segunda-feira, 21 de agosto de 2023

APOLOGÉTICA. Texto 3. Seminário Presbiteriano do sul - extensão Curitiba.

ORIENTAÇÃO. Esse texto tem objetivo didático de orientação para a disciplina Apologética do Curso de Teologia do Seminário Presbiteriano do Sul - extensão Curitiba. O texto contém resumos e citações longas, de diversos livros e obras, devendo ser utilizado somente como apoio do estudo da disciplina. Professor Ivan Santos Rüppell Jr, 2024. PARÁGRAFO. APOLOGÉTICA. TÓPICO 1. A IMPORTÂNCIA DO PÚBLICO. "Apologética para judeus: o discurso de Pedro no Pentecostes (At 2). Apologética para gregos: o sermão de Paulo em Atenas (At 17). Apologética para romanos: os discursos de cunho legal de Paulo (At 24-26). Apologética e públicos: questões gerais - questões específicas." (Mcgrath, sumário, 2013). Posto que o Evangelho deve ser comunicado com eficácia, a apologética se preocupa tanto com a "análise teológica da proclamação cristã", como igualmente, "com a aplicação imaginativa e criativa de seus elementos constituintes a diferentes públicos." Neste sentido, percebemos o modo em que o Novo Testamento apresenta "argumentos apologéticos e estilos de interação" voltados para "públicos específicos, com o objetivo de facilitar a interação com eles." Observe o modo em que Paulo utiliza o tema familiar e social da "adoção" para anunciar aspectos da Redenção teológica cristã, no entanto, tal situação não era comum para o judaísmo, e sim, bastante evidente na sociedade greco-romana; sendo um argumento usado nas cartas aos romanos, efésios e gálatas. Deve-se anotar que a maioria das cartas do NT foi escrita para cristãos, porém, "dois livros do Novo Testamento partem do presssuposto de que seu público seja constituído por descrentes interessados na fé: os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos." (Mcgrath, p 56-57, 2013). As narrativas e argumentos dos Evangelhos apresentam o encontro de Jesus com pessoas e povos descrentes, enquanto que o livro de Atos apresenta situações diversas em que o Apóstolo Paulo e Pedro desenvolveram declarações de base apologética. (*observe que a série The Chosen traz seu foco na realidade social, familiar e pessoal dos que estiveram diante de Jesus nas narrativas históricas dadas nos Evangelhos). "As primeiras estratégias apologéticas registradas no livro de Atos oferecem insights importantes de métodos apologéticos autênticos encontrados na Bíblia, além de sugerir táticas de interação com grupos específicos de grande importância para o desenvolvimento da igreja primitiva." (Mcgrath, p. 57, 2013). Apologética para judeus: o discurso de Pedro no Pentecostes (At 2). "É evidente que uma das questões fundamentais dizia respeito à identidade de Jesus, sobretudo sua posição em referência ao povo de Israel." Análise de Atos 2.14-40. Descrição dos acontecimentos, 14-21; Descrição da exaltação de Jesus conforme profecias, 22-28; Exaltação de Jesus à luz da teologia, 29-36; Convite ao arrependimento e salvação, 37-40. "O primeiro assunto a observar aqui é a forma em que a apologética de Pedro está diretamente relacionada com os temas que eram importantes e compreensíveis para o público judeu." Observe que, "a apologética histórica é vulnerável. Ela detalha fatos; o evangelho se preocupa com a intepretação dos fatos", pois não apenas propõe a evidência dos acontecimentos, mas se dedica ao sentido e valor existencial do que está sendo narrado. Assim, "na verdade, pode-se dizer que é o significado neles percebido que confere duração histórica aos fatos." (Mcgrath, p 59, 2013). "Apologética para gregos: o sermão de Paulo em Atenas (At 17). (...) De acordo com Lucas, Paulo começa seu discurso aos atenienses com a introdução gradual do tema do Deus vivo, permitindo assim que a curiosidade religiosa e filosófica dos atenienses desse forma à sua exposição teológica. O apóstolo apela ao "sentido de divindade" presente em todas as pessoas como ponto de contato com a fé cristã. (...) Aquilo que os gregos consideravam impossivel de saber, porque talvez fosse incognoscível, Paulo diz que se tornou conhecido pela ressurreição de Cristo. O apóstolo estabelece uma relação com o mundo experiencial e cognitivo de seu público, mas sem comprometer a integridade da fé cristã." (Mcgrath, p. 62, 2013). "Apologética para romanos: os discursos de Paulo de cunho legal (At 24-26). A convivência dos cristãos diante dos romanos trazia um aspecto de conflito bastante grave, devido ao culto ao imperador, que dentre outros aspectos, buscava manter a ordem social em todas as regiões conquistadas e administradas por Roma. Neste contexto, participar de cultos cristãos podia ser considerada uma experiência de rebeldia e agressão política, sendo que "Paulo foi acusado exatamente desse tipo de sublevação em dado momento de sua carreira", conforme Atos 24.1-8. Ao responder ao que fora acusado, Paulo desenvolve uma defesa legal (apologia em grego) que irá se tornar um fundamento das declarações da apologética. Os capítulos 24 a 26 do livro de Atos trazem as declarações de Paulo neste propósito, sendo que o modelo e padrão de seus argumentos e a situação em que são desenvolvidos representam com exatidão a realidade das reuniões oficiais dos tribunais romanos do primeiro século. O que importa aos apologetas não é tanto o resultado das declarações dadas por Paulo, mas sim, anotar o modo em que "Paulo sabia de que maneira os tribunais romanos avaliavam as provas, e isso lhe permitiu trabalhar em conformidade com o protocolo do sistema." Ao saber o contexto social e legal em que precisava manifestar sua fé e defender sua atitude, o Apóstolo Paulo "usa com muita eficácia as "regras de engajamento" do sistema legal romano. Ele entende a importância de certos argumentos aos olhos daqueles que tomariam as decisões que selariam seu futuro." Outro aspecto que causava problemas era a ignorância e má interpretação acerca dos conteúdos e ética da fé cristã, sendo que Paulo aproveitou a oportunidade para dar esclarecimento às autoridades sobre os valores e doutrina cristãos. Neste sentido, "para Paulo, defende melhor a fé cristã quem a explica." (Mcgrath, p. 64-66, 2013). PARÁGRAFO. TÓPICO 2. FUNDAMENTOS BÍBLICOS DA APOLOGÉTICA. 1 Pedro 3.15-16. "A apologética cristã (que nada tem a ver com "apologia" no sentido de pedir desculpas) busca servir a Deus e à igreja, ajudando os crentes a levar a cabo a ordem de 1 Pedro 3. 15-16. Poderemos defini-la como a disciplina que ensina os cristãos a dar uma razão para sua esperança." (Frame, p. 12, 2010). Apologética. Três aspectos. "1. Apologética como prova: apresentando uma base racional para a fé ou "provando que o cristianismo é verdadeiro". Jesus e discípulos davam evidências da veracidade do evangelho, como em João 14.11, 20.24-31, 1 Coríntios 15.1-11. Sendo que as próprias dúvidas dos cristãos serão tratadas pela apologética, num confronto aos que creem e que não creem. "2. Apologética como defesa: respondendo às objeções dos descrentes." O ministério de Paulo se movia na "defesa e confirmação do evangelho" (Fp 1.7, v. 16). A confirmação trata de respostas de esclarecimento argumentativo dadas às questões levantadas na igreja ou possíveis dúvidas na mente dos ouvintes, sendo um estilo e método de argumentação de Paulo em Romanos e Jesus no evangelho de João. "3. Apologética como ofensiva: atacando a estultícia (Sl 14.1, 1 Co 1.18-2.16) do pensamento descrente." Nesse entendimento, a comunicação do conteúdo cristão atua tanto para responder questões e tratar dúvidas, como para "atacar a falsidade", conf. 2 Coríntios 10.4-5, posto que o pensamento cristão é a verdade que deverá ser revelada. Há uma intercomunicação entre esses três tipos de apologética, de forma que a palavra dada a partir de um princípio trará valores dos outros, sendo três pontos de vista que se completam. "Para fornecer uma explanação completa da razão da crença (n. 1), a pessoa terá de justificar o raciocínio contra as objeções (n. 2) e as alternativas (n. 3) colocadas pelos descrentes", de forma que as três colocações se incluem e equivalem. Porém, é importante saber qual princípio norteia a nossa comunicação, posto que cada situação requer conteúdos e temas próprios para atender às dúvidas e enganos de sua questão. "Assim, em termos de apologética, será quase sempre útil indagar se um argumento tipo 1 poderá ser melhorado com alguma argumentação suplementar do tipo 2 ou 3 ou ambos." (Frame, p. 13-14, 2010). PARÁGRAFO. TÓPICO 3. PANORAMA HISTÓRICO. CONTEXTO. Patrística e Idade Média. (citação*) "O Cristianismo e a Idade Média. (...) Fundamentos Culturais e Teológicos: a Patrística e a Escolástica. O pensamento teológico de Santo Agostinho. (...) Ainda que o período inicial (primeiro milênio) da Idade Média seja denominado de Idade das Trevas, devido ao total controle que a Igreja Cristã exercia sobre a busca do conhecimento e a vivência cultural da humanidade, os períodos patrístico (anos 100 a 451) e escolástico (1300 a 1500) são considerados aqueles em que ocorreram alguns dos movimentos religiosos e intelectuais mais importantes da história. Foram épocas em que se buscou relacionar de forma harmônica a perspectiva racional da filosofia grega e os ensinamentos religiosos cristãos, no propósito de que as doutrinas do evangelho de Cristo fossem percebidas como coerentes e inteligíveis para a razão. Nesse contexto, o pensamento filosófico cristão somente se cristalizou como uma realidade conceitual na Idade Média porquanto fora gestado anteriormente a partir da razão oriunda da cultura grega e sob a segurança do poderio político do império romano. (Nauroski, 2017, p 32). Esse poder imperial tornou-se um braço governamental eclesiástico do Cristianismo assim que o imperador Galério (311) fez cessar a perseguição aos cristãos e Constantino promulgou o edito de Milão (313), o que propiciou a liberdade de culto público à fé cristã. Esse fato promoveu uma reconciliação entre Igreja e Estado, numa situação em que os entes políticos apoiavam inclusive, a prática de debates teológicos, pois as autoridades desejavam solucionar diversas controvérsias doutrinais. O objetivo era de que houvesse uma igreja una e indivisa em todas as regiões, o que fez a teologia cristã atingir seu apogeu enquanto definia nos credos ecumênicos os fundamentos de sua fé religiosa. (McGrath, 2013, p 43)." (Ruppell Jr e Turetti, 2020, Intersaberes). PARÁGRAFO. TÓPICO 4. TEÓLOGOS DA PATRÍSTICA. A defesa da fé. Há seis escritores que devem ser destacados no período patrístico. Justino Mártir, 100-165; provavelmente o maior apologeta do ségundo sec. na defesa cristã diante dos conceitos pagãos, tendo escrito "Primeira apologia" propondo que havia "sinais da verdade cristã em grandes escritores pagãos", vindo a desenvolver a doutrina da palavra geradora (logos spermatikos) pela qual Deus preparou o conhecimento do evangelho através de indícios na filosofia clássica. "Justino, nos fornece um importante exemplo inicial da tentativa de um teólogo em relacionar o evangelho à perspectiva da filosofia grega", como costume na Igreja do Oriente. (McGrath, p. 44-45, 2005). Ireneu de Lion, 130-200; Nascido na Turquia e sendo Bispo em Lion em 178, foi defensor da ortodoxia cristã diante do gnosticismo, tendo desenvolvido argumentos sobre a importância da tradição diante de interpretações não-cristãs, especialmente na obra, "Contra as Heresias". (p. 45, 2005). Orígenes, 185-254; tornou-se grande defensor do cristianismo no séc. III, desenvolvendo a interpretação alegórica no objetivo de diferenciar entendimento superficial do espiritual nas escrituras, sendo que, ao propor reflexão indicando diferenças entre a divindade plena do Pai e a divindade limitada do Filho, pode ter gerado as interpretações do arianismo. Tertuliano, 160-225; considerado Pai da teologia latina por sua importância na igreja do Ocidente. Orientou os fundamentos da doutrina da Trindade ao se opor ao pensamento de Marcião, que afirmava haverem deuses distintos no AT e NT. "Ele se opunha intensamente ao fato de a teologia ou a apologética cristãs tornar-se dependentes de fontes estranhas às Escrituras." Refletiu fortamente contra os da Academia de Atenas, criticando o uso de filosofias seculares na busca do conhecimento de Deus, valorando a suficiência das Escrituras. Atanásio, 296-373; foi importante ao tratar de temas valiosos no séc. IV, como na obra "a encarnação do verbo" em defesa de como Deus assumiu a natureza humana em Cristo, vindo a ser importante diante da controvérsia ariana; nos argumentos de que Deus não poderia salvar a raça humana se fosse somente uma criatura agindo, em Cristo; apontando ainda, que a igreja seria idólatra caso viesse adorar a Cristo, se ele fosse meramente humano. (p. 46, 2005). Agostinho de Hipona, 354-430. (citação:*) "Um importante personagem desse contexto foi Santo Agostinho, ou Aurélio Agostinho, que nasceu no norte da África em 354 d.C., e tendo sido criado pela mãe no conhecimento da fé cristã, acabou abandonando essa religião na juventude, vindo a retornar após ouvir as mensagens do Bispo Ambrósio de Milão, para ser batizado em 387, até tornar-se Bispo da Igreja em Hipona no ano de 396. Agostinho “pregou e escreveu prolificamente sobre controvérsias teológicas até sua morte... é considerado um dos maiores pensadores cristãos, e seus ensinamentos continuam a influenciar o pensamento cristão em todo o mundo ocidental.” (Fortino, 2014, p 221) Algumas das mais importantes controvérsias teológicas assumidas por Agostinho, que era tanto um entusiasta como também um crítico do pensamento de Platão, foram opostas diante dos maniqueus , quando ele defendeu a importância da autoridade da instituição, posto que não teria crido no Evangelho sem que isso lhe fosse determinado pela Igreja; e também, em um confronto junto aos donatistas, em que defendia a existência de uma autoridade universal da igreja, em detrimento do que se afirmava ser apenas um poder local. O debate mais famoso de que participou ocorreu a partir do ano 412, diante do monge britânico Pelágio, acerca do tema da graça de Deus, numa meditação sobre qual seria a amplitude do livre arbítrio do homem quando da percepção e desenvolvimento de sua salvação religiosa; sendo que a posição assumida por Agostinho afirmava que a humanidade era incapaz de voltar-se para Deus se não fosse pela graça de Cristo. (Chadwick e Evans, 2007, p 30) Ao tratar desse tema religioso que versava sobre a soberania de Deus e a responsabilidade humana, Agostinho defendia fortemente o ensino cristão da importância e realidade das duas proposições. O pensamento agostiniano compreende que o ser humano é incapaz de buscar a verdade de Deus, pois o episódio da Queda colocou a humanidade numa situação existencial débil e que inclina a vontade da espécie para o mal. Portanto, somente quando Deus visita o ser com a graça de Cristo é que a humanidade se torna capaz de exercer uma vontade livre, sendo ainda, conduzida por Deus nos passos que deverá caminhar em sua salvação: “A graça, de acordo com Agostinho, é um favor generoso e totalmente imerecido que Deus concede à humanidade, por meio do qual esse processo de restauração pode ser iniciado.” (McGrath, 2005 p 510) “A natureza humana foi, com certeza, originalmente criada sem culpa e sem pecado (vitium); mas essa natureza, que cada um de nós agora herda de Adão, precisa de um médico, pois está enferma... a deficiência que ofusca e incapacita todas essas excelentes habilidades naturais, motivo pelo qual essa natureza precisa ser iluminada e restaurada, não tem origem no criador irrepreensível, mas no pecado original, cometido por intermédio do livre arbítrio (liberum arbitrium). Por essa razão, nossa natureza culpada está sujeita a uma punição justa. (...) Mas Deus, que é rico em misericórdia... ressuscitou-nos para a vida em Cristo, por meio de cuja graça somos salvos. Mas essa graça de Cristo, sem a qual nem as crianças nem os adultos podem ser salvos, não é concedida como recompensa por méritos próprios, mas é gratuitamente (grátis) concedida e, por esse motivo, é chamada graça (gratia).” A nova realidade política e social que abrangia positivamente o Cristianismo através dos movimentos do Império Romano desde o século IV até a metade do século V (451), transformou a Igreja Católica numa força institucional que ampliou consideravelmente seus limites espirituais e territoriais enquanto Constantino estabelecia a cidade de Bizâncio (futura Constantinopla, atual Istambul) como a sede do Império em 330." (Ruppell Jr, e Turetti. Interesaberes, 2020). PARÁGRAFO. TÓPICO 5. SÍNTESE da Idade Média Antiga: o evangelho e o neoplatonismo (do século 5 ao 10). "O homem cujo pensamento proporcionaria a estrutura para a cultura medieval foi Agostinho de Hipona (354-430 d.C.), cujo livro A cidade de Deus haveria de moldar o pensamento de gerações ao longo do milênio seguinte." (Goheen e Bartholomew, p. 123, 2016). Agostinho dedicou-se firmemente na tarefa de contextualizar o evangelho em sua época, porém, estudiosos entendem que há indícios de proposições neoplatônicas no pensamento do grande filosófo e teólogo cristão, tanto por seu passado platônico como por ele ser discípulo de Ambrósio, pensador neoplatônico. Agostinho teve destaque na defesa do ponto de vista cristão sobre a criação, indo contra a visão neoplatônica de uma criação má, deu destaque à evidência do pecado em sua perspectiva religiosa e não criacional, vindo a propor que a redenção inclui aspectos de restauração da vida presente. No entanto, na obra "A cidade de Deus", Agostinho parece dedicar atenção para aspectos neoplatônicos, ao propor que o povo de Deus se preocupe em demasia com a cidade celestial, em detrimento da realidade humana; sendo algo que, mesmo não sendo tão explicito ou claro no pensamento de Agostinho, acabou por reverberar um valor demasiado espiritual para o cristianismo do período medieval: "Na visão de Agostinho (...) a esfera espiritual transcendente era a única esfera que de fato importava". "Essa orientação vertical deixaria profundas marcas no imaginário medieval: a vida humana estava cada vez mais voltada para a esfera "espiritual". (p. 124, 2016). Neste sentido, entende-se que "a orientação medieval voltada para o céu tem, portanto, elementos tanto cristãos quanto pagãos. O elemento neoplatônico pagão produziu uma orientação transcendental e vertical que solapava o viver cristão autêntico; mesmo assim, a influência cristã no período medieval moldou aquela cultura de maneiras que trariam muitos benefícios às gerações subsequentes." (Goheen, p. 124, 2016). PARÁGRAFO. SÍNTESE da Idade média tardia: o cristianismo platonizado e Aristóteles (do século 11 ao século 13). Os primeiros séculos do novo milênio viram uma Europa dedicada aos negócios e cultura, tecnologia e sociedade. "O elemento vertical e de negação do mundo característico da cosmovisão da Alta Idade Média foi confrontado por um interesse crescente neste mundo." (p. 125, 2016). O conflito de valores entre o pensamento do novo milênio diante do pensamento da era medieval foi valorado pela renovação do interesse em Aristóteles, quando universidades tiveram acesso às obras do filósofo, de modo que as proposições neoplatônicas mais espirituais do cristianismo medieval seriam confrontadas com as proposições de valor à realidade terrena da humanidade. De forma que, "o espírito mais secular e naturalista de Aristóteles rapidamente ganhou impulso na sociedade medieval." (p. 125, 2016). A atuação de Tomás de Aquino surge neste contexto, em que o teólogo buscou valorar a orientação espiritual cristã da idade medieval, sem desprezar o valor da vida experiencial humana que se buscava entender e desenvolver no decorrer da Idade Média. "Tomás de Aquino estava comprometido com a autoridade da Bíblia, ao mesmo tempo que também procurava dentro de sua fé um lugar para Aristóteles." (p. 125, 2016). Tomás de Aquino valorizava a criação e igualmente a vida cultural da humanidade como dons virtuosos e benditos de Deus, anotando que a observação razoável da realidade servia para bom conhecimento das obras de Deus. No desenvolvimento de suas ideias no interesse de valorar ambos os aspectos da realidade a partir da perspectiva do Deus Criador e Sustentador cristão, Tomás de Aquino propôs uma estrutura dualista que integrava ambas as visões, porém, as apresentando em um mundo superior, espiritual e transcendente, e um mundo inferior, físico e humano. "Ele, porém, subordinou tudo isso à alma, à igreja, à fé, à verdade revelada, à natureza ímpar da vida cristã e à teologia. (a seguir, um destaque crítico do autor:) No sistema filosófico de Aquino, a vida cultural ainda não é livre para se desenvolver como era o propósito de Deus." (Goheen, p. 126, 2016). Enquanto Agostinho entendia que a razão e razoabilidade deveriam servir à teologia, Aquino entende que as proposições e observações racionais também devem ser usadas empiricamente, no entendimento e percepção das leis naturais e sociais do mundo. "Essa nova definição conduziria a um interesse cada vez maior no mundo natural e a um aumento da confiança no poder da razão de compreender este mundo. Aqui se encontram as sementes da ciência moderna." (p. 126, 2016). Analistas entendem que a proposição de Aquino buscava valorar as duas realidades e ainda, mantê-las debaixo da graça de Deus, que a tudo move e sustenta, no entanto, teólogos como João Duns e Guilherme de Ockham (séculos 13 e 14) desligaram o andar de cima do debaixo, vindo a esquecer dos fundamentos bíblicos e da unidade cuidadosa desenvolvida por Aquino. "Nos séculos subsequentes, o andar de baixo - o do mundo natural, da vida cultural e da razão - foi sendo cada vez mais desvinculado do de cima. De fato, a maior parte da vida humana seria separada da autoridade de Deus e do poder do evangelho. A razão foi divorciada da fé (...) Nessas divisões estão as sementes do secularismo que logo floresceria na história do Ocidente (...) Se Deus e o cristianismo já eram basicamente irrelevantes para a maior parte da vida, por que não tornar completa sua irrelevância? (...) O secularismo que conhecemos atualmente tem sua fonte nas ideias de teólogos escolásticos da Idade Média Tardia." (Goheen, p. 127, 2016). O pensador Newbigin citado pelo autor reflete que mesmo com esse desenvolvimento negativo em alguns aspectos, acerca da proximidade entre cristianismo e cultura pagã que foi a tônica do primeiro milênio e início da Idade Média (praticamente entre os séculos 1 até 13), não se deve deixar de observar o modo positivo em que o cristianismo foi estabelecido como um valor e fundamento na vida cultural e social da Europa neste período da história. Ao observar a civilização hindu na Índia, formatada em valores religiosos distintos, Newbigin enaltece as conquistas político-sociais e humanitárias presentes na Europa, destacando o modo como a "cultura ocidental tem sido positivamente moldada pelo evangelho e que ainda vivemos, em grande parte, do capitual espiritual que ela gerou." (Goheen e Bartholomew, p. 128, 2016). SÉCULOS 15 e 16. O Renascimento e o Humanismo. "Enquanto os historiadores imaginavam a história dividida em duas eras - antes de Cristo e depois de Cristo -, na Renascença começou a surgir uma nova estrutura tríplice em que a história era dividida nos períodos antigo, medieval e moderno. (...) Contudo, é claro que a maior parte da Europa ainda estava muito arraigada na Idade Média. Alías, não foi senão no final do século 19 que a Renascença começou a ser reconhecida como um período histórico distinto da Idade Média. Mas é evidente que, em algum momento entre os séculos 14 e 17, os fundamentos religiosos da Europa mudaram." (Goheen, p. 129-130, 2016). Na época medieval, as disciplinas valorizadas eram do direito, teologia e lógica, havendo uma limitação da área do conhecimento a partir do cristianismo neo-platônico. Os séculos 14 e 15 renovaram o desejo pelo conhecimento clássico, com valorização da literatura, poesia e línguas. Ainda que um cristão venha a concordar com a abertura e interesse dados a esses ramos do conhecimento humano, especialmente as novas dedicações à ciência e tecnologia, deve-se destacar que a nova "orientação de seu pensamento se opunha cada vez mais a uma cosmovisão bíblica." (p. 131, 2016). Neste contexto, a partir da perspectiva de entendimento e desenvolvimento de uma postura apologética de diálogo e defesa da fé cristãs na sociedade, anotamos alguns aspectos importantes a partir do fim da Idade Média, que foram marcados por diversos movimentos e valores. (*citação, livro: O Cristianismo e a civilização ocidental, Rüppell Jr e Turetti). PARÁGRAFO. TÓPICO 6. RESUMO. IDADE MÉDIA. "A Renascença ou Renascimento foi um movimento de renovação cultural que surgiu no século 14 na Europa, vindo a formatar a cosmovisão ocidental da Idade Moderna a partir de elementos clássicos greco-romanos. A maior mudança ocasionada por este movimento foi colocar o ser humano no centro da sociedade, com suas reflexões e aspirações, capacidades e projeções, retirando das mãos da Igreja a condição de definir a maneira como a civilização deveria entender a realidade e organizar o mundo. Os principais líderes da Reforma Protestante iniciada em 31 de outubro de 1517 foram os teólogos Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino, que vieram a organizar os fundamentos teológicos e as propostas éticas de uma nova instituição religiosa cristã no ocidente. Este movimento trouxe grandes transformações na sociedade e na política, na economia e costumes da sociedade moderna, vindo a influenciar a Europa e o Reino Unido, e especialmente os Estados Unidos da América a partir do século 17. Enquanto o protestantismo se desenvolvia na primeira metade do século 16, a Igreja Católica Romana organizava o movimento da Contra-reforma em 1545, como um projeto de renovação e fortalecimento das doutrinas e das atividades da igreja romana. A liderança católica decidiu fortalecer as suas doutrinas diante do protestantismo e buscou investir em missões na Europa e restante do mundo. Os Estados Unidos da América foram descobertos em 1492 por Cristóvão Colombo, que se associou aos reis da Espanha num empreendimento que pretendia descobrir novas rotas comerciais ao oriente pelos mares. A conquista de Colombo estabeleceu uma relação duradoura e profícua entre a Europa e as Américas, abrindo espaço também para o incremento das missões cristãs, que enviavam sacerdotes junto dos colonizadores a fim de doutrinar os habitantes dos novos territórios. A Idade moderna foi marcada pelos debates entre dois ramos com pensamentos distintos acerca da teoria do conhecimento: o racionalismo, de René Descartes, que entendia que o conhecimento pode ser apreendido somente pela razão humana, na perspectiva de Platão; e o empirismo, de John Locke, que acreditava que o conhecimento é oriundo da observação do mundo exterior, com bases em Aristóteles. Sendo que as proposições racionalistas que entendiam que a lógica compreensão da realidade traria um conhecimento definitivo para a humanidade acerca da existência, foram colocadas em dúvida pelo filósofo Immanuel Kant, que buscou levantar dados acerca da complexidade e dos limites do alcance da teoria do conhecimento." PARÁGRAFO. TÓPICO 7. RACIONALISMO E EMPIRISMO. (texto anexo. * citação). I. O Racionalismo e o Empirismo. “A ideia de que a Terra gira em torno do Sol, e não o contrário, é aceita atualmente como fato. Mas no início do século XVII, essa teoria publicada pelo astrônomo polonês Copérnico em 1543, contradizia os ensinamentos da Igreja católica, gerando uma polêmica que envolveu os maiores cientistas da época, entre eles Galileu Galilei... As visões da Igreja e de Galileu diferiam por causa das diferentes formas de se chegar à “verdade”. De acordo com a Igreja, a verdade era revelada por Deus... A ciência, por outro lado, valia-se de observações experimentais...” Os movimentos intelectuais da modernidade e o pensamento cristão pós reforma protestante e contrarreforma católica se tornaram práticas racionais e religiosas de reflexão do ser e do mundo, que foram construídas numa dialética distintiva na história da humanidade, devido ao modo como tão gravemente influenciavam e questionavam uma à outra, enquanto também ampliavam significativamente o conhecimento cultural do ocidente. A integração entre estes elementos religiosos e culturais no cerne da civilização ocidental são uma amostra da importância da religiosidade na construção da sociedade, sendo que anotar alguns de seus elementos, e perceber suas conexões é um propósito de nossa pesquisa. I. 1. Introdução. A Teoria do Conhecimento (epistemologia) busca compreender a condição e a maneira pela qual os seres humanos adquirem conhecimento. Nesse contexto, o início da Idade Moderna foi marcado por duas correntes de pensamento que se dedicaram a aprimorar a busca do conhecimento diante das possibilidades e necessidades da época; que foram o racionalismo, sob a liderança do filósofo francês René Descartes, e o empirismo, que se serviu do empenho do inglês John Locke para seu desenvolvimento e propagação a partir da Inglaterra. No entanto, antes de avançar na compreensão dos conceitos destes dois pensadores, vale a pena recordar o entendimento clássico da filosofia a respeito do tema, a partir das reflexões de Platão e Aristóteles. Platão nasceu em Atenas (427-347 a.C.) e conviveu com Sócrates, sendo que o aspecto mais importante de seu pensamento está descrito na “Teoria das Formas”. Trata-se de um conceito que entende que a realidade material que conseguimos enxergar é uma imagem específica relacionada às formas, sendo que as “formas” tem o propósito de comunicar princípios do “ser” imanente ao nosso mundo. A partir desse entendimento, Platão explicava que o Logos (palavra) era a “forma” do Bem em nosso mundo, a fim de nos apresentar a lógica transcendente que organizava o Universo. O Cristianismo se utilizou dessa perspectiva filosófica platônica para identificar a encarnação de Jesus Cristo como sendo “o logos” de Deus; uma forma visível do princípio do ser, que tanto anunciava, como possibilitava aos homens alcançar o conhecimento da Verdade. Portanto, a maneira pela qual Platão entendia que era possível adquirir conhecimento pressupunha que o homem deveria praticar uma reflexão com dados oriundos somente da própria mente para compreender a realidade, pois o verdadeiro conhecimento já se encontrava no interior do homem. Aristóteles nasceu na Grécia (384-322) e desenvolveu um princípio de conhecimento que se baseava na observação da realidade, no objetivo de adquirir informações acerca da existência, vindo a se tornar o pensador mais influente de toda a cultura ocidental. Aristóteles frequentou a academia de Platão até que as diferenças entre seus modelos de pensamento fizeram com que ele fundasse sua própria escola em Atenas no ano 335 a.C., o Liceu, onde ele se dedicou ao estudo da natureza, através da observação do mundo natural na busca por realizar uma descrição de seus princípios. O Cristianismo da Idade Média utilizou o pensamento de Aristóteles através das argumentações de Santo Tomás de Aquino no século 13, que aproveitou o princípio da física aristotélica, com a ideia de que tudo que se move é movido por uma outra força superior, no objeto de explicar a existência soberana de Deus sobre o Universo. Portanto, Aristóteles entendia que a maneira pela qual pode-se adquirir conhecimento origina da análise dos dados que a observação da realidade exterior nos permite identificar no mundo. Observe, então, que tanto o racionalismo, que entende que o conhecimento depende somente da razão humana, como o empirismo, que orienta a busca do conhecimento a partir da observação do mundo exterior, tem bases no pensamento clássico de Platão e Aristóteles. Vamos nos dedicar agora a observar mais de perto estes dois movimentos, que influenciaram bastante a reflexão religiosa cristã e o pensamento da cultura ocidental." REFERÊNCIAS. FRAME, James W Sire. Breve cartilha de apologética. Edit Cultura Cristã, São Paulo, 2023. MCGRATH, Alister. Apologética pura & simples. Vida Nova, São Paulo, 2013. RÜPPELL Jr, Ivan e TURETTI, Marli. O Cristianismo e a civilização ocidental. Editora Intersaberes, 2020, Curitiba PR. GOHEEN E BARTHOLOMEW, Introdução à cosmovisão cristã. Vida Nova. São Paulo, 2016.

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