quinta-feira, 11 de agosto de 2022

COSMOVISÃO REFORMADA. Livro. Calvinismo. Fundamentos de Uma Cosmovisão Cristã! SPS extensão Curitiba.

Na obra literária essencial referente à Cosmovisão Reformada e neo calvinismo holandês, CALVINISMO, de Abraham Kuyper; o autor aborda em texto objetivo, visões e valores oriundos de cosmovisões variadas. Desde o Paganismo e Islamismo, até Modernismo e Romanismo, são refletidos princípios fundamentais acerca da realidade de Deus, do homem e da vida. Nesse contexto, o autor vai tratar dos seguintes temas: Nossa relação com Deus; Nosso relacionamento com o homem; e, Nosso relacionamento com o mundo, em um conteúdo que iremos refletir, logo após uma introdução em princípios da Cosmovisão Reformada, conforme Kuyper. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. “No Calvinismo encontra-se a origem e a garantia de nossas liberdades constitucionais.” (Groen Van Prinsterer) (Kuyper, p 85, 2003). Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. Seu livro “Calvinismo” contém as palestras ministradas na Universidade e Seminário de Princeton no ano de 1898, expondo temas teológicos “como um fundamento para uma visão abrangente de vida.” (Kuyper, p 5-6, 2003). Além da citação no início deste tópico, há um outro destaque do autor, no interesse de apresentar o princípio reformado mediante o qual a sociedade dos homens deverá ser organizada: “O fanático pelo Calvinismo era um fanático por liberdade pois, na guerra moral pela liberdade, seu credo era uma parte de seu exército e seu mais fiel aliado na batalha.” (p 86, 2003). COSMOVISÃO REFORMADA, segundo ABRAHAM KUYPER. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. Nessa reflexão, "primeiro devemos perguntar quais são as condições requeridas para sistemas gerais de vida, tais como o Paganismo, o Islamismo, o Romanismo e o Modernismo, e então mostrar que o Calvinismo realmente preenche essas condições." Assim, vamos olhar o entendimento e proposições destes diferentes sistemas acerca das "três relações fundamentais de toda vida humana: a saber, (1) nossa relação com Deus, (2) nossa relação com o homem, (3) nossa relação com o mundo." 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." O Paganismo - Vê Deus na Criatura. Esse sistema de pensamento, "em sua forma mais geral é conhecido pelo fato de supor, assumir e adorar a Deus na criatura", desde o animismo primitivo até o budismo, "o Paganismo não eleva para a concepção da existência independente de Deus, além e acima da criatura... simplesmente por possuir esse ponto de partida significativo foi capaz de produzir uma forma para toda a vida humana própria dele." O Islamismo - Separa Deus da Criatura. A partir de seus fundamentos puros e anti-pagãos, a religiosidade do Alcorão e Maomé "isola Deus da criatura, a fim de evitar toda mistura com a criatura", o que lhe permitiu desenvolver uma visão de mundo própria, com uma contrariedade total ao paganismo. O Catolicismo - Coloca a Igreja Entre Deus e a Criatura. Nesse sistema religioso, "Deus entra em comunhão com a criatura por intermédio de um meio místico, que é a Igreja... como instituição visível, palpável e tangível. Aqui a Igreja se posiciona entre Deus e o mundo" e na forma como consegue se relacionar com o mundo, "o Romanismo criou sua própria forma para a sociedade humana." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". O Paganismo Acentua as Diferenças. Ao pontuar que Deus habita na criatura, o paganismo eleva a condição de heróis e ídolos alguns seres, como se faz na dedicação divina dada a César, enquanto que também se define o que é inferior e mau, como o que ocorre nas castas da Índia e na escravidão no Egito, "colocando com isso um homem sob uma base de sujeição a seu próximo." O Islamismo e o Catolicismo Acentuam as Diferenças. O Islamismo propõe as mulheres como prêmios aos homens no paraíso, enquanto as torna escravas na sociedade, junto com os descrentes, que serão igualmente escravos dos muçulmanos. O Romanismo desenvolve uma hierarquia constante, desde os céus até a terra, desenvolvendo essa distinção e diferença entre anjos, na Igreja e entre os homens, "conduzindo a uma interpretação inteiramente aristocrática da vida como a encarnação do ideal." O Modernismo Procura Eliminar Todas as Diferenças. Esse sistema nega toda diferença, e assim busca produzir o "mulher-homem e homem-mulher", acabando por destruir "a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade. Um tipo deve responder a todos, uma uniformidade, uma posição e um mesmo desenvolvimento de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." Nesse sentido, "o Calvinismo tem modificado a estrutura da sociedade não pela inveja de classes, nem por um apreço indevido pela possessão do rico, mas por uma interpretação mais séria da vida. Por meio de um melhor trabalho e um desenvolvimento superior do caráter das classes média e trabalhadora, ele conduziu ao ciúme a nobreza e os cidadãos mais ricos. Olhar primeiro para Deus e depois para a pessoa do próximo foi o impulso, o pensamento e o costume espiritual ao qual o Calvinismo deu entrada", dando ênfase ao modo em que "uma ideia democrática mais santa tem se desenvolvido e tem continuamente ganho terreno (...) A diferença entre ele (calvinismo) e o sonho selvagem de igualdade da Revolução Francesa é que, enquanto em Paris ocorreu uma ação de comum acordo contra Deus, aqui, todos, rico e pobre, estavam sobre seus joelhos diante de Deus, consumidos com um zelo comum pela glória de seu nome." 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". A Visão de Mundo do Paganismo e Islamismo. "Do Paganismo pode geralmente ser dito que ele coloca uma estimativa muito alta do mundo e, por isso, em alguma extensão, ele tanto permanece com medo dele como perde-se nele. Por outro lado, o Islamismo coloca uma estimativa muito baixa do mundo, zomba dele e triunfa sobre ele ao alcançar o mundo visionário de um paraíso sensual." Sobre outros sistemas, deve-se ressaltar o modo em que uma certa "antítese entre o homem e o mundo tem assumido a forma mais estreita da antítese entre o mundo e os círculos cristãos. As tradições da Idade Média deram origem a isto. Sob a hierarquia de Roma, a Igreja e o Mundo foram colocados em oposição um ao outro, o primeiro como sendo santificado e o outro como estando ainda sob a maldição. (...) Portanto, em um país cristão, toda a vida social deveria estar coberta pelas asas da Igreja." Magistrados e governantes precisavam ser abençoados, artes e o conhecimento científico deveriam estar sujeitos ao domínio eclesial, e a economia e profissões deveriam seguir os rigores dos sindicatos, sendo que igualmente a família tinha sua realidade determinada pela visão da instituição da igreja. "Como resultado natural, o mundo corrompeu a Igreja, e por seu domínio sobre o mundo, a Igreja proveu um obstáculo a todo desenvolvimento livre de sua vida." O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão. Ao contrário, segundo o desígnio divino, a humanidade tem sido gerada na história “a partir do homem”, como bem anotou Aristóteles, algo que veio unir de forma orgânica toda a raça humana numa espécie única e contínua, posto que oriunda das gerações anteriores e provedora das gerações futuras. Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) Abraham Kuyper reconhece, sim, que a proposta de promover esse império mundial integrador de todos os homens numa única nação, logo se torna um ideal valioso para a humanidade; sendo uma proposição que nos seduz por seu valor comunitário e solidário, da mesma forma que a liberalidade social cresce nos corações humanos, devido a seus apelos em favor da liberdade pessoal que almeja. No entanto, segundo destaca o autor, ambas estas proposições se tornaram apenas vãs tentativas de “olhar para trás, para um paraíso perdido.” (p 87, 2003) Desta forma, a nossa realidade pecaminosa indica que o erro mais grave dos Imperadores, não foi tanto a sedução do Império Mundial, mas sim, o fato de almejarem estabelecer esse ideal numa situação existencial impeditiva desta unicidade. “de fato, sem pecado não teria havido magistrado nem ordem de estado; mas a vida política em sua inteireza teria se desenvolvido segundo um modelo patriarcal da vida de família. Nem tribunal, nem polícia, nem exército, nem marinha, são concebíveis num mundo sem pecado; e se fosse para a vida desenvolver a si mesma, normalmente e sem obstáculo de seu próprio impulso orgânico, consequentemente toda regra, ordenança e lei caducaria, bem como todo controle e afirmação do poder do magistrado desapareceria.” (p 87, 2003) Em decorrência desta impossibilidade, o autor vai definir que toda organização estatal e suas autoridades se tornam um “meio mecânico de obter pela força, a ordem” social entre os homens. Sendo algo, portanto, que deverá ser desenvolvido dentro dos limites e ordenanças de Deus, para que alcancem o propósito divino de sustentar um curso ordeiro para a sociedade, posto que existimos num mundo “em pecado". (p 88, 2003) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) Assim, Kuyper destaca o valor maior por detrás do Estado, como sendo uma instituição judicial perante os homens, cuja autoridade necessita originar e basear-se na Soberania de Deus: “na política, o elemento humano – aqui o povo – não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja forçado a ajudar este povo somente na hora da necessidade; mas que Deus, em sua majestade, deve brilhar diante dos olhos de cada nação.” (p 89, 2003) O modo em que Deus deverá brilhar soberanamente sobre o Estado e no uso dessa instituição, para que a vontade do povo e mesmo de algum homem não venha se tornar superior sobre a humanidade, orienta o reconhecimento dos princípios com que Deus tem definido a formatação desta instituição, na terra: “portanto, quando a humanidade desintegra-se por causa do pecado numa multiplicidade de povos separados, quando o pecado separa os homens e os arrasta, e revela-se em todo tipo de vergonha e iniquidade – a glória de Deus exige que estes horrores sejam refreados, que a ordem retorne ao caos, e que uma força compulsória de fora, faça-se valer para tornar a sociedade humana uma possibilidade. Deus tem esse direito e somente ele.” (Kuyper, p 89, 2003) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). Ao tratar da instituição do Estado na existência comunitária do homem, Kuyper expõe a cosmovisão cristã que busca assegurar o valor da liberdade do ser, na seguinte afirmação: “nenhum homem tem o direito de governar sobre outro homem”, pois “como homem eu continuo livre e corajoso, em oposição ao mais poderoso de meus semelhantes. (...) Não falo da família, pois aqui governam laços orgânicos, naturais; mas na esfera do Estado não cedo ou me curvo a qualquer um que é homem como eu sou.” (p 89, 2003) Nosso autor distingui, assim, a importância da hierarquia natural existente nas instituições criadas por Deus desde a eternidade, como a família e todas as outras vivências culturais etc; daquela hierarquia mecânica e antinatural da instituição do Estado; segundo seu pensamento. Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) Ainda neste contexto abrangente, ao tratar da importância das liberdades individuais e da liberdade de consciência do ser humano em sua vivência familiar e cultural, Kuyper faz algumas considerações para distinguir na história, os pressupostos desiguais de alguns importantes movimentos revolucionários. De um lado, coloca movimentos que mantiveram os princípios e propósitos de Deus, quando da organização da instituição do Estado, como o fizeram as Revoluções Americana e Inglesa; e de outro, aponta para aqueles que agiram contrariamente e para subverter a Soberania divina, buscando elevar e estabelecer o domínio do homem sobre o homem, atacando assim a própria liberdade existencial da humanidade, como fizeram a Revolução Francesa e a ideia de Soberania do Estado Alemã, que se originou de um “produto do panteísmo filosófico alemão”, nas palavras desse mesmo autor. (p 95-96, 2003). BREVE DESTAQUE do pensamento calvinista acerca da Ciência e Arte, e Futuro, conforme Abraham Kuyper: "primeiro, o Calvinismo encorajou... o amor pelas ciências; segundo, que ele restaurou para a ciência seu domínio; terceiro, que ele libertou a ciência de laços artificiais; e quarto, de que maneira ele procurou e encontrou uma solução para o inevitável conflito científico." (...) "Quando advogo a importância do Calvinismo no campo da arte, de modo algum sou induzido a fazê-lo por estas vulgarizações da arte, mas ao contrário, mantenho meus olhos fixos sobre o Belo e o Sublime em seu significado eterno, e sobre a arte como um dos mais ricos dons de Deus para a humanidade (...) Portanto, para verem a importância do Calvinismo para a arte de uma plataforma mais alta, sigam-me na investigação destes três pontos: 1) Por que o Calvinismo não permitiu e desenvolveu um estilo de arte próprio dele? 2) O que flui de seu princípio para a natureza da arte? 3) O que de fato ele tem feito para seu progresso.... Alguns motivos: - A Aliança entre Religião e Arte representa uma forma baixa de religiosidade; - A Religiosidade madura se expressa fora dos Limtes da Arte; - Religião e Arte possuem esferas próprias; - Arte é uma poderosa força própria de expressão; - Calvino se opôs ao uso ilegítimo da Arte: "O fato, por exemplo, de que o Calvinismo se dispôs contra toda diversão ímpia com a honra da mulher e estigmatizou toda forma de prazer artístico imoral como uma degradação, encontra-se portanto fora de nosso alcance. Tudo isto denuncia adequadamente o abuso, embora não tenha qualquer peso quanto à questão do uso legítimo... "Quando a Escritura menciona a primeira aparição da arte nas tendas de Jubal, que inventou a harpa e o orgão, Calvino recorda-nos enfaticamente que esta passagem trata dos "excelentes dons do Espírito Santo". Ao declarar que, quanto ao instinto artístico, Deus tinha enriquecido Jubal e sua posteridade com raros dons naturais. E, abertamente, declara que esses poderes inventivos da arte são o mais evidente testemunho do favor divino. Ele declara mais enfaticamente ainda, em seu comentário sobre Êxodo, que "todas as artes vêm de Deus e devem ser consideradas como invenções divinas." (...) O CALVINISMO e o Futuro. "O Calvinismo não se deteve numa ordem eclesiástica, porém expandiu-se em um sistema de vida. E não esgotou sua energia numa construção dogmática, mas criou uma vida e uma cosmovisão tal, que foi e ainda é capaz de ajustar-se às necessidades de cada estágio do desenvolvimento humano, em cada um de seus departamentos." (...) Alguns princípios: "Cristianismo não é só Prática, mas também Doutrina Objetiva... Cristianismo não é só Misticismo (lido como "fervor do coração"), mas Realidade Positiva (lido como "contato com o exterior")... Prática e Mística não Substituem a Verdade da Salvação (...) A Solução no Caminho do Calvinismo: Calvinismo - Biocosmovisão prória; Lógica Consistente: "uma biocosmovisão própria... fundada tão firmemente sobre a base de seu próprio princípio, elaborada com a mesma clareza brilhante numa lógica igualmente consistente", expõe nosso autor, ao destacar a importância do conhecimento científico técnico oriundo da natureza do objeto de estudo e realidade da esfera que se atua. (...) Quatro Pontos de Identificação (e reflexão na atualidade): 1. O Calvinismo não deve mais ser ignorado, mas fortalecido. 2. O Calvinismo deve ser feito um objeto de estudo. 3. O Calvinismo deve ser desenvolvido e aplicado às necessidades. 4. O Calvinismo não deve ser motivo de vergonha nas Igrejas que o professam em suas Confissões." (p 117 a 203, 2003). CONSIDERAÇÕES FINAIS. “Por causa do Senhor, submetam-se a todas as autoridades humanas, seja o rei como autoridade máxima, sejam os oficiais nomeados e enviados por ele para castigar os que fazem o mal e honrar os que fazem o bem.” (1 Pedro 3.13-14). Para o pensamento calvinista reformado, o Estado é uma instituição criada por Deus em razão do pecado da humanidade. Serve para refrear o mal e livrar a sociedade do caos, e neste propósito e interesse, tem poder de justiça para manter a ordem através das leis civis. E como toda Autoridade de Estado foi instituída por Deus para proteger os que praticam o que é correto na sociedade, e para penalizar os desobedientes, compreende-se que as leis civis não deverão desprezar os valores morais dos mandamentos bíblicos; posto que o certo e o errado que Deus deseja regular na sociedade, deve ser coerente ao pensamento bíblico. 2. O ser humano e sua associação familiar e cultural nas mais diversas áreas de ciências e artes, educação e esportes, religião e negócios geram instituições orgânicas; que servem para a humanidade fazer prosperar as capacidades e anseios naturais da vida social que o ser carrega em si. 3. Deus criou as Instituições sociais para orientar a Humanidade através das Autoridades. Todo homem que praticar o bem será protegido e quem fizer o mal será disciplinado; pois a Lei foi dada para ensinar o homem sobre o pecado que arruína a vida hoje, e condena o espírito na eternidade! Não matar e não roubar significa amar o próximo. 4. As Autoridades instituídas por Deus na família e religião, trabalho e comunidade, educação e sociedade devem ser respeitadas e apoiadas nos limites e amplitude de suas áreas. O Estado não é superior à Família, e a Educação não é superior à Religião, e vice versa, pois cada setor da existência tem sua área de ação social definida por seu próprio conteúdo técnico e existencial. 5. A supremacia do Estado sobre o espirito do homem e a consciência do ser não deve ser tolerada pelos cristãos, posto que essa instituição pode vir a afrontar as liberdades civis e individuais; enquanto também poderá atuar para limitar as liberdades de expressão e religiosa dos cidadãos, em contrário ao propósito para que foi instituída por Deus. (o texto base de que utilizamos algum conteúdo na aula, faz parte de um artigo com três tópicos, incluídos o pensamento de Calvino nas "Institutas" e a análise de Henri Strohl acerca do pensamento protestante de Calvino, conforme publicado integralmente na Revista Teológica Fatesul, o qual pode ser acessado no link a seguir: http://fatesul.com/publicacoes/revista-teologica/). REFERÊNCIAS. BÍBLIA, Sagrada, NVT. 1 ed – São Paulo : Mundo Cristão, 2016. _______, de Estudo de Genebra. Editora Cultura Cristã, São Paulo, SP, 1999. KUYPER, Abraham. Calvinismo. Tradução Ricardo Gouveia e Paulo Arantes – São Paulo: Cultura Cristã, 2003. STOTT, John. A Missão Cristã no Mundo Moderno. Traduzido por Meire Portes Santos. – Viçosa, MG : Ultimato, 2010. Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de Teologia e Ciências da Religião. RESUMO TEMÁTICO. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. Seu livro “Calvinismo” contém as palestras ministradas na Universidade e Seminário de Princeton no ano de 1898, expondo temas teológicos “como um fundamento para uma visão abrangente de vida.” (Kuyper, p 5-6, 2003). COSMOVISÃO REFORMADA. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." O Paganismo - Vê Deus na Criatura. Esse sistema de pensamento, "em sua forma mais geral é conhecido pelo fato de supor, assumir e adorar a Deus na criatura", desde o animismo primitivo até o budismo, "o Paganismo não eleva para a concepção da existência independente de Deus, além e acima da criatura... simplesmente por possuir esse ponto de partida significativo foi capaz de produzir uma forma para toda a vida humana própria dele." O Islamismo - Separa Deus da Criatura. A partir de seus fundamentos puros e anti-pagãos, a religiosidade do Alcorão e Maomé "isola Deus da criatura, a fim de evitar toda mistura com a criatura", o que lhe permitiu desenvolver uma visão de mundo própria, com uma contrariedade total ao paganismo. O Catolicismo - Coloca a Igreja Entre Deus e a Criatura. Nesse sistema religioso, "Deus entra em comunhão com a criatura por intermédio de um meio místico, que é a Igreja... como instituição visível, palpável e tangível. Aqui a Igreja se posiciona entre Deus e o mundo" e na forma como consegue se relacionar com o mundo, "o Romanismo criou sua própria forma para a sociedade humana." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". O Paganismo Acentua as Diferenças. Ao pontuar que Deus habita na criatura, o paganismo eleva a condição de heróis e ídolos alguns seres, como se faz na dedicação divina dada a César, enquanto que também se define o que é inferior e mau, como o que ocorre nas castas da Índia e na escravidão no Egito, "colocando com isso um homem sob uma base de sujeição a seu próximo." O Islamismo e o Catolicismo Acentuam as Diferenças. O Islamismo propõe as mulheres como prêmios aos homens no paraíso, enquanto as torna escravas na sociedade, junto com os descrentes, que serão igualmente escravos dos muçulmanos. O Romanismo desenvolve uma hierarquia constante, desde os céus até a terra, desenvolvendo essa distinção e diferença entre anjos, na Igreja e entre os homens, "conduzindo a uma interpretação inteiramente aristocrática da vida como a encarnação do ideal." O Modernismo Procura Eliminar Todas as Diferenças. Esse sistema nega toda diferença, e assim busca produzir o "mulher-homem e homem-mulher", acabando por destruir "a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade. Um tipo deve responder a todos, uma uniformidade, uma posição e um mesmo desenvolvimento de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". A Visão de Mundo do Paganismo e Islamismo. "Do Paganismo pode geralmente ser dito que ele coloca uma estimativa muito alta do mundo e, por isso, em alguma extensão, ele tanto permanece com medo dele como perde-se nele. Por outro lado, o Islamismo coloca uma estimativa muito baixa do mundo, zomba dele e triunfa sobre ele ao alcançar o mundo visionário de um paraíso sensual." Sobre outros sistemas, deve-se ressaltar o modo em que uma certa "antítese entre o homem e o mundo tem assumido a forma mais estreita da antítese entre o mundo e os círculos cristãos. As tradições da Idade Média deram origem a isto. Sob a hierarquia de Roma, a Igreja e o Mundo foram colocados em oposição um ao outro, o primeiro como sendo santificado e o outro como estando ainda sob a maldição. (...) Portanto, em um país cristão, toda a vida social deveria estar coberta pelas asas da Igreja." Magistrados e governantes precisavam ser abençoados, artes e o conhecimento científico deveriam estar sujeitos ao domínio eclesial, e a economia e profissões deveriam seguir os rigores dos sindicatos, sendo que igualmente a família tinha sua realidade determinada pela visão da instituição da igreja. "Como resultado natural, o mundo corrompeu a Igreja, e por seu domínio sobre o mundo, a Igreja proveu um obstáculo a todo desenvolvimento livre de sua vida." O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão. Ao contrário, segundo o desígnio divino, a humanidade tem sido gerada na história “a partir do homem”, como bem anotou Aristóteles, algo que veio unir de forma orgânica toda a raça humana numa espécie única e contínua, posto que oriunda das gerações anteriores e provedora das gerações futuras. Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) Abraham Kuyper reconhece, sim, que a proposta de promover esse império mundial integrador de todos os homens numa única nação, logo se torna um ideal valioso para a humanidade; sendo uma proposição que nos seduz por seu valor comunitário e solidário, da mesma forma que a liberalidade social cresce nos corações humanos, devido a seus apelos em favor da liberdade pessoal que almeja. No entanto, segundo destaca o autor, ambas estas proposições se tornaram apenas vãs tentativas de “olhar para trás, para um paraíso perdido.” (p 87, 2003) Desta forma, a nossa realidade pecaminosa indica que o erro mais grave dos Imperadores, não foi tanto a sedução do Império Mundial, mas sim, o fato de almejarem estabelecer esse ideal numa situação existencial impeditiva desta unicidade. “de fato, sem pecado não teria havido magistrado nem ordem de estado; mas a vida política em sua inteireza teria se desenvolvido segundo um modelo patriarcal da vida de família. Nem tribunal, nem polícia, nem exército, nem marinha, são concebíveis num mundo sem pecado; e se fosse para a vida desenvolver a si mesma, normalmente e sem obstáculo de seu próprio impulso orgânico, consequentemente toda regra, ordenança e lei caducaria, bem como todo controle e afirmação do poder do magistrado desapareceria.” (p 87, 2003) Em decorrência desta impossibilidade, o autor vai definir que toda organização estatal e suas autoridades se tornam um “meio mecânico de obter pela força, a ordem” social entre os homens. Sendo algo, portanto, que deverá ser desenvolvido dentro dos limites e ordenanças de Deus, para que alcancem o propósito divino de sustentar um curso ordeiro para a sociedade, posto que existimos num mundo “em pecado". (p 88, 2003) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) Assim, Kuyper destaca o valor maior por detrás do Estado, como sendo uma instituição judicial perante os homens, cuja autoridade necessita originar e basear-se na Soberania de Deus: “na política, o elemento humano – aqui o povo – não pode ser considerado como a coisa principal, de modo que Deus seja forçado a ajudar este povo somente na hora da necessidade; mas que Deus, em sua majestade, deve brilhar diante dos olhos de cada nação.” (p 89, 2003) O modo em que Deus deverá brilhar soberanamente sobre o Estado e no uso dessa instituição, para que a vontade do povo e mesmo de algum homem não venha se tornar superior sobre a humanidade, orienta o reconhecimento dos princípios com que Deus tem definido a formatação desta instituição, na terra: “portanto, quando a humanidade desintegra-se por causa do pecado numa multiplicidade de povos separados, quando o pecado separa os homens e os arrasta, e revela-se em todo tipo de vergonha e iniquidade – a glória de Deus exige que estes horrores sejam refreados, que a ordem retorne ao caos, e que uma força compulsória de fora, faça-se valer para tornar a sociedade humana uma possibilidade. Deus tem esse direito e somente ele.” (Kuyper, p 89, 2003) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). Ao tratar da instituição do Estado na existência comunitária do homem, Kuyper expõe a cosmovisão cristã que busca assegurar o valor da liberdade do ser, na seguinte afirmação: “nenhum homem tem o direito de governar sobre outro homem”, pois “como homem eu continuo livre e corajoso, em oposição ao mais poderoso de meus semelhantes. (...) Não falo da família, pois aqui governam laços orgânicos, naturais; mas na esfera do Estado não cedo ou me curvo a qualquer um que é homem como eu sou.” (p 89, 2003) Nosso autor distingui, assim, a importância da hierarquia natural existente nas instituições criadas por Deus desde a eternidade, como a família e todas as outras vivências culturais etc; daquela hierarquia mecânica e antinatural da instituição do Estado; segundo seu pensamento. Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) Ainda neste contexto abrangente, ao tratar da importância das liberdades individuais e da liberdade de consciência do ser humano em sua vivência familiar e cultural, Kuyper faz algumas considerações para distinguir na história, os pressupostos desiguais de alguns importantes movimentos revolucionários. De um lado, coloca movimentos que mantiveram os princípios e propósitos de Deus, quando da organização da instituição do Estado, como o fizeram as Revoluções Americana e Inglesa; e de outro, aponta para aqueles que agiram contrariamente e para subverter a Soberania divina, buscando elevar e estabelecer o domínio do homem sobre o homem, atacando assim a própria liberdade existencial da humanidade, como fizeram a Revolução Francesa e a ideia de Soberania do Estado Alemã, que se originou de um “produto do panteísmo filosófico alemão”, nas palavras desse mesmo autor. (p 95-96, 2003). FIM DO RESUMO. TÓPICOS DO RESUMO. INTRODUÇÃO ao Pensamento Reformado de Abraham Kuyper. Abraham Kuyper (1837-1920) “foi um teólogo e filósofo calvinista holandês que se envolveu intensamente nas áreas acadêmicas e políticas de seu país", vindo a atuar no Parlamento durante trinta anos, se tornando Primeiro Ministro da Holanda entre os anos de 1901 até 1905. COSMOVISÃO REFORMADA. ANÁLISE E DISTINÇÃO DIANTE DE OUTRAS COSMOVISÕES. Temas: 1. Nossa relação com Deus; 2. Nosso relacionamento com o homem; 3. Nosso relacionamento com o mundo. Segundo o autor, é preciso argumentar de forma válida no objetivo de apresentar o "calvinismo" como "um sistema de vida abrangente", com bases no passado pra nos dar segurança na atualidade e confiança futura. (...) 1. A Primeira Condição - Nossa Relação com Deus. Entender o que um sistema de vida propõe acerca das bases e fundamentos da nossa existência será sempre a primeira reflexão, pois "esse ponto encontra-se na antítese entre tudo que é finito em nossa vida humana e o infinito que encontra-se além dela." No Calvinismo - Deus se Comunica com a Criatura. O Calvinismo "não procura Deus na criação, como o Paganismo; não isola Deus da criatura, como o Islamismo; não postula comunhão intermediária entre Deus e a criatura, como faz o Romanismo. Ele proclama o pensamento glorioso que, embora permanecendo em alta majestade acima da criatura, Deus entra em comunhão imediata com a criatura, como Deus o Espírito Santo... Portanto, a oposição contra Roma pretendia com o Calvinismo... rejeitar uma Igreja que colocou a si mesma entre a alma e Deus... Os próprios crentes eram a Igreja porque pela fé permaneciam em contato com o Poderoso." O autor faz um destaque, primeiro fazendo uma distinção entre Protestantismo e Calvinismo, ao entender a igualdade de busca e valores dessa relação própria com Deus para ambos os movimentos, ao mesmo tempo em que enfatiza que foi Calvino aquele que, "teve o discernimento mais claro do princípio reformador, quem trabalhou mais plenamente e o aplicou mais amplamente." (...) 2. A Segunda Condição. Nosso Relacionamento com o Homem. Conforme Kuyper, "como nos posicionamos com Deus é a primeira, e como nos posicionamos com o homem é a segunda questão principal que decide a tendência e a construção de nossa vida." Nesse sentido, a diversidade encontrada na humanidade, seja nas diferenças entre homem e mulher, e nas aptidões e capacidades fisica e espiritualmente nos seres humanos, iremos notar que tais "diferenças são, de um modo especial, enfraquecidas ou acentuadas em cada sistema de vida...". A Interpretação Peculiar do Calvinismo. "Do mesmo modo o Calvinismo tem derivado de sua relação fundamental com Deus uma interpretação peculiar do homem com o homem... Se o Calvinismo coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos", homens e mulheres de todas as condições sociais e aptidões, e força e raça, "não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e consequentemente iguais como seres humanos. Por isso, não podemos reconhecer qualquer distinção entre os homens...". Nesse contexto, o Calvinismo procura condenar toda escravidão dos homens e qualquer sistema de castas e diferença social, além da escravidão comunitária da mulher e do pobre; sendo que, "assim o Calvinismo foi obrigado a encontrar sua expressão na interpretação democrática da vida; a proclamar a liberdade das naçõees; e a não descansar até que, tanto política como socialmente, cada homem, simplesmente porque é homem, seja reconhecido, respeitado e tratado como uma criatura à semelhança de Deus." (...) 3. A Terceira Condição. Nosso Relacionamento com o Mundo. A terceira relação fundamental a ser percebida nos diferentes sistemas de vida ao mundo é exatamente: "sua atitude com o mundo". O Calvinismo Reconhece Deus no Mundo. "Surgindo num estado social dualista, o Calvinismo tem realizado mudança completa no mundo dos pensamentos e concepções." Diante de Deus em primeiro lugar, o calvinismo respeita o homem criado à imagem e semelhança de Deus, e define o mundo a partir de uma realidade criada por Deus. O Calvinismo destaca os atos favoráveis de Deus na história sobre a vida, entendendo que Deus derrama sua Graça Especial no propósito de salvação pelo Evangelho, enquanto derrama continuamente sua Graça Comum para manter a vida, regular a maldição sobre o mundo e assim limitar seu estado de corrupção, "e assim permite o desenvolvimento de nossa vida sem obstáculos, na qual glorifica-se a Deus como Criador." Neste sentido, o Calvinismo busca purificar a Igreja como a congregação dos crentes, enquanto orienta uma visão cosmológica em que o mundo deve ser liberto da instituição, mas mantido debaixo dos cuidados e vontade de Deus. "Assim, a vida doméstica recobrou sua independência, os negócios e o comércio atualizaram suas forças em liberdade, a arte e a ciência foram libertas de todo vínculo eclesiástico e restauradas à sua própria inspiração, e o homem começou a entender a sujeição de toda natureza, com suas forças e tesouros ocultos, a ele mesmo como um santo dever, imposto sobre ela pela ordenança original do Paraíso: "Tenha domínio sobre eles"... Em vez de vôo monástico para fora do mundo é agorar enfatizado o dever de servir a Deus no mundo, em cada posição da vida. (...) O Calvinismo apresenta-se como um auxílio audacioso, especialmente em sua antítese ao Anabatismo. Pois o Anabatismo adotou o método oposto e, em seu esforço de evitar o mundo, confirmou o ponto de partida monástico, generalizando e fazendo-o uma regra para todos os crentes.". Dessa forma, debaixo da orientação Anabatista, protestantes de regiões da Europa Ocidental vieram a abraçar o "acomismo" (crença que nega o universo como tendo uma existência distinta de Deus), vindo a assumir princípios romanistas da relação do homem com o mundo, ainda que com definições peculiares. RESUMO DOS TRÊS PRIMEIROS RELACIONAMENTOS. "Para nossa relação com Deus: uma comunhão imediata do homem com o Eterno, independentemente do sacerdote ou igreja. Para a relação do homem com o homem: o reconhecimento do valor humano em cada pessoa, que é seu em virtude de sua criação conforme a semelhança de Deus... E para nossa relação com o mundo: o reconhecimento que no mundo inteiro a maldição é restringida pela graça, que a vida do mundo deve ser honrada em sua independência, e que devemos, em cada campo, descobrir os tesouros e desenvolver as potências ocultas por Deus na natureza e na vida humana." (Kuyper, p 28-40, 2003). FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO REFORMADA. Princípios. Kuyper direciona agora, sua reflexão da religião para a instituição pública e sociedade a partir de sua terceira palestra, fazendo uma “transição do círculo sagrado para o campo secular da vida humana”. Ele vai propor valores existenciais ao homem em sua vida na sociedade e perante toda cultura, a partir de um princípio cosmológico oriundo da Soberania do Deus Trinitário sobre o Universo, que deve existir em qualquer dimensão e acima de toda autoridade, sendo uma soberania primordial que se derrama sobre a humanidade através de três elementos: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; 3. A Soberania na Igreja. Vamos discorrer sobre aspectos gerais da cosmovisão reformada de Kuyper, anotando inicialmente alguns elementos da relação diante do Estado e Sociedade, pois o organismo social e político do Estado tem se tornado no decorrer do modernismo, numa instituição cada vez mais ampla e dominante sobre a existência e realidade, de forma que o entendimento da relação do Cristão diante dessa esfera se faz importante e necessária a um envolvimento cidadão e missionário dos discípulos de Jesus, na sociedade do século 21. (...) Kuyper anota que o impulso que orienta a humanidade a formatar a instituição do Estado decorre da própria natureza social do homem, posto que Deus não criou os homens como indivíduos separados e sem conexão genealógica, como fizera no princípio com Adão... Portanto, o Estado se qualifica como sendo a instituição da ordem social da humanidade, em conformidade à esta base integrativa que formaliza a origem e a continuidade de nossa espécie na terra. (p 86, 2003) No entanto, Kuyper sublinha, num pensamento bastante particular, que o “Estado” não é uma instituição natural, posto que sua existência decorre da entrada do pecado no mundo, e segundo esta realidade é que irá atuar na sociedade, no objetivo delimitado de amparar a comunidade dos homens. Assim, um elemento central da reflexão calvinista kuyperiana acerca da instituição do Estado e da organização comunitária dos homens, deseja destacar o modo em que a realidade do pecado no mundo e suas consequências irão impedir qualquer integração comunitária “natural” da humanidade. Ele observa que o desconhecimento desta realidade, tem sido o princípio gerador do engano que cometem todos os imperadores e sistemas políticos que desejam edificar uma sociedade “única” na terra, sejam eles os Alexandres, Augustos e Napoleões, ou ainda, os que almejam uma união ideal conforme propõe a social democracia internacional. (p 87, 2003) (...) Nesse contexto, ao propor e desenvolver os princípios calvinistas do modo em que a Soberania de Deus deve orientar a soberania do Estado perante os homens, Kuyper destaca que, “assim, originou-se a batalha dos séculos entre Autoridade e Liberdade, e nesta batalha estava a própria sede inata pela liberdade, a qual revelou-se o meio ordenado por Deus para refrear a autoridade onde quer que ela tenha se degenerado em despotismo.” (p 88, 2003) Portanto, a cosmovisão reformada que orienta o direito da população de resguardar a liberdade civil do homem na sociedade, tem seu fundamento teológico-social na realidade existencial da criação, conforme anotado pelo calvinismo, posto “que Deus instituiu os magistrados por causa do pecado”; sendo esta, uma realidade que requer estar debaixo da soberania divina a fim de que a humanidade seja abençoada. Ao visualizar o estabelecimento da sociedade segundo a realidade do pecado, o Calvinismo busca orientar a instituição do Estado conforme tem sido conduzida por Deus na história, seja como um elemento necessário de preservação da sociedade através de atos de justiça, seja como um instituto que deverá ser vigiado, posto que carrega consigo o impulso de atuar contra a liberdade pessoal dos homens. (Kuyper, p 88, 2003) (...) À luz dos atos soberanos de Deus na organização da sociedade, nosso autor indica que devemos valorar o Estado e a autoridade do governante, ressaltando para que estes se mantenham debaixo dos propósitos divinos. Portanto, deve-se afirmar a impossibilidade de que um homem reine sobre outro, como atuava o Faraó diante dos camponeses no rio Nilo, por exemplo. Isto significa que os homens jamais devem submeter-se uns aos outros através do constrangimento de seus direitos, e a partir da formulação de um contrato qualquer entre eles, afinal, “qual a força obrigatória para nós na alegação de que épocas antes homens fizeram um “contrato social” com outros homens?” (Kuyper, p 89, 2003). (...) Nessa perspectiva, entende-se que enquanto a realidade do pecado provoca a corrupção das obras de Deus, sejam os seus planos e justiça, sejam a sua honra e propósitos, eis que o governante é dado por Deus exatamente para atuar nesse contexto pecaminoso, como um “instrumento da “graça comum”, para frustrar toda desordem e violência e para proteger o bem contra o mal.” Eis a razão da afirmação calvinista de que “todos os poderes que existem... governam “pela graça de Deus”, gerando uma realidade comunitária em que os cidadãos irão assumir e praticar a obediência devida a cada um deles, conforme as ordenanças e controles dados por Deus, seja pelo medo da punição de seus atos maus, seja por “causa da consciência”, como um ato de temor a Deus. Pois Deus concede aos governantes o poder de justiça para atuarem nesta seara, posto que lhes oferece o direito da vida e morte, como instrumentos divinos para regular a justiça contra os males do pecado no mundo. (Kuyper, p 90, 2003) (...) Ao concluir essa exposição do entendimento de Abraham Kuyper do pensamento calvinista acerca do Estado e Sociedade, anoto duas citações para nos situar num contexto mais amplo, segundo as reflexões do autor: “Num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não devem sua existência ao Estado, e que não derivam a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem uma alta autoridade dentro de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado. (...) Neste caráter independente está necessariamente envolvida uma autoridade superior especial, a que intencionalmente chamamos de soberania nas esferas sociais individuais... e que o Estado não pode intrometer-se aqui e nada tem a ordenar em seu campo. Como vocês imediatamente percebem, esta é a questão profundamente interessante de nossas liberdades civis.” (Kuyper, p 98, 2003) FIM DO RESUMO TÓPICO.

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