quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

COSMOVISÃO REFORMADA. Neocalvinismo Holandês. Ética Sociopolítica e Econômica

Este texto traz uma Resenha/Resumo com objetivos didáticos, do artigo, "Nicholas Wolterstorff e a Ética Social do Calvinismo Holandês", de Luiz Roberto França de Mattos, do livro: Cosmovisão Cristã e Transformação, Guilherme Vieira Ribeiro de Carvalho (org) - Viçosa, MG : Ultimato, 2006. Luiz Roberto lecionou como Professor e também atuou como Diretor do Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper, além de ter assumido como Ministro da Igreja Presbiteriana de Praia Grande, sendo ainda, Engenheiro Civil, Mestre em Teologia Sistemática pelo CPAJ e Doutor em Filosofia pelo Calvin Theological Seminary, Michigan (Grand Rapids), EUA. Faleceu no ano de 2004. O propósito da publicação do livro, "Cosmovisão Cristã e Transformação" surge pela necessidade de que toda atitude junto das sociedades modernas requer um conhecimento devido acerca da área em que se busca desenvolver algum projeto. A ciência e conhecimento que este livro deseja apresentar para que os cristãos possam se mover nas áreas da educação e política, ação social e economia, se insere no tema da "transformação integral", a partir "de uma tradição intelectual específica, chamada de "filosofia de cosmovisão cristã." (contracapa, 2006). Segundo nosso autor, Luiz Roberto, "o objetivo primário... é introduzir o pensamento da escola calvinista holandesa como base na qual Nicholas Wolterstorff desenvolve sua ética social." Wolterstorff foi bacharel em Artes Liberais e Phd em Filosofia, vindo a assumir como Professor de Teologia Filosófica, durante 30 anos no Calvin College. Sobre o termo "calvinismo holandês", o destaque do autor esclarece sua associação com a expressão "neo-calvinismo", sendo um movimento de retorno ao pensamento da tradição calvinista, que houve na Holanda em meados do século 19, na liderança de Abraham Kuyper e Herman Bavinck, tendo por sucessores no decorrer do século 20, Herman Dooyeweerd e ainda, Nicholas Wolterstorff. São muitos os temas refletidos e publicados por Wolterstorff, desde Teologia até Estética, e Educação, com destaque especial relacionado nesta resenha, para os textos socio-políticos, além das leituras das Cartas de Kuyper, proferidas na Universidade de Amsterdâ, em 1981. No destaque do autor, "a ética social de Wolterstorff será avaliada... com base... (nas) esferas sociocultural, econômica e religiosa", o que irá auxiliar no entendimento de sua visão da socidade moderna e igualmente, suas proposições para a mesma. O primeiro tópico do artigo traz um tema central do pensamento calvinista acerca das sociedades; "Sociedades Humanas: Sociedades Decaídas e Necessitadas de Reforma." Neste sentido, o princípio base da observação da realidade social humana requer o entendimento de que as mesmas "estão alienadas de Deus", gerando um desenvolvimento oriundo da vontade dos homens, o qual gera uma sociedade "decaída, necessitada de reforma; sendo este, um pensamento "consistente com a tradição calvinista e puritana". (p. 220). Acerca desse entendimento, Wolterstorff anota alguns aspectos referentes à sociedade do século 20, em que se destacam as "tristezas da injustiça", devido tanto à disparidade entre os mais ricos e os mais pobres, como à opressão dos povos debaixo da tirania política. Ainda, os denominados "valores deturpados" são anotados pelo autor, devido ao gasto cada vez maior dedicado ao armamento pelas nações para afligir seres humanos; e especialmente, das "tristezas de consequências não desejadas"; em que se inclui "a destruição de tradições, a perda do senso de raízes, de suporte e de pertencer (a uma comunidade)", o cansaço de atividades laborais sem satisfação, e "a eliminação de nosso ser interior como consequência da ampla racionalização de nossa vida." (p. 221). O Modelo Econômico para as nações, que tem sido orientado pela modernidade é criticado por Wolterstorff, que entende que os dois princípios deste não são inteiramente verdadeiros e válidos. Quais sejam, de que todas as sociedades tem as condições de alcançar progresso sem que isto ocorra em meio a mudanças naquelas que já alcançaram; e, de que a falta de desenvolvimento numa certa realidade são oriundas tão somente de situações específicas daquela sociedade. Assim, essa chamada "teoria da modernização" é refletida de modo negativo pelo pensador holandês, posto que "a falta de desenvolvimento entre os (países) não desenvolvidos não pode ser explicada sem levar em conta o impacto das áreas altamente desenvolvidas sobre as não desenvolvidas." (p. 222). Wolterstorff entende como razoável, que deveria existir "uma economia integrada unificando nações distintas", vindo a criticar o modelo em que o terceiro mundo tem sido usurpado em favor do progresso do primeiro mundo. Neste sentido, o mundo como um todo observa uma distribuição de valores e capitais, que se caracteriza pela supremacia das áreas centrais diante das periféricas, nas quais acontece uma "preponderância econômica no sistema global, como consequência da concentração de riqueza." (p. 222). Ao refletir o tema do modelo econômico das nações e sociedades, Wolterstorff observa um pensamento utilizado pela teologia da libertação, mas entende que a visão calvinista da economia irá "prover uma explicação superior quanto à relação entre a humanidade e a criação." (p. 223). Enquanto a teologia da libertação entende a "criação" num propósito somente de salvação, o calvinismo entende que o bom governo da criação é um "chamado da humanidade", sendo essa uma vocação: "Dooyeweerd, nota Wolterstorff com aparente simpatia, não vê nenhum conflito no processo de dominar a natureza. Na verdade, diz ele, "domínio é bom; somente seu abuso é ruim" (...) "Um processo apropriado de domínio (...) estimulará um florescimento da cultura em esferas tais como ciência, arte, Igreja, indústria, comércio, escola e organizações voluntárias." (p. 223). Essa visão nasce da compreensão calvinista sobre as instituições que formatam a vivência social dos homens. Como a família, escola, Estado e empreendimento produtivo, que carregam todo um potencial disponível na criação e dado por Deus, sendo algo que deve ser desenvolvido pela humanidade. Wolterstorff cita os três valores destacados por Dooyeweerd nessa relação de desenvolvimento social, os quais tem sido um conteúdo do neocalvinismo, oriundo do pensamento reformado. Primeiro, cada uma destas esferas da vida deve entender bem a sua natureza e realidade; segundo, instituições de esferas distintas não podem agir com domínio nas áreas das outras, posto que sua ação irá corromper e distorcer aquela área; e, terceiro, cabe ao seres humanos perceber e trazer à realidade os "potenciais da criação inerentes a cada esfera." (p. 224). Wolterstorff elabora uma crítica ao modelo de desenvolvimento ocidental, posto que este subordina todas as áreas e esferas da vida no objetivo de que haja maior produção de bens e daquilo que se busca adquirir na economia: "O problema fundamental no Ocidente é que "nós aceitamos crescimento econômico e avanço tecnológico como o bem social maior." (p. 224). Desta forma, observa-se que a área da economia atua com superioridade e domínio sobre as outras esferas, o que faz com que essa área econômica não siga regras devidas, e nem se permita ser orientada por valores de outras esferas da vida. Wolterstorff cita Goudzwaard, entendendo que, "o incessante esforço capitalista por crescimento econômico (é) como um tipo de idolatria contemporânea." (p. 225). Ele destaca que, "duas dinâmicas básicas resumem... a análise neocalvinista da sociedade: a dinâmica de diferenciação - a revelação dos potenciais da criação - formulada por Dooyeweerd, e a dinâmica da fé/idolatria, formulada por Goudzwaard." (p. 225). Neste contexto, Wolterstorff busca extrair pensamentos tanto da teologia da libertação, como do neocalvinismo para formular uma proposta de modelo econômico virtuosa às nações. Vindo a respeitar a "teoria da dependência", que afirma que o terceiro mundo está debaixo das determinações econômicas do primeiro mundo, porém, buscando valorar outros conteúdos na elaboração de seu entendimento da realidade e proposições para a sociedade. Ele afirma que a crítica de teólogos da libertação de que a verdade de um Deus transcendente afasta os religiosos da realidade social, não se sustenta, posto que "Deus está (...) profundamente envolvido com sua criação. Na verdade (...), ele acrescenta que Deus está "profundamente perturbado por nossa condição humana". (p. 227). Para Wolterstorff, os cristãos calvinistas "tem um papel fundamental na reforma da ordem social", sendo que esse papel tem base nas tradições puritanas e calvinistas, posto que todo conhecimento acerca de Deus, para Calvino, orienta uma "resposta apropriada às suas obras." (...) "Esta resposta, brotando da gratidão, deve ser exercitada por todas as ocupações na sociedade", já que todas elas tem valor essencial no desenvolvimento das sociedades. (p. 227). A partir disso, o Shalom e paz social que agrada a Deus, pode vir a ocorrer a partir de três aspectos: acerca do modelo sócio-politico-cultural, cada ser humano dedicado a uma devida ocupação social deverá desenvolver sua atividade tendo por objetivo a glória de Deus, visando ao bem comum. Sendo que cada nação poderá ser flexível na escolha de seu modelo econômico e social, desde que este "permita o desenvolvimento dos potenciais da criação": "qualquer sistema sociopolítico que permita o florescimento da cultura em áreas como as esferas de poder da ciência, arte, Estado, indústria, comércio, escola e organizações voluntárias, para usar alguns dos exemplos mencionados por Dooyeweerd, deve ser considerado aceitável." (p. 230). O Modelo Econômico oriundo da tradição neocalvinista respeita tanto a realidade de que o homem deve dominar a criação, como também, que a sua utilização deverá ocorrer segundo e para o bom desenvolvimento de seus potenciais. De modo que as atividades e profissões ligadas à indústria e comércio deverão ser praticadas perante a face de Deus, havendo o devido cuidado para que a esfera econômica não venha a dominar sobre as outras esferas da vida. A área da economia deve estar "genuinamente aberta para as normas de outras esferas", em que deve haver liberdade de desenvolvimento e busca de regulamentação das atividades. "A visão de Wolterstorff é de uma sociedade cujas instituições servem à causa da justiça e do shalom. Trata-se de uma visão social caracterizada por relações harmônicas com outros seres humanos, e com a natureza, bem como uma forte preocupação com o pobre." (p. 231). Desta forma, surge a crítica tanto de um sistema político que determina igualdade retirando de ricos para dar aos pobres, como igualmente, críticas para um sistema que libera grandemente a atuação econômica sobre a sociedade. Neste contexto, "arranjos socioeconômicos deveriam necessariamente assegurar que outros seres humanos sejam "adequadamente sustentados em sua existência." (...) "De qualquer modo, o regime socioeconômico adotado deve garantir que o povo seja protegido da perda de seu sustento, evitando, simultaneamente, a construção de estruturas opressivas." (p. 232-233). Acerca do modelo religioso, a visão neocalvinista propõe o equilíbrio das atividades, em respeito às realidades: "O modo cristão de ser-no-mundo é a resposta apropriada, uma resposta que incorpora tanto gratidão a Deus quanto o cuidado responsável pela criação divina. Uma vida de gratidão, expressa pela alternância rítmica de trabalho e adoração encontra-se no âmago do modelo religioso proposto por Wolterstorff para uma sociedade que persegue shalom." (p. 233). Conclusão. Wolterstorff reflete um pensamento diferenciado da "teoria da dependência" (sobre o abuso econômico do primeiro mundo definir as sociedades do terceiro mundo), posto que, amplia o entendimento da realidade da sociedade a partir "da adoção de uma perspectiva neocalvinista da relação entre seres humanos e a criação"; pois a humanidade deve dominar a criação no desenvolvimento de ambos os potenciais, seja da natureza, seja do ser. (p. 234). "Esta atividade é propriamente traduzida por mordomia, que torna claro que seres humanos são chamados a governar sobre a criação, embora conscientes de que tal criação não pertence a eles, mas a Deus. Este governo envolve todas as áreas da vida nas quais os seres humanos devem expressar sua gratidão, por meio de suas vocações terrenas, com o objetivo último de dar glória a Deus." (p. 234). "A ênfase neocalvinista no florescimento de diferentes esferas de poder, cada qual com seu conjunto de normas e com autonomia em relação às demais", busca desenvolver a necessária liberdade na economia e tecnologia, mercado e propriedades, junto de uma capacidade de regulamentação destas atividades. Sendo que, "a visão de Wolterstorff acerca de nações se esforçando cooperativamente por shalom é um desafio e um chamado à responsabilidade". O que gera a necessidade de apresentar uma proposição de como a "ética socioeconômica neocalvinista" poderia se tornar um projeto viável, diante da realidade dos temas sociais contemporâneos, a fim de que o shalom social surja em nossas sociedades. (p. 235). Este artigo é indicado para obter conhecimento objetivo e fundamentado nos temas econômicos e sociais a partir da renovação dada ao pensamento do calvinismo, conforme realizada por teólogos e pensadores holandeses, que se fez conhecer na teologia, pelo termo neocalvinismo. Apresenta nomes importantes e conteúdos desse movimento que na segunda parte do sec. 19 e início do séc.20 buscou também, avaliar o modernismo a partir de um contraponto diante do pensamento calvinista. Bem como, relacionar princípios reformados puritanos no interesse de propor alternativas éticas na organização social e econômica das sociedades modernas, sendo ainda, um texto valioso de introdução ao pensamento calvinista, conforme este veio a ser refletido pelo denominado Calvinismo Holandês. Autor. Ivan S Rüppell Jr é Professor de Teologia e Ciências da Religião, no SPS extensão Curitiba e Uninter.

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