sexta-feira, 30 de outubro de 2020

A Justificação pela Fé nas INSTITUTAS de J Calvino

Esse texto contém o pensamento do reformador João Calvino sobre o tema da “Justificação pela Fé”, conforme exposto em quatro tópicos no terceiro livro das Institutas. O maior exegeta da Reforma dedicou grande parte de sua vida para articular uma teologia didática e profunda do conhecimento de Deus na Bíblia, no interesse de orientar os cristãos líderes e leigos numa boa doutrina protestante. O texto a seguir foi escrito através de resumos, citações e paráfrases, a partir do Resumo das Institutas, de J. P. Willes. Boa leitura! LIVRO TRÊS. Tópico 11. A Justificação pela Fé. A maior dádiva do amor de Deus por nós é Cristo, e iremos tomar conhecimento e experimentar as suas bênçãos através de dois benefícios principais. Primeiro, sabendo que somos reconciliados com Deus mediante a inocência de Cristo, e assim, temos um Pai clemente nos céus ao invés de um Juiz. Segundo, enquanto o Espírito santifica as nossas personalidades, passamos a experimentar a inocência e a pureza verdadeiras da vida. A nossa reconciliação com Deus mediante a Justiça de Cristo é a principal doutrina dos fundamentos da nossa religião. Pois, até que o homem conheça a sua verdadeira posição perante Deus e de como estamos situados diante da sua Justiça, jamais teremos uma base firme de esperança para nossa salvação, a fim de que venhamos adorar ao Senhor de maneira satisfatória. Observe que um homem é justificado perante Deus quando ele é considerado justo no julgamento do Senhor, sendo então, aceito por Deus. Pois todo pecado é odioso a Deus e os pecadores não irão permanecer na sua presença, se os pecados que eles praticaram forem levados em conta, afinal, a ira de Deus é revelada toda vez que algum pecado é achado na vida do homem. No entanto, quando um homem é considerado justo, e não mais um pecador diante de Deus, dizemos que esse homem foi justificado! Dessa forma, esse homem vai ficar de pé diante do tribunal da justiça de Deus, enquanto os pecadores ali irão cair. Observe que, um homem inocente poderia ser declarado justificado diante de um juiz, se fosse demonstrado no tribunal que ele não é culpado de nada do que o acusam; e assim, da mesma forma, uma pessoa que tem Deus por sua testemunha e por garantia da sua justiça, de igual modo, ela será considerada justificada diante do Senhor. Ao mesmo tempo, um homem seria justificado por suas próprias obras se fossem achadas na sua vida aquela pureza e santidade que fizessem Deus declarar que ele era um justo. E nesse mesmo propósito, mas numa outra perspectiva, também pode-se dizer que um homem teria condições de ser declarado justo diante de Deus e justificado perante o Senhor, quando ele, ainda que não tenha praticado as suas próprias obras de justiça, viesse a receber e incorporar na sua pessoa e existência a justiça das obras praticadas por Jesus Cristo. Nessa situação, quando esse homem é revestido das obras da justiça de Cristo, ele tem a condição de se colocar diante de Deus como uma pessoa justa, e não mais, como um pecador. Nesse caso, o significado da justificação consiste na retirada da condenação dos pecados praticados por esse homem, e na declaração da justiça vivenciada por Cristo, sobre ele. Agora, irei mencionar algumas das muitas provas que as Escrituras dão sobre essa doutrina. Observe que, quando Paulo diz que as Escrituras previram que Deus justificaria os gentios pela fé; o que estaria ele dizendo senão, que Deus considera que eles são justos exatamente pela fé? (Gálatas 3.8). E quando Paulo diz que Deus justifica o ímpio “que tem fé em Jesus”; o que poderia ele dizer senão, que Deus está utilizando a fé como um instrumento para libertar os ímpios da condenação, que a sua impiedade merece? (Romanos 3.26). O apóstolo fala disso de forma direta na mesma carta, ao clamar: “Quem se atreve a acusar os escolhidos de Deus? Ninguém, pois o próprio Deus nos declara justos diante d´Ele. Quem nos condenará, então? Ninguém, pois Cristo Jesus morreu e ressuscitou e está sentado no lugar de honra, à direita de Deus, intercedendo por nós.” (Romanos 8.33-34). Paulo destaca o seguinte argumento: Quem vai acusar aqueles que Deus inocentou? Quem vai condenar aqueles por quem Jesus intercede? Portanto, já que Deus nos declara justos devido à intercessão e mediação de Jesus Cristo, também sabemos que não somos ou seremos inocentes a partir de nossos próprios atos, mas sim; nós somos inocentes porque a Justiça de Cristo foi entregue e colocada sobre a nossa pessoa. Por isso, quando o publicano voltou para sua casa justificado, não se pode dizer que ele alcançou a justiça pelos méritos das obras que ele praticou; mas sim, dizemos que ele foi justificado porque Deus o declarou inocentado. Porém, a melhor passagem bíblica para confirmar essa doutrina é a declaração que expõe a síntese da mensagem do evangelho, em 2 Coríntios 5.18-21: “E tudo isso vem de Deus, aquele que nos trouxe de volta para si por meio de Cristo e nos encarregou de reconciliar outros com ele. Pois, em Cristo, Deus estava reconciliando consigo o mundo, não levando mais em conta os pecados das pessoas. E ele nos deu esta mensagem maravilhosa de reconciliação. Agora, portanto, somos embaixadores de Cristo; Deus faz seu apelo por nosso intermédio. Falamos em nome de Cristo quando dizemos: “Reconciliem-se com Deus!” Pois Deus fez de Cristo, aquele que nunca pecou, a oferta por nosso pecado, para que por meio dele fôssemos declarados justos diante de Deus.” Muitos imaginam que a Justificação cristã é parcialmente pelas obras e parcialmente pela fé; mas as Escrituras ensinam que a justificação pela fé e a justificação pelas obras são de tal maneira opostas entre si que, se uma ficar de pé, a outra deve cair. Nós só iremos confiar plenamente na misericórdia de Deus e na perfeição de Cristo para nossa justificação, quando abandonarmos qualquer confiança e expectativa de sermos justos por nossas próprias obras e atitudes. Agostinho diz que nesta vida a justiça dos cristãos consiste mais na remissão dos seus pecados, do que na perfeição de suas virtudes. E outro escritor antigo anuncia de forma admirável essa questão, ao dizer: “Não pecar é a justiça de Deus; receber perdão de Deus é a justiça do homem!” LIVRO TRÊS. Tópico 12. Para entender a Necessidade da Justificação Gratuita, devemos elevar os pensamentos para o Trono do Julgamento Divino. Observe que nossa necessidade de receber uma justificação graciosa da parte do Senhor, decorre do fato de que o julgamento que vai avaliar nossas vidas não será num tribunal humano, mas sim, diante do tribunal de Deus! E isso requer levar em conta a perfeição das obras que poderão ser aceitas ali. Pois a Justiça de Deus só irá considerar e aceitar o que está absolutamente perfeito e livre de qualquer mancha de impurezas. Vamos meditar juntos: “Como responderemos diante do tribunal de Deus quando Ele nos chamar para prestar contas?” Deus não é um Juiz do tipo que imaginamos, mas sim, Ele é conforme está descrito nas Escrituras: Ele é um Juiz cujo esplendor deixa as estrelas ofuscadas, e por cujo poder as montanhas são derretidas, por cuja ira a terra é sacudida, por cuja sabedoria os sábios são presos na sua astúcia; de quem se diz: “Os céus não estão puros à sua vista”. E que não irá inocentar os culpados de qualquer jeito, pois sua vingança, uma vez despertada, alcança até as profundezas do inferno. Se Deus subir ao seu trono para examinar as obras dos homens, quem ficará em pé diante d´Ele? E se Ele guardar um registro de nossas iniquidades, quem poderá sobreviver? (Salmo 130.3). A sua justiça ultrapassa a nossa compreensão, e se for exigido que a nossa vida seja conforme a sua lei para que sejamos absolvidos no seu Tribunal e aceitos na sua Presença, então, devemos tremer diante das maldições reveladas no propósito de nos acordar para esta realidade, especialmente a que diz: “Maldito quem não confirmar e cumprir os termos dessa lei.” (Deuteronômio 27.26). Portanto, devemos ficar atentos para os juízos deste tribunal, ao invés de ficar olhando para nossas boas intenções e ações. Pois, mesmo pensando que somos iguais a outros homens, ou melhor do que eles, isto nada tem a ver com a realidade de que todos nós iremos, sim, comparecer diante de Deus! Jesus disse o seguinte para aqueles que se consideravam justos a seus próprios olhos: “Vocês gostam de parecer justos em público, mas Deus conhece o seu coração. Aquilo que este mundo valoriza é detestável aos olhos de Deus.” (Lucas 16.15). A sabedoria de Salomão ensina que “todo caminho do homem é reto aos seus próprios olhos”, porém, o “Senhor sonda os corações” e “pesa os espíritos” (Provérbios 21.2, 16.2). Assim, enquanto o homem se lisonjeia com uma aparência vã de justiça, o Senhor coloca a sua vida numa balança, até revelar a iniquidade oculta de seu coração. Portanto, não vamos mais nos iludir desta forma, pois isto só aumenta a nossa própria destruição. A análise e compreensão correta acerca da nossa existência requer que estejamos diante do tribunal de Deus. A luz do Senhor é necessária para penetrar os recantos profundos e ocultos de nossa natureza corrompida; e somente nessa luz iremos compreender a veracidade das palavras de Isaías: “Todos nós nos desviamos como ovelhas; deixamos os caminhos de Deus para seguir os nossos caminhos.” (53.6). Por isso, devemos realizar um exame severo acerca de nós mesmos, para logo perceber a realidade da nossa dor e desgraça, pois somente assim estaremos preparados para receber a graça de Cristo, já que Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes Ele dá sua graça! Sim, as Escrituras testificam continuamente que devemos ser humilhados antes que possamos ser exaltados, e nosso excelentíssimo Mestre Jesus de Nazaré demonstra esta verdade como num quadro, na parábola do fariseu e do publicano; pois somente aquele que se humilhou e confessou seus pecados voltou justificado para sua casa. A sonolência dos pecadores que não prestam atenção no julgamento de Deus, enquanto se embriagam com a doçura de seus vícios, colocam a si mesmos num estado constante de preguiça e inércia, e assim, não demonstram interesse na misericórdia oferecida no Evangelho. Esta sonolência e toda a confiança em nós mesmos deveriam ser jogadas fora, para que todos possamos correr para Cristo, a fim de preencher as nossas almas vazias e famintas com as bênçãos que Ele nos oferece. Pois só iremos confiar em Cristo assim que viermos a desconfiar de nós mesmos, e nunca seremos exaltados até que sejamos humilhados; já que nunca acharemos consolo n´Ele até que sintamos o real vazio e desolação que alcançamos, quando confiamos em nós mesmos.” LIVRO TRÊS. Tópico 13. A Justificação pela Fé Glorifica a Deus, e traz Paz à Consciência. As Escrituras exortam o povo fiel para que somente Deus receba toda a Glória acerca da Justiça, sendo que o Apóstolo Paulo esclarece que Deus derramou sobre nós a Justiça de Cristo, exatamente no propósito de declarar ao mundo qual era o tipo e modelo da única e singular Justiça proveniente de Deus, a qual pertence somente a Ele. Deus fez assim para que a humanidade viesse a reconhecer que somente Deus é Justo, sendo também, o único Justificador dos homens. (...) Saiba que a justiça operada em nós pela regeneração nunca será perfeita e completa enquanto estivermos neste corpo, e por isso, se dependermos dela para sermos aceitos por Deus, teremos um grande número de razões que só irão aumentar nossas dúvidas e temores. O único remédio é edificar nossas esperanças no fundamento acima, isto é, que somos enxertados no corpo de Cristo, e, portanto, somos livremente justificados n´Ele! LIVRO TRÊS. Tópico 14. O Começo e o Progresso contínuo da Justificação. Para expor mais claramente a nossa doutrina, vamos classificar os homens em quatro grupos. a) aqueles que estão atolados na idolatria sem qualquer conhecimento de Deus; b) aqueles que por suas vidas impuras negam o mesmo Deus que confessam com suas bocas, e que se tornam meros cristãos nominais; c) os hipócritas que escondem a maldade de seu coração mediante aparências vãs; d) e, aqueles que são regenerados pelo Espírito de Deus e seguem na santidade. Se houver no primeiro grupo alguns homens com atitudes morais dignas de reconhecimento exterior, parecendo que possuem alguma medida de santidade; não devemos esquecer que Deus não olha apenas para a aparência externa, mas sim, para o coração. (...) O segundo e terceiro grupos podem ser reunidos num só. A impureza das suas consciências prova que nenhum deles foi ainda, regenerado pelo Espírito de Deus; e, não sendo regenerados, não tem fé! Daí fica claro que ainda não estão reconciliados com Deus, e nem justificados diante d´Ele. No entanto, todos os ímpios, especialmente os hipócritas, embora saibam que seus corações estão cheios de impureza, ainda pensam que as suas boas ações são dignas de aceitação. Vamos ver agora, quanta justiça pode ser encontrada no quarto grupo. Nós sabemos que ao ser reconciliados com Deus mediante a Justiça de Cristo, sendo então, considerados justos devido à retirada da condenação oriunda de nossos pecados; o que vai ocorrer a partir daí é que Deus vem habitar em nossas vidas pelo Seu Espírito, para nos santificar pelo Seu poder. No entanto, nesta nova situação, ainda vamos carregar conosco a vaidade daquelas obras que iremos continuar praticando por nós mesmos, algo que vai exigir que o nosso orgulho seja refreado continuamente pela virtude da humildade. Desta forma, não devemos esquecer que, jamais alguma boa obra foi realizada por qualquer homem na história; e mesmo que algo bom tivesse sido realizado, essa atitude perderia seu valor, pelas outras obras imperfeitas de que seu autor seria culpado de ter praticado. Portanto, os cristãos não devem colocar nenhuma confiança nas suas próprias boas obras, mas simplesmente, devem considera-las como dádivas da bondade de Deus e sinais da sua própria vocação e eleição. Pois é um erro comum supor que nossa justiça poderia ser realizada parcialmente pelas nossas próprias obras; razão pela qual, devemos vigiar cuidadosamente contra essa ideia, recordando que a Justiça de Deus vem a nós somente através de Cristo, e unicamente pela fé! (WILES, Joseph Pitts. As Institutas da Religião Cristã – um resumo. João Calvino. Tradução do inglês: Gordon Chown. Publicações Evangélicas Selecionadas, São Paulo, SP, 1984. p 246-255). Autor: Ivan Santos Rüppell Júnior, Pastor da Igreja Presbiteriana Olaria, Curitiba/PR e Professor de Ciências da Religião.

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