sexta-feira, 28 de julho de 2023

RELIGIÃO E PÓS MODERNIDADE Texto 1. Seminário Presbiteriano do Sul. 2023.

Esse texto tem objetivo didático de orientação para a disciplina Religião e Pós-modernidade Curso de Teologia do Seminário Presbiteriano do Sul - extensão Curitiba. O texto contém resumos e citações longas, de diversos livros e obras, devendo ser utilizado somente como apoio do estudo da disciplina. Professor Ivan Santos Rüppell Jr, 2023. INTRODUÇÃO. O conhecimento inicial de nossa matéria requer a abordagem do tema e contexto formativo do pensamento moderno, sendo que iremos utilizar o texto a seguir para esse propósito, na orientação de que seja utilizado somente para fins didáticos desta matéria, devido a ser um conteúdo extenso extraído em citação. INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO ILUMINISMO. O FIM DA IDADE MÉDIA. "SÍNTESE do Capítulo 5. Vimos que o início da Idade Moderna na Europa foi marcado pelo enfraquecimento do feudalismo e o crescimento de uma sociedade mais mercantil, na qual surgiria com a força a classe social da burguesia. O movimento do Renascimento reavivou o espírito criativo dos intelectuais e artistas que buscaram nas civilizações clássicas as ideias e princípios de uma nova maneira de pensar e mover cultura. A Igreja Cristã iria passar pelo seu segundo e maior cisma, assim que algumas importantes questões teológicas e políticas criaram o ambiente que gestou a Reforma Protestante no continente. Os séculos 16 e 17 foram a época da ascensão dos novos comerciantes e artesãos que moravam nas cidades (burgus), sendo que enquanto os proprietários de terras feudais viam seu poder fragilizar, a burguesia se aproximava dos monarcas em busca de apoio para incrementar o crescimento do comércio em todo o continente, uma das razões para que o dinheiro viesse a se tornar a maior fonte de riquezas desse período, em substituição à posse de terras. A Renascença ou Renascimento foi um movimento de renovação cultural que surgiu na Europa no século 14, vindo a formar a cosmovisão ocidental da idade moderna a partir de elementos clássicos greco-romanos. A maior mudança ocasionada por este movimento foi colocar o ser humano, com suas reflexões e aspirações, capacidades e projeções no centro da sociedade, retirando das mãos da Igreja a condição de definir a maneira como a civilização humana deveria entender a realidade e organizar o mundo. Foi neste contexto que a Europa viu surgir o humanismo, um movimento de “retorno às fontes”, que buscava entender a maneira como os clássicos se expressavam em sua literatura e erudição. Vimos que os principais líderes da Reforma Protestante iniciada em 31 de outubro de 1517 foram os teólogos Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino, os quais vieram a organizar os fundamentos teológicos e as propostas éticas de uma nova instituição religiosa cristã no ocidente. Pois o movimento protestante acabou desenvolvendo grandes transformações na sociedade e na política, na economia e costumes da sociedade moderna, vindo a influenciar a Europa e o Reino Unido, e especialmente os Estados Unidos da América a partir do século 17. Enquanto o protestantismo se desenvolvia na primeira metade do século 16, a Igreja Católica Romana organizava o movimento da Contra Reforma em 1545, como um projeto de renovação e fortalecimento das doutrinas e das atividades da igreja romana. A liderança católica decidiu tanto fortalecer as suas doutrinas diante do protestantismo, como buscou investir em missões na Europa e para o restante do mundo, a fim de sedimentar e fazer crescer o seu rebanho. A divisão doutrinária entre as igrejas católica e protestante logo se tornaria uma grande disputa política, resultando na ocorrência das chamadas “guerras religiosas” entre os séculos 16 e 17, as quais desestabilizaram gravemente a Europa. Os Estados Unidos da América foram descobertos em 1492 por Cristóvão Colombo, que se associou aos reis da Espanha num empreendimento que pretendia descobrir novas rotas comerciais ao oriente pelos mares, vindo a chegar nas Américas; um fato que se tornou símbolo das conquistas e descobertas das explorações dos séculos 15 e 16. A conquista de Colombo estabeleceu uma relação comercial e social duradoura e profícua entre a Europa e a América, abrindo espaço também para o incremento das missões cristãs, que enviavam sacerdotes junto dos colonizadores a fim de doutrinar os habitantes dos novos territórios descobertos. Analisamos a teoria do conhecimento - a Epistemologia, que deseja compreender o modo como a humanidade pode conhecer a realidade, sendo que a Idade moderna foi marcada pelos debates entre dois ramos com pensamentos distintos acerca desta teoria: o racionalismo, de René Descartes, que entendia que o conhecimento pode ser apreendido somente pela razão humana, na perspectiva de Platão; e o empirismo, de John Locke, que acreditava que o conhecimento é oriundo da observação do mundo exterior, com bases em Aristóteles. As proposições racionalistas que entendiam que uma lógica compreensão da realidade traria um conhecimento definitivo para a humanidade acerca da existência, foram colocadas em dúvida pelo filósofo Immanuel Kant, que buscou levantar dados acerca da complexidade e dos limites do alcance da teoria do conhecimento. Ao mesmo tempo, enquanto os intelectuais e filósofos da modernidade buscavam explicar racionalmente a existência de Deus, o movimento cultural do Iluminismo, que seria preponderante no século 18 na Europa, iria confrontar radicalmente tanto a autoridade da Igreja, quanto da monarquia." (...) DO ILUMINISMO AO MODERNISMO. "CAPÍTULO 6 O Iluminismo transformou substancialmente os fundamentos culturais da Europa a partir do século 18, gerando mudanças que ocasionaram a Revolução Francesa e os movimentos republicanos dos séculos 19 e 20 no continente, além de sedimentar e propagar os valores modernistas que indicavam pra humanidade um futuro próspero e solidário. Mas, após um século 20 marcado por duas grandes guerras mundiais e pelo crescimento exponencial da miséria e da desigualdade social, eis que iniciamos o século 21 convocados pelos intelectuais da Pós-Modernidade para contrapor e rever toda cosmovisão Moderna que nos foi legada desde o fim da Idade Média. 6.1 ILUMINISMO “O ceticismo é o primeiro passo em direção à verdade”. (Denis Diderot) O Iluminismo – uma expressão surgida apenas no século 19 que origina do alemão “die Aufklarung” (aclarar) e do francês “les lumières” (as luzes), foi um movimento cultural abrangente da Idade Moderna bastante relacionado a uma determinada época do século 18, entre os anos 1720 até 1780. Seu princípio essencial orientava que a razão deveria ser utilizada de forma livre e progressista pelo homem no objetivo de que a humanidade pudesse superar as concepções de mundo medievais que a tinham estruturado até então, posto que tais valores mantinham a sociedade submissa a paradigmas opressores do passado. Um elemento importante acerca do iluminismo se refere ao fato de que os intelectuais desse movimento se interessavam mais com o modo e a maneira como iriam pensar e desenvolver as suas reflexões, do que com o conteúdo que cada um deles iria abordar em suas análises e textos. (McGrath, p 125). Nesse contexto, o filósofo francês Denis Diderot publicou no ano de 1751 o primeiro dos dezessete volumes da fundamental obra iluminista, “Enciclopédia”, a qual ele organizou numa divisão feita a partir de três grandes temas: - assuntos históricos; - a razão e a filosofia; - a poesia e a imaginação. Diderot se preocupou em editar esta obra tendo em mente que a mesma iria propor reflexões que não deveriam se submeter aos dogmas religiosos e às limitações dadas por autoridades de Estado, sendo que para atingir seu objetivo ele convocou um grande número de escritores, filósofos e intelectuais para que escrevessem artigos sobre os temas mais diversos. A orientação comum era de que todos eles deveriam utilizar a razão e a lógica a fim de compreender e expor tanto o mundo natural, quanto a realidade da existência humana. Um princípio essencial desses textos é que deveriam se preocupar em estabelecer parâmetros com bases somente racionais para a organização da sociedade, em contraponto aos valores dogmáticos católicos que vinham definindo a estrutura das instituições sociais nos últimos séculos. (Werner, p 192). Observe que o Iluminismo enquanto um movimento intelectual que veio abordar todas as áreas do conhecimento confiando na capacidade da razão humana para conseguir solucionar as questões da existência, tem sua origem exatamente nos pensadores do século 17, que foram os pioneiros do moderno pensamento científico e filosófico. Pois o movimento iluminista abraçou a razão humana e o questionamento de todo e qualquer conhecimento como sendo as ferramentas de sua reflexão acerca da realidade, já que pretendia superar qualquer cosmovisão embasada nas doutrinas da Igreja. Foi dentro deste contexto de mudança de paradigmas acerca da busca do conhecimento, que o iluminismo conseguiu incentivar o desenvolvimento do entendimento científico nas mais diversas áreas, vindo a desenvolver pesquisas na biologia e botânica, além de setores da tecnologia, vindo a influenciar as universidades e o meio literário da época. Segundo McGrath, o iluminismo tornou-se um movimento crítico que buscou questionar os fundamentos e bases intelectuais estruturais da religião cristã, vindo a utilizar conceitos e reflexões oriundas do cartesianismo e do deísmo a fim de requerer da Igreja que viesse apresentar e expor suas doutrinas segundo um sistema absolutamente racional e coerente. Neste sentido, o pretenso apoio que o Cristianismo havia recebido dos intelectuais da Renascença e do movimento do racionalismo, que acreditavam na existência de Deus e de valores religiosos cristãos oriundos de uma religião natural e racional, acabaram criando a oportunidade para que toda e qualquer doutrina cristã que não fosse completamente explicitada nos limites da razão, viesse a ser fortemente criticada e rejeitada pelo padrão analítico iluminista. (p 127). Observe que embora a teologia cristã tenha se desenvolvido historicamente através de uma integração entre os conceitos da revelação natural e revelação sobrenatural (bíblia), esta unidade de pensamento era realizada procurando observar os limites e as funções de cada um destes distintos tipos de conhecimento. De um lado havia a revelação natural acerca de Deus que seria encontrada na Criação, e de outro, havia a revelação sobrenatural (Escrituras) mediante a qual Deus iria se relacionar religiosamente junto da humanidade. No entanto, tanto os mandamentos éticos da Bíblia, como as situações históricas narradas pelos profetas e apóstolos na Bíblia, e especialmente o nascimento, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, vieram a se tornar os elementos da doutrina cristã mais analisados e criticados pela nova vertente intelectual racionalista do século 18. Neste contexto, eis que surgiu no século 19 na Europa, um movimento teológico cristão que tanto tomou nas mãos a responsabilidade de responder diretamente às questões levantadas pelo iluminismo, como igualmente, acabou sendo bastante influenciado pelo intelectualismo racionalista, o qual veio a ser denominado de Protestantismo liberal. O Protestantismo Liberal clássico é um movimento do pensamento cristão moderno que surgiu na Alemanha na metade do século 19, vindo a desenvolver o entendimento de que as crenças e a fé do Cristianismo deveriam ser renovadas e reformuladas, de maneira que todos os seus dogmas religiosos deveriam se adequar ao conhecimento moderno. Ao mesmo tempo em que se propunha a revisitar qualquer ensino e dogma religioso a partir dos parâmetros da razão, o iluminismo tornou-se um movimento gerador de grandes transformações sociais assim que se posicionou contra os próprios ideais da monarquia francesa. As conquistas científicas que progrediam no século 18 enquanto este movimento continuava influenciando os intelectuais e cientistas, também fortaleceram os ideais de que as leis naturais relacionadas aos seres humanos deveriam se submeter igualmente aos critérios da razão, fazendo surgir o pensamento de que a religião deveria existir em separado ao Estado e de que a liberdade de expressão deveria se tornar o valor principal da sociedade. O Iluminismo estava se tornando um grande movimento progressista através do qual os intelectuais entendiam que seria possível estabelecer normas gerais de direitos civis para todos os homens. (Werner, p 194) Alguns personagens franceses foram essenciais para as mudanças políticas e sociais que iriam acontecer a partir da Revolução Francesa e durante todo o século 19 na Europa e Novo Mundo: François-Marie Arouet, Voltaire, que desenvolveu ideias de tolerância religiosa e liberdade de imprensa; Carlos de Secondat, o Barão de Montesquieu, que defendeu um governo compartilhado junto da sociedade através da divisão de poderes entre o legislativo, executivo e judiciário; e, finalmente, o filósofo Jean Jacques Rosseau, que apresentou um modelo de governo civil que deveria gerenciar os direitos e os deveres da sociedade, afirmando que os governantes deveriam se tornar empregados do povo a fim de promover a liberdade e a justiça. (Gonzalez, p 327). As posturas e reflexões oriundas do contexto histórico e ambiente intelectual do iluminismo denunciavam uma ordem social bastante injusta na Europa do século 18, vindo a se tornar uma proposição existencial que iria gerar grandes transformações a partir da Revolução Francesa de 1789, conforme veremos no próximo tópico do capítulo. 6.2 A REPÚBLICA E A ASCENÇÃO DA BURGUESIA. Contexto histórico e político. A proclamação da primeira República francesa no dia 21 de setembro de 1792 determinou o fim do sistema de governo absolutista e monárquico francês, tornando-se um fato histórico que impulsionou o surgimento de diversos governos republicanos na Europa durante os séculos 19 e 20, os quais desenvolveram as propostas iluministas da igualdade social na sociedade, junto de um governo equilibrado a partir da divisão de seus poderes entre o legislativo, o judiciário e o executivo. O termo “República” origina do latim “res publica” (coisa pública), sendo um sistema político de Estado organizado basicamente através de um consenso social que se constrói a partir da vontade do povo – que elege um chefe de governo junto dos representantes da sociedade no congresso e dos magistrados, que atuam na justiça. Atualmente, trata-se de um sistema de governo identificado pelo fato de que sua autoridade é oriunda da vontade do povo, ao contrário da monarquia, por exemplo, que tem as bases de seus direitos na hereditariedade familiar do rei. Observe que a Revolução Francesa do século 18 somente ocorreu porque houve um confronto entre a classe social dominante – a aristocracia, diante de uma classe social ascendente desde os fins da Idade Média – a burguesia. Sendo que a aristocracia dominante sobre o Estado francês era formada pelo clero e pela nobreza, que submetiam o resto da população composta de burgueses e camponeses. Pois, ao mesmo tempo em que a monarquia se fortalecia como um poder central de cada um dos territórios europeus mobilizando investimentos através da expansão das rotas marítimas, da organização das colônias comerciais e pela construção de estradas, igualmente propiciou por meio destes empreendimentos que a burguesia viesse a se fortalecer dentro da sociedade. Eis a razão e motivo para que estes movimentos modernos que transformaram o sistema de Estado absolutista monárquico num Estado liberal progressista, os quais foram implementados sob a liderança da classe burguesa a partir de valores iluministas, viessem a ser intitulados historicamente de “revoluções burguesas”. De tal forma que o crescimento do comércio e o incremento de um sistema financeiro nas sociedades da Idade moderna desencadearam tanto um enfraquecimento do poder da monarquia, quanto um contínuo abandono do sistema do feudalismo, em prol do mercantilismo e do artesanato burgueses. A crise econômica francesa gerada pelas guerras em que era protagonista ou se envolvia (revolução americana), e o alto custo do estilo de vida da aristocracia se tornaram motivos para que a monarquia viesse a cobrar mais impostos da produção agrícola dos camponeses, além de dificultar o avanço do comércio da burguesia que desejava implementar um sistema capitalista em substituição ao feudalismo. Foi dentro deste contexto histórico, social e econômico que o rei Luiz XVI convocou em 1789 a Assembleia dos Estados Gerais. (...) Nesse contexto de grandes transformações sociais e políticas oportunizadas pelos valores iluministas, a Igreja Cristã vivenciava situações diferentes dependendo da região em que estava localizada e da doutrina que seguia, se Católica ou Protestante. Na França, a Igreja Católica sofreu uma forte oposição dos líderes do Iluminismo, que afirmavam que o Cristianismo se tornara um sistema de doutrinas ultrapassado, sendo praticamente um símbolo do antigo sistema social opressor. Ao mesmo tempo, tanto na Inglaterra Anglicana, quanto na Alemanha Protestante, os pensamentos iluministas não foram tão radicais, vindo inclusive a contribuir no desenvolvimento das reflexões religiosas, até pelo fato destas duas nações terem vivenciado alguns valores do movimento cristão pietista – que ressaltava a importância da experiência da fé como um aspecto fundamental da vivência cristã, sendo este um fator que acabou enfraquecendo a influência do racionalismo nestas duas nações, e consequentemente as críticas iluministas ao Cristianismo. (McGrath, p 128). Enfim, o fato é que os próprios valores do Iluminismo e as condições econômicas da Burguesia que se tornaram tão essenciais para promover a Revolução Francesa, se tornaram fatores estruturais e políticos essenciais para as novas organizações sociais liberais que vieram se desenvolver na Europa e na América no decorrer dos séculos 19 e 20, as quais se tornaram sistemas preponderantes na sociedade tanto através do regime capitalista, quanto pelo estilo de governo democrático. Em meio a todos esses acontecimentos, a sociedade da Idade Moderna iria se transformar gravemente a partir das grandiosas mudanças que seriam desenvolvidas pela Revolução industrial e pelas Revoluções republicanas durante o século 19. 6.3 O POSITIVISMO E O SÉCULO 19. Desde o século 18 a sociedade europeia vinha experimentando grandes transformações a partir do Iluminismo e da Revolução industrial, que já avançava na Inglaterra até chegar ao continente no século 19. Foi o surgimento histórico da chamada sociedade modernista, que apresentava uma realidade de convívio e organização sociais inteiramente novas a partir das influências e consequências da industrialização e do capitalismo, trazendo consigo, também, uma desintegração do convívio comunitário em meio ao crescimento das injustiças sociais. Os pensadores da época voltaram sua atenção para as relações sociais utilizando os mesmos princípios de análise que haviam orientado as reflexões da chamada Idade da razão iluminista, que buscava observar a realidade atrás de fatos que pudessem ser comprovados, conforme já ocorria nas áreas de conhecimento da física e astronomia. Neste contexto, o homem que seria o precursor de uma disciplina específica para a ciência dos estudos da sociedade, a Sociologia, foi o francês Auguste Comte (1798-1857), que desenvolveu os argumentos da chamada filosofia “positivista”, defendendo a ideia de que qualquer conhecimento válido requer ser apreendido mediante a realização de questionamentos científicos. (Simoni, p 18). “O nome “positivismo” tem sua origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro, definitivo. Como escola filosófica, derivou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder dominante e absoluto da razão humana em compreender a realidade e demonstra-la sob a forma de leis que iriam regular a vida do homem, da natureza e do mundo. Observe que o pensamento social de Auguste Comte se organizou sobre os fundamentos do contexto científico-filosófico de sua época, pois enquanto a revolução francesa e a industrialização lhe forneciam um novo sistema social de análise, a razão iluminista do conhecimento científico acabou se tornando a base de seu modelo de reflexão para as ciências humanas, que viriam a estudar os fenômenos das relações sociais. O propósito do pensador francês era de que esta nova “ciência da sociedade” pudesse identificar as leis próprias da vivência comum dos homens, trazendo um entendimento acerca da maneira como ocorrem os processos sociais da humanidade, a fim de que fosse possível tanto prever, como igualmente tratar os possíveis males sociais que sobreviriam no futuro. Era necessário que esta nova ciência fosse capaz tanto de esclarecer os movimentos das dinâmicas sociais, quanto de definir a melhor maneira de realizar a transformação da sociedade. Enquanto os intelectuais se preocupavam em propor análises acerca dos ganhos e perdas oriundos das mudanças políticas e sociais surgidas no contexto das repúblicas e da industrialização, a Igreja na Europa se debatia tanto com a realidade dos novos Estados organizados, que eram críticos da religião, como precisava oferecer respostas teológicas aos grandes avanços racionais e filosóficos do século 19. Sendo que ao mesmo tempo em que os teólogos se dedicavam a esclarecer e organizar doutrinas mais científicas e históricas para o cristianismo, o povo cristão, tanto católico como protestante, buscava nas experiências simples da fé praticar uma religiosidade mais pessoal, envolta em emoções e sentimentos, que auxiliavam tanto na conversão, quanto na renovação de sua caminhada sagrada diante de Deus. Em meio às mazelas sociais oriundas de um excepcional crescimento populacional urbano e de um capitalismo industrial vigoroso, as Igrejas tanto se distanciaram dos mais pobres, conforme ocorreu em algumas regiões da Alemanha protestante, como, também, buscaram se aproximar das camadas mais populares através da organização de ordens e missões orientadas por valores caridosos e das ações sociais, como o Exército da Salvação, na Grã-Bretanha, as Irmãs de Caridade e a Sociedade São Vicente de Paulo, na França, além da Missão Interior de Johann Wichern, na Alemanha. (Chadwick, p 143). O fato é que o século 19 pode ser considerado igualmente um século de transição para o Cristianismo, posto que as mudanças tecnológicas e políticas, científicas e econômicas e as consequentes transformações sociais desta época, acabaram gerando para a Igreja uma realidade religiosa e institucional que requeria uma constante adequação às novas situações que vieram a dominar este período da história da humanidade. Enquanto isso, as Ciências da religião também se organizavam como uma disciplina dedicada ao estudo das relações existentes entre os fenômenos religiosos e a realidade social dos homens, sendo que especialmente acerca das relações sociais, vimos a maneira como Auguste Comte preocupou-se em transformar as observações da sociedade em uma ciência científica, algo que foi sedimentado a partir de 1824, assim que ele desenvolveu o seu “Curso de filosofia positiva”. Sendo que a disciplina da Sociologia enquanto um estudo mais abrangente da sociedade em todas as suas vertentes veio a se fortalecer já ao final do século 19, a partir dos estudos de Emile Durkheim que buscou estrutura-la como se fora uma espécie de organismo humano, em que cada órgão teria uma função própria e definida. Porém, essa compreensão mais científica acerca do estudo da sociedade veio a ser criticada por outros sociólogos, como Karl Marx (1818-1863) e Max Weber (1864-1920), sendo que enquanto Marx e Durkheim entendiam que o capitalismo e a industrialização eram os mecanismos fundamentais da mudança social na Idade Moderna, Weber se dedicou ao estudo interpretativo dos fenômenos sociais, enfatizando as influências na mecanização da vida secular do indivíduo. Sendo que a partir do século 20 a Sociologia viria a se desenvolver cada vez menos enquanto uma disciplina científica, tornando-se uma área de pesquisa voltada para as sensações do indivíduo e para a compreensão da maneira como as instituições atuam sobre a vida das pessoas.” (Simoni, p 19)." Esse texto de introdução histórica e conteúdos do Iluminismo e pensamento moderno utilizou uma citação do livro: O Cristianismo e a Civilização Ocidental. Ivan Rüppell Jr e Marli Turetti. Editora Intersaberes, Curitiba, 2020. Autor. Ivan Santos Rüppell Júnior é professor de ciências da religião e teologia, e ministro licenciado da Igreja Presbiteriana do Brasil.

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