fora da ordem material, mecânica (isto é, sem propósito) e natural". S. D. Gaede, explica: "A cosmovisão naturalista repousa na crença de que o universo material é a soma total da realidade. Para colocar em termos negativos, o naturalismo sustenta a proposição de que o sobrenatural, em qualquer forma, não existe... A cosmovisão naturalista assume que a matéria ou substância que compõe o universo nunca foi criada, mas sempre existiu. Isso porque um ato de criação pressupõe a existência de alguma realidade fora de, ou maior que, a ordem mundial - incompatível com o princípio de que o universo material é a soma total da realidade... O ser humano, como parte do universo natural, também é resultado da matéria, tempo e acaso. Dentro do contexto da cosmovisão naturalista, os milagres, como tais, não existem; são eventos naturais que ainda tem de ser explicados." C S Lewis apresenta no livro Milagres o modo em que todo cidadão ocidental, que se coloca contrário às crenças cristãs, está em verdade assumindo sua decisão por uma cosmovisão naturalista. "O Naturalista acredita que o Fato definitivo... é um vasto processo que se desenrola por conta própria... Dentro de todo esse sistema, cada acontecimento específico ocorre porque houve outro acontecimento; no final das contas, porque o Acontecimento Completo está ocorrendo... Todos os fatos e acontecimentos estão interligados de tal forma que não podem exercer a mínima independência em relação "ao espetáculo completo".... Por isso nenhum naturalista radical acredita em livre arbítrio... A espontaneidade, a originalidade e a ação "por iniciativa própria" são privilégios reservados ao "espetáculo completo", que ele denomina Natureza." Algumas proposições naturalistas: 1. Só a natureza existe... Para quem pensa em termos de uma cosmovisão naturalista, Deus não existe... 2. A natureza sempre existiu... Como explica Halverson, "O teísmo diz "No princípio, Deus"; o naturalismo diz "No princípio, a matéria." Nunca houve um momento em que a ordem natural não existiu. 3. A natureza é caracterizada pela total uniformidade. A regularidade da natureza impede a ocorrência de qualquer coisa como um milagre... 4. A natureza é um sistema determinista. A crença no livre-arbítrio pressupõe uma teoria da ação humana... Esta crença é incompatível com as pressuposições do naturalismo... 5. A natureza é um sistema materialista. "O naturalismo afirma", escreve Halverson, "que os constituintes primários da realidade são entidades materiais... O que quer que tais coisas como pensamentos, crenças e inferências sejam, elas são ou coisas materiais, ou reduzíveis a, ou explicáveis em termos de coisas materiais, ou são causadas por algo material. 6. A natureza é um sistema autoexplicativo. Toda e qualquer coisa que acontece dentro da ordem natural deve, pelo menos em princípio, ser explicável em termos de outros elementos da ordem natural (...) Deus - a Ordem Natural. "O teísmo cristão... rejeita a alegação naturalista de que nada, inclusive Deus, existe fora da ordem natural. Ele também nega a eternidade da natureza. Deus criou o mundo livremente e ex nihilo." O autor destaca que a visão científica cristã não precisa negar aspectos evidenciados pelo naturalismo acerca da natureza, como sua ordem e padrões regulares, no entanto, entendem que tal ordem foi dada por decisão de Deus na criação. "O teísmo cristão reconhece a mesma ordem de causa e efeito dentro da ordem natural que o naturalista." Porém, o cristão acredita que a ordem natural e também sua continuidade dependem de Deus para acontecer, e ainda, o cristão nega a posição materialista de que a natureza é um "sistema autoexplicativo", posto que a existência do mundo orienta que procuremos sua causa fora dele; pois "as leis que operam dentro da ordem natural devem sua existência à atividade criativa de Deus." (...) "O Naturalismo e a Fé Cristã são inimigos naturais no mundo das ideias. Se um deles é verdadeiro, o outro deve ser falso. (Nash, p 149-164, 2012). DUAS NARRATIVAS DIFERENTES DE PROGRESSO. A LIBERAL E A MARXISTA. Conforme Goheen e Bart., "a fim de manter a fé na narrativa iluminista, apesar das evidências cada vez mais pessimistas da Revolução Industrial, aqueles que criam fielmente no progresso sentiram a necessidade de reunir todos os sinais visíveis da miséria humana em um mito maior. E duas narrativas pós-iluministas que surgem no século 19 procuram fazer exatamente isso, ambas mantendo a fé no progresso por meio da ciência e da tecnologia e interpretando o testemunho contrário como parte daquela narrativa. Essas duas narrativas são o liberalismo e o marxismo... O liberalismo... oferecia um projeto de sociedade baseado na soberania do indivíduo... valoriza a liberdade do indíviduo em questões econômicas; em sua forma política, valoriza os direitos humanos individuais..."; e sobre as dificuldades e ruínas ocasionadas no decorrer do século 19, os liberais entendem que o sofrimento é um preço a pagar pelo progresso (Herbert Spencer), enquanto que John Mill e Thomas Hill voltaram sua atenção para promover alguma consciência social em meio ao processo liberal, "mas ambas as respostas liberais sustentaram a fé no progresso, e ambas explicaram o sofrimento humano como parte da narrativa." Nesse contexto, "Karl Marx apresentou uma narrativa de progresso que explicava o sofrimento... tal como Spencer, ele apresenta uma explicação racional acerca do sofrimento que também se baseia em Darwin. No pensamento político de Marx, a observação de Darwin da conquista via luta no mundo natural é traduzida em termos sociais: a história é impelida pelo conflito de classes. A narrativa de progresso é uma história de sucessivas revoluções de classe que, no final, conduzirão à igualdade e à distribuição justa e equitativa de toda a riqueza criada pelo desenvolvimento econômico. O liberalismo e o marxismo, duas noções opostas de progresso histórico com raízes no humanismo do século 19, haveriam de se apoderar do mundo durante a maior parte do século 20 - um com sede em Washington; outro, em Moscou." (p 154-155, 2016). O PROBLEMA DO MAL. O filósofo Epicuro, cujos seguidores se encontravam no areópago na palestra do Apóstolo Paulo sobre o Deus Criador, Sustentador, Soberano, Pai e Juiz, foi um pensador que levantou as questões sobre a impossibilidade de Deus ser Bom e Todo Poderoso, e de sua Pessoa "conviver" com o Mal; pois segundo ele, ou Deus era Bom e fraco, ou Deus era Poderoso mas não era bom, já que a existência e atuação do mal na criação e existência comprovariam tal posição. Conforme Nash, ao tratar do Problema do Mal como tem sido elaborado nos últimos séculos pelos pensadores humanistas; "o mal faz a balança das probabilidades pesar contra o teísmo; a existência do mal torna a crença teísta improvável ou implausível." Nesse contexto, o pensamento cristão propõe desde que Deus "permite o mal para tornar possível um bem maior, ou para evitar algum mal maior", e também, se referem "ao valor e a importância do livre-arbítrio humano", posto que essa experiência dos homens é uma disposição aprovada por Deus, bem como suas consequências. Há ainda, cristãos que entendem que a humanidade vive "num universo organizado e governado por leis, como uma razão plausível para alguns tipos de mal", compreendendo que há tanto um ambiente ordenado e organizado, quanto uma humanidade com liberdade de ação, sendo uma situação em que uma realidade propicia a experiência da outra; conforme Michael Peterson: "essa mesma água que sustenta e refresca também pode afogar." Também é possível destacar o entendimento de que a experiência do mal faz parte de um processo de aprendizado em que Deus está gerando uma espécie humana virtuosa na história, sendo necessário haver um ambiente de "riscos, perigos e frustrações" para que as pessoas possam evoluir, sendo esse o motivo para Deus nos criar pra viver nessa situação. O pensador cristão reformado Plantinga Jr, faz o seguinte destaque em meio a essas reflexões: "Por que supor que se Deus realmente tem uma boa razão para permitir o mal, o teísta seria o primeiro a saber? Talvez Deus tenha uma boa razão, mas esta razão seja muita complicada para entendermos. Ou talvez ele não a tenha revelado por alguma outra razão. O fato de que o teísta não sabe por que Deus permite o mal é, talvez, um fato interessante sobre o teísta, mas, por si só, mostra pouco ou nada de relevante para a racionalidade em Deus." Em meio a essa intensa reflexão, que traz muitas outras abordagens e pensamentos, Plantinga Jr destaca que, "todos os oponentes do cristianismo histórico, ao que parece, levantam o problema do mal como uma forma de desafiar a crença cristã em Deus", ainda que muitos intelectuais defensores de certos tipos de movimento, como o naturalismo, não tenham qualquer condição racional de fazer esse tipo de argumentação, já que "bem e mal num universo naturalista não podem se referir a qualquer coisa transcendente, qualquer coisa que tenha posição fora da ordem natural das coisas." Da mesma forma, o pensadores contrários ao Cristianismo que defendem a visão panteísta, também chamado de movimento de Nova Era, incluindo religiões orientais, encontram-se no seguinte dilema: "se tudo é um, isto é, parte de um sistema integral, então esse Um ou Deus (ou como quer que se chame isso) acaba estando acima do bem e do mal. (assim), poderíamos nos perguntar como alguém influenciado pelo panteísmo pode consistentemente lançar contra os cristãos o desafio do problema do mal", já que para eles essa questão está distanciada e lançada ao acaso ou ao destino ou para a historia, conforme suas convicções. Portanto, "ao que parece, as únicas pessoas que podem consistentemente enfrentar o problema do mal são pessoas, como os cristãos, que acreditam que o bem e o mal não são nem relativos, nem ilusórios. Certamente parece que muitos defensores de cosmovisões não cristãs são culpados de inconsistências quando falam sobre o mal da forma que haveriam de falar se, de fato, algum problema existisse", conclue nosso autor. (p 137-146, 2012) Do excelente livro Teologia sistemática, histórica e filosófica de Alister McGrath, extraímos agora pensamentos e citações relevantes ao desenvolvimento do pensamento no Ocidente nos últimos cinco séculos, além de reflexões referentes ao Cristianismo e sobre movimentos intelectuais diversos. Sobre o modo como Deus age no mundo, e dessa forma, como se compreende a realidade e o movimento histórico e transcedente da realidade, destacamos posições variadas, como, o Deísmo, em que "Deus age por intermédio da natureza", de forma que a "posição deísta pode ser resumida" no entendimento de que Deus agiu criando o universo "de forma ordenada e racional", num espelho da pessoa divina, sendo que agora, toda ordem e regularidade do mundo está disponível para a compreensão do homem, pois "as leis da natureza foram estabelecidas por Deus; e apenas restava a um ser humano brilhante descobri-las", conforme declaração de Alexander Pope: "A natureza e suas leis escondem-se na noite. E disse Deus, que haja Newton, e tudo se transformou em luz." "O deísmo defendia a ideia de que Deus havia criado o mundo, dotando-o com a capacidade de evoluir e funcionar sem que houvesse a necessidade da contínua presença e interferência de Deus. Essa perspectiva", bastante influente especialmente no século 18, "via o mundo como um relógio, e Deus como um relojoeiro. Deus havia dotado o mundo como um modelo auto-sustentável para que pudesse funcionar sem a necessidade de sua contínua intervenção." E assim, diante da pergunta, "Como Deus agiria no mundo? A resposta para essa pergunta é bastante simples: Deus não age no mundo." Deus criou todo o sistema e o ordenou e o colocou em movimento, criando um mundo "completamente autônomo e auto-suficiente. Não é necessária nenhuma ação da parte de Deus." (...) Ainda sobre o tema de como Deus age no mundo, temos o "Tomismo", em que "Deus age por intermédio de causas secundárias". O entendimento do teólogo da Idade Média percebe que Deus age utilizando "causas primárias e secundárias", enfatizando que Deus não age diretamente, mas através dessas causas. Assim, para que um grande pianista possa realizar um grande concerto, é preciso tanto a causa primária, o pianista, como a causa secundária, um piano afinado: "a capacidade da causa primária para alcançar o efeito desejado depende da causa secundária a ser usada." Tomás de Aquino reflete a partir desse entendimento sobre o problema do mal: "O sofrimento e a dor não devem ser atribuídos à ação direta de Deus, mas sim à fragilidade e à debilidade das causas secundárias por meio das quais Deus opera. Deus, em outras palavras, deve ser visto como a causa primária, e os vários agentes que existem no mundo, como as causas secundárias a ele relacionadas. (...) O autor faz uma reflexão importante, pois destaca que no pensamento de Aristotéles, em que se baseia a compreensão inicial, mas não total, de Aquino, "as causas secundárias são capazes de agir por si próprias. Os elementos naturais são capazes de agir como causas secundárias em virtude de sua própria natureza", sendo importante salientar que teólogos renomados eram contra essa concepção aristotélica, inclusive Aquino, "que alegava ser Deus o "impulso ontológico inicial", a causa principal de toda ação, sem a qual nada poderia existir... Assim, a interpretação teísta das causas secundárias apresenta a ação de Deus no mundo da seguinte forma. Deus age de maneira indireta no mundo, por meio das causas secundárias. Pode-se notar a existência de uma grande cadeia de causalidade, que aponta para Deus como o impulso originário e principal de tudo o que acontece no mundo. Entretanto, ele não age diretamente no mundo, mas por meio de uma cadeia de eventos que Deus inicia e controla." Aquino parece entender que Deus inicia uma cadeia de ações sob sua orientação, e que a partir daí, Deus "delega a ação divina às causas secundárias existentes dentro da ordem natural. Por exemplo, Deus pode mover a vontade do homem de forma que alguém que esteja doente receba assistência"; assim, uma ação que é da vontade divina será realizada de forma indireta, sendo que a mesma será causada por Deus, mediante uma causa secundária. Nessa visão, Deus age e se mantém atuante durante todo o processo, embora surjam reflexões diversas sobre o modo como isto ocorre. Nesse contexto, iremos estudar nas últimas aulas a compreensão de Calvino nas Institutas e citações da Bíblia de Genebra, sobre o Governo de Deus e as causas secundárias etc. (McGrath, p 222, e 336-338, 2006). Segue breve síntese de todo o movimento em que os fundamentos do conhecimento da humanidade no ocidente vieram a ser transformados gravemente, gerando transformações e novidades nas Cosmovisões ocidentais: "A Renascença ou Renascimento foi um movimento de renovação cultural que surgiu no século 14 na Europa, vindo a formar a cosmovisão ocidental da Idade Moderna a partir de elementos clássicos greco-romanos. A maior mudança ocasionada por este movimento foi colocar o ser humano no centro da sociedade, com suas reflexões e aspirações, capacidades e projeções, retirando das mãos da Igreja a condição de definir a maneira como a civilização deveria entender a realidade e organizar o mundo. Foi neste contexto que a Europa viu surgir o humanismo, um movimento de “retorno às fontes”, que buscava entender o modo como os clássicos se expressavam culturalmente. (...) Analisamos a teoria do conhecimento; a Epistemologia, que deseja compreender o modo como a humanidade pode conhecer a realidade, sendo que a Idade moderna foi marcada pelos debates entre dois ramos com pensamentos distintos acerca desta teoria: o racionalismo, de René Descartes, que entendia que o conhecimento pode ser apreendido somente pela razão humana, na perspectiva de Platão; e o empirismo, de John Locke, que acreditava que o conhecimento é oriundo da observação do mundo exterior, com bases em Aristóteles. As proposições racionalistas que entendiam que a lógica compreensão da realidade traria um conhecimento definitivo para a humanidade acerca da existência, foram colocadas em dúvida pelo filósofo Immanuel Kant, que buscou levantar dados acerca da complexidade e dos limites do alcance da teoria do conhecimento. Ao mesmo tempo, enquanto os intelectuais e filósofos da modernidade buscavam explicar racionalmente a existência de Deus, o movimento cultural do Iluminismo, que seria preponderante no século 18 na Europa, iria confrontar radicalmente tanto a autoridade da Igreja, quanto da monarquia; pois desenvolvia um projeto intelectual que buscava superar as concepções de mundo medievais, vindo a formatar os valores do pensamento moderno da humanidade. A publicação da obra “Enciclopédia”, por Denis Diderot, tornou-se um dos marcos do Iluminismo, sendo que a orientação era de que fosse utilizado somente o raciocínio lógico na feitura de seus textos acerca dos temas mais diversos. Essa proposição se tornou uma importante distinção deste movimento em contraponto às reflexões do Renascimento, pois o pensamento iluminista buscou questionar e criticar amplamente as doutrinas da Igreja Cristã; sendo que o Cristianismo buscou responder tais indagações através de formulações mais racionais, através de um movimento que ficou conhecido historicamente como “protestantismo liberal”." (Ruppell Jr e Andrade, 2020) REFERÊNCIAS. Goheen, Michael W e Bartholomew, Craig G. Introdução à Cosmovisão Cristã. São Paulo, Vida Nova, 2016. McGrath, Alister. Teologis sist, hist e filosófica. Sheed Publicações, São Paulo SP, 2005. Nash, Ronald. Cosmovisões em conflito. Brasília, Edit Monergismo, 2012. Leite, Carvalho e Cunha (org). Cosmovisão Cristã e Transformação. Carlos Souza, artigo. Viçosa,MG, Edit Ultimato, 2006. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo, Edit Cultura Cristã, 2003. Ruppell Jr, Ivan Santos e Andrade, Marli. O Cristianismo e a Civilização Ocidental. Edit Intersaberes, Curitiba Pr, 2020.

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