sexta-feira, 29 de março de 2024

A Espiritualidade do DESTINO, no Cinema. DUNA PARTE 2, 2024.

A ESPIRITUALIDADE DO DESTINO, NO CINEMA. DUNA PARTE 2. O grande cineasta Steven Spielberg descreveu DUNA 2 como uma das ficções cientificas mais brilhantes já realizadas na Sétima Arte. Logo ele que aponta o filme "Lawrence da Arábia" (1962) de David Lean, como um dos maiores clássicos do cinema, sendo inclusive, o predileto de Spielberg. Anoto esse destaque porque considero o filme DUNA 2 o legítimo herdeiro da grandiloquência cinematográfica vista em "Lawrence da Arábia", devido à comum exuberância da fotografia do ambiente de deserto e das batalhas de guerra travadas nestes filmes; e também pela complexa personalidade tanto majestosa como simplíce que marca ambos os protagonistas de Duna e Lawrence. O Diretor de Duna 1 e 2, Denis Villeneuve já tem excelentes histórias de cinema no curriculo para contar, especialmente o maravilhoso filme "A Chegada" e o inspirativo "Blade Runner 2049". Em nossa perspectiva por aqui, vê-se que a temática da Espiritualidade do Destino se relaciona com o desafio existencial premeditado que conduz o enredo da história e também o amadurecimento dramático do protagonista Paul Atreides; sendo este um tema que Jesus igualmente apresenta aos cristãos quando os desafia para a vivência da espiritualidade: "Se alguém quer ser meu seguidor, negue a si mesmo, tome diariamente sua cruz e siga-me." (Evangelho de Lucas, cap. 9, verso 23). Observe que essa convocação dada por Jesus Cristo diretamente no coração dos que creem revela tanto um destino, como também esclarece a importância das escolhas e decisões tomadas no decorrer da jornada espiritual. Nessa perspectiva, sabe-se que o destino da espiritualidade cristã é a própria Pessoa de Jesus de Nazaré, no entanto, tanto Paul Atreides na realização de seu chamado em Duna, como os discípulos de Cristo em sua vocação deverão ambos abraçar as decisões éticas da jornada até alcançar o destino de suas histórias. O desafio é desenvolver valorosa e sensivelmente a vivência dos relacionamentos familiares e sociais, funcionais e de cidadania a partir dos propósitos éticos que se busca tanto ao forjar a personalidade que precisamos nos tornar, como ao promover a sociedade que almejamos estabelecer. Pois um destino manifesto não vêm pronto com o anúncio de sua existência, mas sim, se torna o princípio da efetivação de sua realidade. Até porque não há duas jornadas existenciais pra se viver, mas somente uma, que nasce agora e se consolida no decorrer da eternidade que se experimenta em espírito e verdade desde hoje, como bem apregoa o Cristianismo. Portanto, tanto Paul Atreides em "Duna" como os cristãos no Reino de Jesus em movimento neste mundo são identificados como pessoas com um destino virtuoso já traçado. Mas que será plenamente realizado somente a partir do entendimento consciente da jornada que se deve trilhar, junto das atitudes de renúncia e coragem que deve-se obrigatoriamente assumir. Sabendo que as perdas e dores das escolhas estarão sempre presentes, seja nos sonhos de amor negados e nas tragédias mortais multiplicadas de Duna, seja no aniquilamento da vaidade e no desgaste do corpo do fiel Cristão que decide negar a si mesmo pra amar como Jesus amou. Diante de tais desafios, Jesus promete estar junto dos cristãos "até a consumação dos séculos", sendo que amparado nesta companhia, o Apóstolo Paulo apregoa que ainda não alcançou o alvo, mas prossegue "a fim de conquistar essa perfeição para a qual Cristo Jesus me conquistou". (Filipense 3. 13). Sim, a Espiritualidade Cristã do Destino é uma jornada em que a vivência ética virtuosa dos meios na atualidade nos fará alcançar fielmente os valorosos fins na eternidade, como bem aprendemos nas verdades existenciais dignas do nome. Especificamente acerca da espiritualidade de DUNA, obra literária e filme, destaco a seguir, algumas passagens extraídas de uma análise que você poderá ler em seu conteúdo completo ao final dessa resenha: "Mas os caminhos do destino, em Duna, são traçados pelo passado, e, particularmente, pela memória. Pois é a memória, a memória genética, a memória dinástica, e a sua curadoria, que dirigem as ações dos principais personagens. Quase todos os eventos e ações que se desenvolvem no enredo são o reflexo dos planos milenares das Bene Gesserit, a sororidade religiosa que comanda a vida espiritual da aristocracia intergalática a alguns 10 mil anos. As membras dessa ordem exibem poderes telepáticos quase sobrenaturais, que lhe conferem o poder de controlar minuciosamente os processos químicos intracorporais (...); e, o mais importante, a habilidade – exibida pelas irmãs de posição mais elevada, as Reverendas Mães – de vislumbrar o passado e prever coisas futuras. Todos esses dons, e especialmente o último, derivam do acesso que as acólitas e mestras possuem, em graus mais ou menos elevados, das memórias e da consciência de suas antepassadas mulheres. (...) O segundo filme, que cuida, com significativas alterações, da segunda metade do livro inicial, se inicia com a tentativa de Paul de tentar ser aceito pelo povo nativo do planeta, os Fremen, e sobre sua ambivalência frente ao seu destino, tanto como herdeiro de uma família nobre, quanto como o Messias profetizado pela religião de sua mãe. Esse povo do deserto planetário possui suas próprias tradições religiosas, que foram, todavia, manipuladas por missionárias das Bene Gesserit, que introduziram na mitologia autóctone dos Fremen o conceito de um Messias que viria de outro planeta, o “Lisan al-Ghaib” ou “Mahdi”, a fim de permitir que o Kwisatz Haderach pudesse encontrar aliados dentre os povos guerreiros de Arrakis. Essas profecias são, inicialmente, negadas pelo personagem principal, que busca integrar-se numa comunidade Fremen, a fim de buscar vingança contra os Harkonnen. Ele inicia um relacionamento com uma das guerreiras, Chani, é aceito pelo Fremen, toma o nome de “Maud-Dib Usul” e promove, junto deles, a destruição das facilidades do inimigo. Ainda assim, ele tenta fugir, a todo custo, do destino que sua linhagem e suas crenças traçaram para ele. (...).” (por Ivan Santos Rüppell Netto). Bom filme! Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é professor de ciências da religião e ministro da Igreja Presbiteriana, tendo publicado o livro, Resenhas espirituais de Meditações cinematográficas, com quase 40 análises de filmes, (Edit. Dialética, 2020). A ESPIRITUALIDADE DE DUNA. (por Ivan Santos Rüppell Netto): "Mas os caminhos do destino, em Duna, são traçados pelo passado, e, particularmente, pela memória. Pois é a memória, a memória genética, a memória dinástica, e a sua curadoria, que dirigem as ações dos principais personagens. Quase todos os eventos e ações que se desenvolvem no enredo são o reflexo dos planos milenares das Bene Gesserit, a sororidade religiosa que comanda a vida espiritual da aristocracia intergalática a alguns 10 mil anos. As membras dessa ordem exibem poderes telepáticos quase sobrenaturais, que lhe conferem o poder de controlar minuciosamente os processos químicos intracorporais (permitindo-lhes, por exemplo, controlar o sexo dos seus filhos durante a gestação, manipular a temperatura corporal, e transmutar venenos e outras substância nocivas); a capacidade de influenciar as ações de terceiros, atráves de comandos vocalizados em uma frequência sonora específica; e, o mais importante, a habilidade – exibida pelas irmãs de posição mais elevada, as Reverendas Mães – de vislumbrar o passado e prever coisas futuras. Todos esses dons, e especialmente o último, derivam do acesso que as acólitas e mestras possuem, em graus mais ou menos elevados, das memórias e da consciência de suas antepassadas mulheres. E é, de fato, essa manutenção das memórias ancestrais que rege o principal objetivo da Ordem: a geração do “Kwisatz Haderach” (expressão que, em sua língua ficcional, significa “O Encurtamento do Caminho”), um telepata masculino que conseguirá evocar todos os seus ancestrais, tanto masculinos quanto femininos, acessando toda a riqueza da memória humana a fim de conduzir a humanidade pelo “Caminho Dourado”. Para esse fim, as Bene Gesserit manipularam, durante milênios, os genes das famílias aristocráticas que dominam o Império intergalático, a fim de produzir esse grande telepata. O nosso protagonista, Paul Atreides, é o produto desse messianismo eugenista: nascido uma geração antes da calculada chegada do Kwisatz Haderach, ele é criado pela sua mãe, a acólita Jessica, com a convicção de que as Reverendas Mães erraram em seus cálculos, e que ele mesmo poderá ser o tão esperado mensageiro de Deus. Por isso, as Bene Gesserit manipulam os ânimos do Imperador, que acaba por mandar a Casa Atreides para uma missão suicida no planeta Arrakis, onde eles são praticamente todos exterminados pelos seus rivais, a Casa Harkonnen, à exceção de Paul, Jessica, e alguns poucos servos da Casa. É essa tragédia dramatizada no primeiro filme, que adaptou a primeira metade do primeiro volume da série de romances de Frank Herbert. O segundo filme, que cuida, com significativas alterações, da segunda metade do livro inicial, se inicia com a tentativa de Paul de tentar ser aceito pelo povo nativo do planeta, os Fremen, e sobre sua ambivalência frente ao seu destino, tanto como herdeiro de uma família nobre, quanto como o Messias profetizado pela religião de sua mãe. Esse povo do deserto planetário possui suas próprias tradições religiosas, que foram, todavia, manipuladas por missionárias das Bene Gesserit, que introduziram na mitologia autóctone dos Fremen o conceito de um Messias que viria de outro planeta, o “Lisan al-Ghaib” ou “Mahdi”, a fim de permitir que o Kwisatz Haderach pudesse encontrar aliados dentre os povos guerreiros de Arrakis. Essas profecias são, inicialmente, negadas pelo personagem principal, que busca integrar-se numa comunidade Fremen, a fim de buscar vingança contra os Harkonnen. Ele inicia um relacionamento com uma das guerreiras, Chani, é aceito pelo Fremen, toma o nome de “Maud-Dib Usul” e promove, junto deles, a destruição das facilidades do inimigo. Ainda assim, ele tenta fugir, a todo custo, do destino que sua linhagem e suas crenças traçar para ele. Esse conflito interno do protagonista corre em paralelo com o conflito entre diferentes facções do povo Fremen: alguns deles acreditam piamente nas profecias das Bene Gesserit, e aceitam Paul como o Messias já de cara; outros, inclusive a própria Chani, negam a necessidade de um “libertador estrangeiro”, insistindo que “o Mahdi deve ser Fremen”. Essa divisão interna na sociedade Fremen, que não estava presente no romance adaptado, serve diversos propósitos narrativos: como já dito, ela expande a caracterização de Paul Atreides, oferecendo um paralelo às suas próprias dúvidas acerca de seu papel messianico; também expande arco da personagem de Chani, que ganha complexidade maior que aquela vista no texto original; o mais relevante, no entanto, é o adiantamento de uma gama de temas explorados em volumes posteriores, como “Filhos de Duna” e “Imperador Deus de Duna”, que o diretor, Denis Villeneuve, sinalizou que não pretende adaptar. O motto de que “o Mahdi deve ser Fremen” não representa uma rejeição completa da profecia, nem um quase-ateísmo, que pretende abandonar as tradições e a espiritualidade daquele povo. É, antes, uma reinterpretação dessa tradições, que serve tanto para edificar a identidade dos Fremen, quanto para, inadvertidamente, subverter os objetivos das Bene Gesserit. Se o Mahdi é Fremen, os povos do deserto não ficarão vinculados às promessas messiânicas daquela ordem estrangeira; o seu Messias é, ao contrário, aquele que liberta o planeta Arrakis da submissão ao Império Intergalático e aos seus emissários, os Harkonnens. E, de fato, ao longo do filme, o Mahdi quase vira Fremen; Paul inicia sua campanha o Império não como um emissário do espaço sideral, mas como Muad’Dib Usul, como um guerreiro assimilado àquele povo e às suas tradições. A promessa de libertação que ele oferece, espiritual, política e civilizacional, é, para ele, uma fuga das profecias do Kwisatz Haderach; para os Fremen, uma oportunidade para redefinir as suas tradições; para ambos, é uma chance de tomar as rédeas dos próprios destinos. Essa chance é, no entanto, frustrada pelos rumos da Guerra de Libertação, pelo fundamentalismo dos grupos Fremen que se apegam às profecias e, não menos importante, pelos desígnios da mãe de Paul, que, no final, consegue acordar nele os poderes do Kwisatz Haderach e colocá-lo de volta no “Caminho Dourado” das Bene Gesserit. Isso é ilustrado pelo seu discurso posterior aos Fremen, em que ele se identifica não mais como Muad’Dib, mas como “Paul Atreides, Duque de Arrakis”, brandindo, orgulhosamente, o anel que recebeu do seu pai, símbolo da continuidade dinástica da Casa Atreides. A luta não se dirige mais à libertação planetária e à conservação da religião autóctone, mas à guerra santa profetizada pelas Bene Gesserit, de cujos escombros emergirá o Messias. O destino, então, retorna como uma continuação dos objetivos dos ancestrais: os poderes de premonição de Paul se escoram na experiência e nas memórias de seus ancestrais. Seguem, portanto, a linhagem construída pela manipulação genética das Reverendas Mães: uma linhagem de oligarcas, elitista e incestuosa, fruto de um projeto eugenista que ultrapassa os sonhos mais ambiciosos da doutrina racialista do Terceiro Reich – uma comparação que é traçada, implicitamente, nos próprios livros. Sob o comando de seu Mahdi, os Fremen abandonam seus preciosos ideais libertários e igualitários, e assumem o papel de super soldados fanáticos na Guerra Santa (chamada, explicitamente, de “jihad” nos livros) que não servirá senão para o fortalecimento do sistema imperial, agora encabeçado pelo Kwisatz Haderach. O destino é, portanto, a escravização do futuro pelo passado, por meio à submissão do presente aos ditames da memória: as previsões de Paul, pelas quais ele procura traçar não o melhor caminho, mas o menos pior, pautam-se no agregado das experiências dos seus antepassados, e, por isso, refletem os valores e a visão de mundo do passado. É a dominação “das Filhas da Memória, sem as Filhas da Inspiração” , de uma humanidade incapaz de se libertar do seu passado. É essa a visão que triunfa no final do filme: Paul vence o herdeiro dos Harkonnen, Feyd-Rautha, casa-se com a Princesa Imperial Irulan e assume o trono, bem a tempo de iniciar sua Guerra Santa contra as demais famílias nobres do Imperium. O povo Fremen é, agora, reduzido a um novo exército imperial, e o sonho do Mahdi autóctone – de uma Arrakis paradisíaca e livre do controle imperial, e de uma religião extirpada das ambições temporais das Bene Gesserit alienígenas – sobrevive apenas no coração partido de Chani, que, ao contrário do que ocorre no livro, em que ela permanece ao lado do protagonista, deixa o novo Imperador para, na última cena, voltar sozinha ao deserto – a última crente de uma doutrina, que, como certamente veremos em “Messias de Duna”, ainda poderá dar frutos." Autor. Ivan Santos Rüppell Netto é Advogado, pós graduando em Direito Tributário.

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