Esse texto contém tópicos com objetivos didáticos extraídos de resumos desenvolvidos de palestras sobre o tema durante Encontro da Fé Reformada, Curitiba, 2023. Professor Ivan S Rüppell Jr, disciplina Cosmovisão Calvinista, Sem. Presb. do Sul, extensão Curitiba, 2024.
INTRODUÇÃO. ORIENTAÇÃO DE REFLEXÃO.
Antes de atentar para os temas desenvolvidos no Encontro da Fé Reformada, vamos observar a orientação de um dos autores de conteúdo de nossa disciplina. Para ele, os evangélicos tem falhado em ser mais criteriosos no momento de avaliar as influências que os cristãos tem abraçado sem refletir seu erro e engano, como sobre costumes e ética relacionados à sexualidade, família e negócios, deixando de refletir com análise crítica apropriada para os movimentos do capitalismo e do humanismo na educação pública, e academia.
Enquanto os cristãos são chamados a dar testemunho do reino dos céus através de "vida, palavra e ações", igualmente devemos saber que somos "parte de uma comunidade cultural cuja identidade está em outra narrativa, uma narrativa que é em grande parte medida incompatível com a narrativa bíblica". (p. 194, Goheen, 2016).
Nesse contexto, "Lesslie Newbigin foi um dos primeiros a aplicar as descobertas da contextualização à cultura ocidental... (ele) assinala que estudos teológicos sobre a relação do evangelho com a cultura, como aqueles feitos por Niebuhr e Tillich, não foram feitos por quem tinha a perspectiva de uma experiência concreta na transmissão do evangelho a uma cultura bem diferente. Além disso, estudos de contextualização tem tratado basicamente de culturas não ocidentais e, como Newbigin afirma, tem "em grande parte ignorado a cultura que é a mais difundida, poderosa e convincente entre todas as culturas contemporâneas (...) (a saber), a cultura ocidental moderna." (p. 193).
Assim, faz-se necessário desenvolver uma reflexão objetiva acerca do contraditório existente entre "duas narrativas absolutas e abrangentes - a narrativa bíblica e a narrativa cultural - (e o modo em que) se chocam". Isso porque os que desejam viver a cosmovisão biblica integralmente irão necessariamente faze-lo em meio e adentro da narrativa cultural existente, devendo viver "as boas novas do reino como uma alternativa crível ao modo de vida de nossos contemporâneos, convidando-os a deixar as crenças idólatras da narrativa cultural ocidental e a compreender o mundo e viver nele segundo a luz do evangelho." (p. 196).
Nessa perspectiva, vamos analisar os temas e princípios apresentados no encontro de fé reformada, os quais abordam o conteúdo da cosmovisão reformada, buscando refletir seus valores em contraponto aos pensamentos da cultura contemporânea ocidental, no século 21.
RESUMO DIDÁTICO 1. Encontro da fé reformada, Curitiba, 11 de novembro de 2023.
PALESTRA. Amando a Deus no Socorro Social. Prof Dr. Héber Campos Jr.
Esse tema apresenta o Mandato Social que traz a responsabilidade do cristão diante de nossos semelhantes. Recordando dos outros aspectos do triplo mandato do cristão, que contém o mandato espiritual de nosso relacionamento com Deus, e o mandato cultural de nosso relacionamento com a criação.
O Mandato Social é tema amplo que abrange as áreas e relacionamentos mais diversos da vida, como o cuidado com os filhos e conjugês, e atenção com parentes e amigos, além de outros aspectos.
Daí a decisão em desenvolver nessa palestra o tema de nossa relação como cristãos diante dos que estão oprimidos, a partir da temática da Justiça Social. Portanto, vamos analisar o movimento de Justiça Social contemporâneo à luz das Escrituras e diante da perspectiva da Cosmovisão Reformada.
Há uma teoria crítica comum no entendimento dos estudiosos de nosso tempo para abordar esse tema, e irei desenvolve-lo nominando-o de justiça social. Veja que o impacto dessa teoria crítica na sociedade tem sido cada vez maior, com empresas criando empregos para atender novas necessidades de inclusão, enquanto no ambiente acadêmico a própria reflexão crítica tem sido limitada sobre esse tema.
Neste sentido, vamos anotar que Cosmovisão é um conceito que trata da visão que temos da realidade, e aqui tem surgido uma nova cosmovisão, a qual requer ser conhecida e então comparada com o pensamento bíblico.
Toda uma fragmentação social tem sido observada a partir de uma preocupação com o preconceito e desigualdade, seja por motivos de raça e limitações físicas, seja por religião e opções sexuais, de modo que nossa sociedade tem buscado introduzir uma justiça social no propósito de reunir os afastados, e que carrega consigo um princípio, o qual podemos definir como se fora um desejo de retorno do ser ao Éden, para alcançar a unidade da humanidade.
Trata-se de um anseio criacional de origem, mas com ambições não bíblicas, pois especialmente o fundamental valor da moralidade tem sido desprezado, com o abandono da ética no ambiente social e religioso. Desta forma, o valor da ética moral como padrão de avaliação da realidade foi substituído pela "sensibilidade", e neste sentido o ambiente acadêmico tem apresentado áreas de estudo baseadas na sensibilização para com os oprimidos e desiguais.
Outro problema que surge é que está sendo negado o direito de dar opinião sobre o modo como tudo tem sido desenvolvido, caso este pensamento venha ferir as sensibilidades das pessoas, a partir do argumento de que aqueles que enxergam diferente somente revelam sua faceta social de opressores, a qual é corroborada por sua história social de facilidades diante do restante da sociedade. Assim, esse movimento contemporâneo de justiça social traz consigo uma nova cosmovisão, que une a redenção da sociedade a partir do princípio essencial da sensibilidade para certas pessoas e personalidades, junto da indignação para com os excluídos, sendo que o resultado que se almeja será buscado pela revolução em busca de uma sociedade utópica perfeita.
Observe que uma cosmovisão é uma interpretação da vida que irá nortear o comportamento do ser. Nesse contexto, a teoria crítica da sociedade que produz a presente justiça social em andamento é uma proposição existencial diferente e distinta da visão bíblica de Justiça Social.
Nessa aproximação de temas, vemos que a geração mais jovem tem se preocupado com a transformação social e na busca de igualdade e do amor. Seus conceitos carregam elementos valiosos e verdadeiros, como tratar do desprezo com que se enxerga os seres humanos criados à imagem e semelhança de Deus, remover a impiedade e dedicar-se a socorrer os necessitados em favor do estabelecimento de uma sociedade mais justa.
E nesse aspecto, devemos recordar o modo como desde tempos antigos os 10 mandamentos bíblicos apresentam justiça social ao proteger e resguardar valores diversos, como a família e fidelidade, a verdade e a dignidade, o trabalho e os bens dos homens. São princípios de convivência social que promovem igualdade e proteção de direitos fundamentais, todos oriundos da Lei de Deus. Observe que ao referir a lei de Deus, os cristãos entendem que o Evangelho é a mensagem que traz perdão para os que não cumprem os mandamentos.
Já ao falar da justiça social proveniente dos mandamentos divinos, não se deve confundir seus benefícios com aqueles dados pelo Evangelho.
Observe que a Escritura tem princípios e valores orientados ao cuidado com os necessitados, que trazem conhecimento correto sobre justiça social aos cristãos. No livro de Levíticos a partir do cap. 9, vemos nos versos 9-10 o tema da generosidade sendo implementado na orientação de que a sobra da colheita seja deixada pelo agricultor, a fim de que o necessitado seja atendido.
Especialmente ao tratar de Justiça Social, o verso 15 traz a firme orientação de que a promoção da Justiça deverá ser alcançada através de processos justos, com a ênfase de que um processo "justo" não é o que produz resultados iguais às partes distintas da ação.
Assim, a mesma passagem das Escrituras que nos chama para atender os necessitados com generosidade, igualmente ensina o fundamento do justo juízo dos fatos, na observação do que é correto e verdadeiro na situação, a fim de alcançar justiça social; tendo como exemplo aqui, o modo em que para empregar trabalhadores e dar promoções e valor ao trabalho, deve-se valorar os currículos e atitudes, conhecimentos e a dedicação, ao invés da fragilidade das pessoas envolvidas.
Inclusive, vemos o modo em que os cristãos tem aceitado análises e orientação de estudos somente humanistas e acadêmicos na hora de definir os paramêtros e valor da justiça social. Algo vigente especialmente no ensino de que somente seremos capazes de conhecer a realidade verdadeira se a obtivermos a partir do olhar dos que a vivenciam prontamente, que são os marginalizados.
Daqui surge um princípio que nega aos outros seres humanos a condição de conhecer a verdade da realidade, criando uma geração de gnósticos soberanos entendedores do conhecimento, verdadeiros sacerdotes da verdade. Sendo que todo o restante da humanidade é declarada incapaz de alcançar o real conhecimento desta realidade da dimensão das dificuldades sociais. Desta forma, vemos surgir um movimento de dominação do conhecimento, pois a verdade sobre determinada realidade só é valorada se surgir pelo olhar de quem vivencia a situação que está sendo observada. Surge daí uma Antropologia distinta da bíblica, já que os seres humanos são distinguidos entre Opressores e Oprimidos, sendo que aqueles são diminuídos enquanto estes últimos são auxiliados a desenvolver o orgulho e soberba para se fortalecer enquanto se expõe diante e acima dos outros humanos. A identidade de uma pessoa oprimida é construída a partir de sua vitimização que a torna superior ao outro, sendo que no Cristianismo aprendemos que a nossa identidade será ressignificada em Cristo, pois nele não há judeu nem grego. Na antropologia da justiça social atual as pessoas são identificadas a partir do grupo a que pertencem conforme a visão da teoria crítica, enquanto que aprendemos em Cristo que nossa identidade é definida pelo que somos n´Ele, assim como Paulo, que considerou sua antiga identidade judaico-romana como refugo, para ser encontrado em Cristo.
Outra questão importante é o modo em que o Mal deixou de ser uma questão de moralidade pessoal, para se tornar um resultado do sistema estrutural. Observe que nas Escrituras aprendemos que o mais grave problema gerador de males na existência humana é o coração do homem, daonde surgem os maus desejos e vontades, vindos lá do interior do ser, e não do exterior e do sistema das estruturas.
Nas Escrituras o Mal Moral é sempre pessoal e não sistêmico.
Concluindo, deixo duas orientações principais de justiça social para que as comunidades do povo de Deus venham a cuidar dos semelhantes. Primeiro, cada cristão deve se preocupar em fazer parte de uma congregação religiosa que promova socorro e acolhimento, pois estes são valores destacados como fundamentais nas Escrituras. Vemos em Atos 5, que após o tratamento da corrupção de Ananias e Safira, se percebia na sociedade uma admiração pelo alto valor moral da comunidade dos cristãos; com recordação de que na antiguidade, somente Israel tinha leis para cuidado e proteção do estrangeiro. Em segundo, os cristãos devem se preocupar mais em agir com misericórdia do que com justiça, pois assim como não recebemos tratamento justo de Deus, igualmente devemos oferecer ao próximo o que de Deus temos recebido; misericórdia. A misericórdia corrige a justiça social que deseja promover a auto estima de meus direitos pessoais. Ao seguir este princípio, iremos Amar a Deus no mundo amando os homens assim como Deus nos amou. Devemos ser uma comunidade marcada pela Misericórdia Social! (Palestra proferida pelo Prof Dr Héber Campos Jr, 8° Encontro da Fé Reformada, Curitiba, 11 de novembro de 2023).
RESUMO DIDÁTICO 2. Encontro da fé reformada, Curitiba, dia 10 de novembro de 2023. PALESTRA. Amando a Deus no Engajamento Cultural. Prof Dr. Héber Campos Jr.
A compreensão de uma Cosmovisão Reformada requer o conhecimento do Tríplice Mandato do Ser humano: do Relacionamento com Deus no mandato espiritual, do Relacionamento com o próximo no mandato social, e do Relacionamento com a criação no mandato cultural.
A Espiritualidade Cristã é uma prática também composta e desenvolvida através do mandato cultural do homem. Um aspecto introdutório básico do tema do mandato cultural cristão surge do fato que Deus criou o ser humano tanto para cultivar como também guardar a criação, sendo que estas atitudes e responsabilidades evidenciam o mandato cultural.
Uma consequência dessa ordem dada por Deus ao homem para desenvolver a cultura é o princípio de que não se deve criar dicotomias separando a Igreja do Mundo, como se tudo relacionado a um fosse bom, e a outro fosse mau.
Na verdade, Deus criou todos os animais segundo sua própria espécie, no entanto, Deus criou a Humanidade à sua própria imagem e semelhança. Desta forma, somos seres únicos criados por Deus, o que revela existir importante Hierarquia na criação. É preciso entender que a idéia de que somente uma "criação intocada" traduz bom cuidado com a criação é um valor de cosmovisão pagã, pois o mandato cultural cristão é um chamado para dominar, cultivando e guardando, e assim desenvolvendo a cultura. Não devemos ser "nem guardas florestais e nem pavimentadores do jardim", mas sim, que sejamos mordomos de toda a criação do Senhor.
O mandato cultural cristão também corrige a visão de que há atitudes neutras diante da criação, pois a Ordem dada por Deus como um valor para conduzir o desenvolvimento da realidade indica que nossas posições serão boas ou ruins, a partir dos princípios que Deus estabeleceu no potencial e aos propósitos de toda Criação. De forma que o conhecimento da criação gera a ciência, o cultivo da criação gera a agricultura, a condição de apreciar a criação gera a arte e o governo da criação gera a política. Em todos estes aspectos e elementos, o potencial de cada área cultural da existência do homem no mundo não deverá ser considerado como algo negativo em si, mas sim quando houver o mau uso do desenvolvimento de seu potencial à luz das ordens do Criador.
O mandato cultural cristão bíblico também corrige a cegueira sobre a fundamental atuação divina na percepção e descoberta dos elementos da cultura corriqueira, como lemos em Isaías 28.23 e seguintes, aonde aprendemos epistemologicamente que absolutamente todo e qualquer conhecimento que venhamos alcançar sobre a realidade deste mundo e seu potencial de realizações será sempre uma descoberta conduzida por Deus. Pois todo processo de visualização e entendimento das leis e potenciais da vida é uma experiência movida e desvelada por Deus para nós.
Um aspecto bíblico fundamental que deve-se abraçar ao perceber o mandato cultural é que tal princípio existencial encontra seu valor cristão junto e integrado ao mandato Espiritual que ama a Deus, e junto ao mandato Social que ama o próximo. Desta forma, entendemos que o valor do mandato cultural somente se realiza conforme a ordem, condução e para atingir os propósitos de Deus, sendo necessário integrar a vivência dos Três Mandatos conjuntamente. Neste sentido, devemos ordenar a integração dos Três Mandatos a partir de sua hierarquia própria, em que o Mandato Espiritual é superior, com o Mandato cultural estando subordinado aos mandamentos e mandatos para Amar a Deus e Amar o próximo, e não o contrário.
Sendo importante anotar que a super valorização do mandato cultural se torna um projeto existencial de valores de redenção da criação e realidade, como uma proposta idólatra movida pelo plano de progresso moderno que entende a história como um período em que o deserto será transformado em jardim. Esta cosmovisão omite que a redenção da realidade é uma realização que existe somente em Jesus Cristo.
E dentro deste engano idólatra, o mandato cultural surge como um projeto pessoal que irei realizar para edificar a redenção da "cultura" em "nome de Cristo"; sendo uma proposição falsa. No entanto, a real transformação do deserto em jardim é uma obra levada somente por Jesus na história, conforme Hebreus cap. 2 e Salmo 8.
Assim, observe que o mandato cultural que cabe ao cristão tem o propósito e a capacidade de somente aliviar e tratar a cultura, mas jamais irá redimir e transformar sua realidade. Nesta perspectiva, os cuidado e a guarda da cultura promovidos pelos cristãos serão tão somente sinais que apontam para Deus, jamais serão realizações de transformação redentora da criação. As nossas obras oriundas do mandato cultural irão cumprir seu papel e função assim que vierem a "apontar" para a Pessoa daquele que realmente cura e transforma, o Senhor Deus! (Palestra proferida pelo Prof Dr Héber Campos Jr, 8° Encontro da Fé Reformada, Curitiba, 10 de novembro de 2023).
REFERÊNCIAS. GOHEEN, Michael, e BARTHOLOMEW, Craig. Introdução à cosmovisão cristâ. Tradução de Marcio Loureiro Redondo. Edit Vida Nova, São Paulo, 2016.
Resumos, Encontro de Fé Reformada. Prof. Ivan S Rüppell Jr, professor e ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil.
C. S. Lewis escreveu o livro de ficção teológica 'Cartas do Inferno' para apresentar a Batalha Espiritual pelas almas da humanidade no cotidiano comum de todos nós. Como bem esclarece o Apóstolo Paulo na Carta aos Efésios, "nós não lutamos contra inimigos de carne e sangue, mas com governantes e autoridades do mundo invisível, contra grandes poderes neste mundo de trevas e contra espíritos malignos nas esferas celestiais." (cap. 6, 12). Essa realidade da existência transcendente dos seres humanos surge no primeiro anúncio bíblico do Evangelho de Jesus, o Messias, quando Deus fala para a serpente as seguintes palavras: "Farei que haja inimizade entre você e a mulher, e entre a sua descendência e o descendente dela. Ele lhe ferirá a cabeça, e você lhe ferirá o calcanhar." (Gênesis, 3.15). O site da produtora traz a seguinte sinopse ao filme "Oficina do Diabo", que se baseia no livro de Lewis: "O demônio Fausto subiu do inferno para ajudar Nata...
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