segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

COSMOVISÃO REFORMADA. Texto 2. Conclusão. A experiência holandesa. ABRAHAM KUYPER.

Abraham Kuyper foi um pensador reformado que atuou na Holanda nos séculos 19 e 20 como teólogo e político, vindo a desenvolver reflexões calvinistas que vieram a compor um conhecimento contemporâneo denominado de "neocalvinismo", além de ter sido Primeiro Ministro de seu país no início do século 20, de 1901 até 1905. Acerca de nosso tema, Cosmovisão Reformada, iremos apresentar um resumo e citações do artigo, Abraham Kuyper: Um Modelo de Transformação Social, escrito por Nilson Moutinho dos Santos, do livro: Cosmovisão Cristã e Transformação, 2006. Damos continuidade com a conclusão do resumo, neste texto 2. ABRAHAM KUYPER: UM MODELO DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL. Apresentamos nesse segundo texto, alguns tópicos do pensamento de Kuyper acerca de uma Cosmovisão Reformada. O primeiro item trata da relação do Cristianismo diante do Estado na sociedade. Kuyper desenvolve três princípios sobre a Soberania de Deus, para que possamos entender o modo como os cristãos devem atuar e se relacionar diante das autoridades de governo. "Existe um princípio dominante no calvinismo, do qual nascem as suas convicções políticas. Trata-se da soberania primordial que se irradia numa tríplice supremacia, a saber: a soberania do Estado; a soberania da sociedade; e a soberania da igreja." (p. 99-100). Segundo Kuyper, toda a humanidade é somente uma raça e um sangue, e por isso, toda a existência humana deveria ocorrer "segundo um modelo patriarcal de vida familiar." No entanto, devido ao pecado e suas corrupções estarem no homem e no mundo, surgiu a necessidade do magistrado e da polícia, das forças armadas etc; posto que num mundo sem pecado, "toda regra, ordenança e lei caducaria, assim como todo controle e afirmação do poder magistrado desapareceria." (p. 100). Nesse contexto, Kuyper dedica ao Senhor toda a honra primordial, e somente a partir da Soberania de Deus sobre a humanidade é que surge a necessidade virtuosa da obediência dos homens perante as autoridades, que são retiradas dentre eles mesmos, posto que a glória de Deus requer que a "ordem seja estabelecida no caos gerado pelo pecado." (p. 100). Por isso, os homens não são chamados a se submeter uns aos outros, nem a ser controlados por autoridades, conforme razões e propósitos somente humanos, posto que só Deus é Soberano e os homens são todos iguais. A partir disso, "toda autoridade de governo sobre a terra origina-se somente da soberania de Deus", sendo esse um fundamento a partir do qual todo homem irá se curvar em obediência ao próximo, no contexto da soberania divina. (p. 100). Segue o resumo das teses calvinistas de Kuyper sobre uma fé diante da política: Somente Deus é soberano sobre o destino das nações, pois Ele as criou e sustenta, e já que o pecado tem arruínado o governo direto de Deus na arena política, o Senhor estabelece autoridades humanas nessa situação. Uma autoridade que não pode gerar uma submissão ilimitada dos homens uns perante os outros, pois trata-se de uma autoridade dada conforme a soberana majestade de Deus. Assim, em decorrência e pela razão de que a autoridade do Estado surgiu na realidade humana devido ao pecado, e pela necessidade de trazer ordem à vida social da humanidade; então, "num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não derivam sua existência ao Estado; e a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem a uma alta autoridade de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado." (p. 101). (*) Observe que a autoridade do Estado e magistrado tem uma função específica na cosmovisão calvinista, segundo Kuyper, sendo uma função e poderes que tem seu propósito e limites na sociedade. De forma que o pensador reformado dedica-se a descrever o modo como a autoridade de cada uma das mais diversas áreas da vida, seja a família ou as artes, deverão desenvolver sua liderança sem o controle do Estado, posto que estas não derivam suas autoridades do Estado, mas sim, de Deus, que é o Soberano. Neste sentido, "segundo Kuyper, é da mais alta importância saber diferenciar a autoridade orgânica da sociedade da autoridade mecânica do governo." Nas outras esferas da vida, a autoridade é decorrente de uma capacidade oriunda da própria natureza de cada campo da existência, ao contrário do Estado, que recebe autoridade devido à necessidade de ordem no caos do pecado. Assim, "{...} toda ciência é apenas a aplicação, no cosmos, dos poderes de investigação e pensamento criados dentro de nós; e a arte nada mais é do que a produtividade natural dos poderes da imaginação. {...} (Todavia, sem o pecado) não existira nenhum Estado, mas apenas um império mundial orgânico com Deus como o seu Rei {...} Mas é exatamente isso que o pecado tem agora eliminado de nossa vida humana. Essa unidade não mais existe. (...) Um Império mundial não pode ser estabelecido, nem o deve ser. Pois a contumácia de construir a Torre de Babel consistiu nesse próprio desejo. {...}". De forma que, foi Deus quem fez os povos surgirem e sobre estes os Estados, e nestes, Deus autorizou os governos, sendo que o seu surgimento não foi natural, mas sim, mecânico. (p. 101-102). Nesse contexto, Kuyper entende que a legítima soberania do Estado sobre o indivíduo e áreas da vida humana, ocorre de três formas: - quando há conflitos entre áreas particulares, para orientar respeito entre elas; - na defesa das pessoas que são submetidas pelo abuso de poder de outros, em suas próprias esferas de convivência; e ainda, - "3. (Para) constranger a todos a exercerem as obrigações pessoais e financeiras para a manutenção da unidade natural do Estado." (p. 102). Sendo que, essas atuações de autoridade regulamentar sobre a relação entre as outras esferas autonômas da vida deve ser administrada não segundo o poder do magistrado, mas de leis que promovam o direito dos cidadãos, e também de seus bens contra "o abuso de poder por parte do governo." (p. 102). Acerca da soberania do indivíduo, Kuyper ensina que todo ser humano é soberano sobre as decisões de sua vida, e somente Deus está acima dele; sendo um "dever do Estado, pois, garantir a liberdade de consciência, garanti-la até perante a igreja e conta o despotismo." (p. 102). A seguir, Kuyper buscou esclarecer qual era o conflito maior que o Cristianismo enfrentava na sua época, vindo a definir que o mesmo se dava diante do modernismo. Kuyper: "Dois sistemas de vida estão em combate mortal. O modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a "herança cristã". Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta é a luta por princípios em que meu próprio país está arraigado, e na qual eu mesmo tenho gastado todas as minhas energias por quase quarenta anos." (p. 102-103). CIÊNCIA E ARTES. Na área científica, a proposição calvinista de kuyper para a busca do conhecimento trouxe grandes conflitos com o modernismo, pois o autor reformado defendia que o real entendimento dos fatos requer descobrir o modo como Deus governa e sustenta a realidade: "Mas se vocês prosseguem agora para o decreto de Deus, o que mais a predestinação de Deus significa senão a certeza de que a existência e o curso de todas as coisas, i.e., de todo o cosmos, em vez de ser um brinquedo do capricho ou do acaso, obedece à lei e à ordem, e que existe ali uma vontade firme que põe em prática seus desígnios na natureza e na história?". Kuyper entende que as proposições do calvinismo atuaram para libertar a ciência do domínio religioso medieval, vindo a definir que há dois grupos de cientistas; de um lado, o deístas, panteístas e naturalistas, e de outro lado, os teístas. Ele argumenta que não há conflito entre fé e ciência, posto que o conhecimento adquirido pelos sentidos do ser humano é uma experiência viva e verdadeira da realidade. Sendo oriunda do fato de que somos pessoas conscientes de que estamos debaixo de uma realidade superior, a qual devemos perceber e utilizar na busca e apreensão de todo conhecimento. Para Kuyper, o conflito entre os modelos de ciência e conhecimento origina do fato de se acreditar, de um lado, que o universo e mundo estão em um progresso natural, ou de outra forma, que a história se desenvolve a partir de uma corrupção ocorrida na antiguidade, e que agora precisa ser reparada; sendo que estas "duas elaborações científicas opostas uma à outra, cada uma tendo sua própria fé {...} ambas estão disputando com perseverança todo domínio de vida...". (p. 106). Kuyper apresenta os elementos com que o cientista calvinista observa e conhece a realidade, destacando os seguintes valores: "{...} a consciência de pecado, a certeza da fé e o testemunho do Espírito Santo {...} Eles formam o seu conteúdo imediato. Sem estes três, a autoconsciência não existe nele. Isto o normalista rejeita {...}", diz o reformador, ao refletir a diferença de valores que orienta a consciência dos cientistas, posto que "uma (consciência) está inconsciente da quebra e consequentemente apega-se ao normal; a outra tem uma experiência tanto da quebra como da mudança e assim possui em sua própria consciência o conhecimento do anormal", ou seja, da quebra da ordem na história que o pecado veio produzir. (p. 107). "Em sua palestra Calvinismo e Arte, Kuyper procura demonstrar que o calvinismo não criou um estilo próprio de arte exatamente porque representava um estágio superior de desenvolvimento religioso." (p. 107). Kuyper destaca o valor calvinista de que a arte é uma experiência humana universal que ocorre conforme à realidade social e natural em que se desenvolve. Explica a diferença entre avaliar a arte no interesse de valorar a moral do ser humano em uma determinada prática artística, do que somente depreciar um movimento cultural por sua técnica e estética. Sendo que, para o pensador reformado, a própria "aliança entre religião e arte representa uma baixa forma de religiosidade": "Em cada país onde o calvinismo surgiu, ele levou a uma multiformidade de tendências da vida, quebrou o poder do Estado dentro do campo da religião e, numa grande extensão, pôs fim ao sacerdotalismo...". (p. 107-108). Kuyper entende que o momento na história em que a Arte esteve subordinada à religiosiade foi uma experiência de religião inferior, como da antiga aliança, em contraste com a religiosidade verdadeira da nova aliança. Da mesma forma, não se pode tutelar e utilizar a arte para promover a religião como ocorreu na idade média, posto que são símbolos de uma religião dependente da estética; sendo algo inferior e que cujo período e tempo ficou para trás. "Concordando basicamente com Hegel e von Harmann, Kuyper conclui que religião e arte tem suas próprias esferas de vida, não podendo ser separadas no início, mas adquirindo identidades próprias ao atingirem a maturidade. Esse processo de maturidade e separação, segundo ele, é o "processo de Arão para Cristo, de Bezaleel e Aoliabe para os apóstolos". (p. 108). Eis o motivo porque o calvinismo buscou libertar a arte para que viesse a se desenvolver dentro de sua esfera própria pela experiência humana, ao invés de edificar uma específicia "arte calvinista". Acerca do modo como a arte pode ser integrada à religião, Kuyper faz duras críticas aos que buscam maior espiritualidade nos cultos procurando trazer as representações simbólicas e "formas de adoração sensorial" para as celebrações. Ao contrário, argumenta que "esta fraqueza da vida religiosa deve inspirar à oração por uma obra mais poderosa do Espírito Santo." (p. 109). Ao concluir, explica que, "nossa vida intelectual, ética, religiosa e estética, cada uma comanda uma esfera própria. Essas esferas correm paralelas e não permitem derivação de uma para a outra. É a emoção central, o impulso central e o entusiasmo central, na raiz mística do nosso ser, que procura revelar-se para o mundo exterior nessa quádrupla manifestação...". (p. 110). Desta forma, Kuyper diferencia e valoriza as áreas autonômas da religião, da arte e outras, como também, apresenta o modo em que o cristão calvinista não irá perceber e desenvolver nenhuma dessas áreas em contrariedade diante da realidade última, Deus, que ele reconhece segundo seu conhecimento religioso. AGENDA PARA O FUTURO. O título do artigo destaca a visão existencial cristã de Kuyper, que aponta para um projeto religioso de transformação integral da vida. Essa visão embasada no calvinismo se coloca como um contraponto a outros sistemas históricos, especialmente diante do Modernismo. Acerca desse confronto de ideias, surgiram análises do modo como Kuyper entendia o calvinismo como o conhecimento final da história, sendo que esse tipo de afirmação absoluta representa igualmente o período histórico em que viveu o pensador e teólogo. Ao refletir sobre as mudanças surgidas no século 19, Kuyper entendia que as conquistas e transformações na ciência e sociedade geravam um momento histórico em que "a hipertrofia de nossa vida exterior resulta numa séria atrofia da vida espiritual." (p. 110). Kuyper observou que a sociedade ocidental estava desprezando o cristianismo como fonte de conhecimento, ao mesmo tempo em que negava algumas virtudes e bençãos históricas que essa religião havia ofertado para a humanidade. "A filosofia moderna considerava o cristianismo como superado, supérfluo, entrando na era pós-cristã." (p. 110). Nesse contexto e situação, Kuyper buscou um conteúdo religioso cristão que pudesse orientar os cristãos e sociedade no conhecimento do Cristianismo bíblico, e entendeu que seria o calvinismo. A fim de esclarecer o objetivo que tinha ao expor princípios calvinistas para sua época e sociedade, Kuyper definiu quatro itens: - que o calvinismo não deveria ser desprezado nas sociedades em que estava presente, de modo que eventos e valores oriundos da religião deveriam ser resguardados e identificados como cristãos, ao invés de conquistas humanistas; como a oração nas escolas e instituições públicas, além do Dia de Ação de Graças, a autonomia de governos regionais, o respeito à mulher, e o valor superior da liberdade de consciência; - que os valores calvinistas em favor da cultura e sociedade deveriam ser anunciados e renovados, de forma que houvesse uma publicidade íntegra, mas efetiva; - que os fundamentos teológicos do calvinismo deveriam ser utilizados na reflexão do período histórico em que viviam os mestres e teólogos reformados, ao invés de usarem outros conteúdos; - que os cristãos e as igrejas de origem e fundamentos reformados não tivessem vergonha de praticar os princípios calvinistas no dia a dia de suas vidas e da igreja. O autor do artigo faz breve análise sobre as mudanças sociais que Abraham Kuyper liderou na Holanda, destacando a organização de um partido político conservador e democrático, além da criação da Universidade Livre de Amsterdã. Kuyper também foi o responsável por uma transformação social inovadora, na qual as diferenças entre as pessoas e comunidades foram mais ideológicas do que baseadas na economia e classe social. Desta forma, cada movimento de pensamento tinha a liberdade e a condição de criar e administrar "instituições sociais e políticas com mínima interferência governamental e de acordo com suas próprias persuasões ideológicas." (p. 114). E assim o fizeram os liberais e socialistas, católicos e protestantes. "Ele pretendia oferecer um programa alternativo para uma renovação cultural e política, diferente daquele oferecido pelos ideais iluministas da Revolução Francesa, a qual, acreditava-se, estava fazendo um estrago na sociedade holandesa em todos os níveis. Com sua persistente agitação para maiores liberdades educacionais, sociais e políticas para os grupos minoritários na sociedade, Kuyper pretendeu ser um líder progressista e inovador." (p. 115). O destaque final do autor do artigo aponta para o modo como Kuyper começou liderando um número pequeno de cidadãos, até que em dez anos, tinham nas mãos, "poderosos órgãos jornalísticos, um programa sociopolítico, uma política partidária e uma universidade." (p. 115). Conclusão. Citações. "É inegável que a visão de mundo bíblica, que animou homens como Kuyper e nações como a Holanda, foi determinante para produzir algumas das nações mais desenvolvidas do nosso planeta. {...} As ideias teológicas de Kuyper não devem ser simplesmente copiadas para os dias de hoje. Ele mesmo se oporia a isso. O que deve ser feito é um estudo dos princípios por trás dos seus ensinamentos para poder aplica-los em nossa realidade presente, em concordância com os ensinamentos da Palavra. {...} boa prática seria promover estudos aprofundados da vida e obra de Calvino para poder avaliar de que forma Kuyper se apropria dos princípios calvinistas na sua cosmovisão. {...} Finalmente, se Kuyper está certo quanto a ser o calvinismo atualizado uma legítima biocosmovisão, em condições de poder representar de maneira consistente o cristianismo, então ele pode ser aplicado a todas as áreas da vida, de maneira a revitalizar profundamente o relacionamento do homem com Deus, consigo mesmo e com o próximo - por fim, com o mundo onde ele vive " (p. 119 - 122). FIM DO TEXTO 2 e Conclusão. Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é Professor de Teologia e Ciências da Religião, no Seminário Presbiteriano do Sul - extensão Curitiba e Uninter. Referências. RIBEIRO DE CARVALHO, Guilherme Vilela e outros (organizadores) Cosmovisão Cristã e Transformação. Viçosa, MG : Ultimato, 2006. Artigo: Abraham Kuyper: Um modelo de transformação integral, por Nilson Moutinho dos Santos.

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