quarta-feira, 3 de maio de 2023

COSMOVISÃO Reformada. RESUMO de Conteúdo. Parte 1.

Disciplina Cosmovisão Reformada. Seminário Presbiteriano do Sul - extensão Curitiba. Temas e aspectos principais. Resumo. Parte 1. O QUE É COSMOVISÃO? DEFINIÇÕES E CONCEITOS: "A palavra cosmovisão é tradução do termo alemão Weltanschauung (visão de mundo) e foi usada pela primeira vez pelo filósofo iluminista Immanuel Kant em sua obra Crítica da faculdade do juízo (1790)." (Goheen e Bartholomew, p 35, 2016). Segundo o dicionarioinformal.com.br: "É o modo pelo qual a pessoa vê ou interpreta a realidade. A palavra alemã é weltanschau-ung, que significa um mundo e uma visão da vida, ou um paradigma. É a estrutura por meio da qual a pessoa entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mal, natureza humana, valores e destino." Conforme a ACSI, do escritor cristão Mauro Meister: "Uma cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expresso como uma narrativa ou como um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que nós sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade, e que provê o fundamento sobre o qual nós vivemos, nos movemos e existimos." FUNÇÕES DA COSMOVISÃO CRISTÃ E SECULAR. Para o filósofo W. P. Alston, a importância das cosmovisões se expressa na seguinte reflexão: "Pode-se argumentar com base em fatos relativos à natureza do homem e às condições da vida humana, que os seres humanos tem uma profunda necessidade de formar algum quadro geral do universo total em que vivem, a fim de poderem, de uma forma que lhes seja significativa, relacionar suas próprias atividades fragmentadas com o universo como um todo; e que uma vida em que isso não é realizado é uma vida empobrecida no aspecto mais significativo." (Nash, p 25 e 27, 2012). Principais Elementos de Uma Cosmovisão: "Uma cosmovisão equilibrada inclui crenças em pelo menos cinco áreas principais: Deus, realidade, conhecimento, moralidade e humanidade." Deus. Esse entendimento é o mais importante para qualquer cosmovisão, pois indaga da existência e personalidade de Deus, de sua natureza e sentimentos, de seu poder e atuação na história. HISTÓRIA DO ESTUDO DAS COSMOVISÕES. Primeiras ideias de cosmovisão, avaliações históricas na área de Cosmovisão e representantes da Cosmovisão Calvinista. TEXTO. Kant entendia que os seres humanos se servem somente do uso da razão para definir "uma compreensão do significado do mundo e de nosso lugar dentro dele", sendo que a sua defesa da autonomia da razão do homem em superioridade ao pensamento religioso e das tradições no momento de perceber e definir a "visão de mundo" seria um princípio bastante utilizado por seus seguidores, como os filósofos alemães do idealismo e romantismo no século 19, que colocaram essa perspectiva no centro de seus sistemas de pensamento: "No final do século 19, o termo já havia alcançado "prestígio de celebridade acadêmica". Para Friedrich Schelling (filósofo idealista), a "visão de mundo" tratava do "respeito ao anseio da humanidade de chegar a um acordo sobre as questões mais profundas da existência e da natureza do universo", num pensamento que propunha uma "compreensão abrangente e coesa do mundo", sendo que os pensadores idealistas e românticos posteriores iriam utilizar o termo "para denotar um conjunto de crenças que estão subjacentes e moldam todo o pensamento e ação humanos." (Goheen e Bart., p 36, 2016). Wilhelm Diltney destacou os aspectos da abrangência e coesão relacionados ao tema da "cosmovisão", no sentido de que "seu objetivo é expressar o significado mais profundo do mundo, responder às questões fundamentais da vida." H. A. Rodges desenvolve um resumo sobre o tema da "cosmovisão" a partir do pensamento de Dilthey: "um complexo de ideias e sentimentos, abrangendo (a) crenças e convicções sobre a natureza da vida e do mundo, (b) hábitos e tendências emocionais baseados naquelas crenças e convicções e (c) um sistema de propósitos, preferências e princípios que governam a ação e dão unidade e sentido à vida". (p 38-39, 2016). Segundo Carlos Souza, o "termo cosmovisão" surgiu na cultura alemã entre os séculos 18 e 19, em uma reflexão de Kant que buscava destacar a "capacidade humana de intuir o mundo exterior à medida que este é apreendido pelos sentidos", sendo que, posteriormente o termo alcançou entendimento mais amplo, indicando "uma concepção do universo a partir do homem conhecedor moralmente livre." Nesse sentido e debaixo da perspectiva do potencial ilimitado da razão humana, em meio ao ambiente intelectual de Schleiermacher, Feuerbach, Volfgan von Goethe etc, o termo traduzido ao português como cosmovisão se tornara abundante na literatura alemã do século 20, "afirmando-se como um conceito que expressava claramente a aspiração humana na busca da compreensão da natureza do universo." A partir da cultura alemã, a expressão e reflexões correlatas se desenvolveram em toda Europa, em que surgiu um entendimento de que o termo tratava de "uma visão metafísica do mundo, considerando uma concepção de vida." A partir disso, no decorrer do séc 20, " a fertilidade do conceito Weltanschauung o fez tornar-se, em apenas sete décadas, uso obrigatório em todo o universo intelectual da Europa e dos Estados Unidos, passando a significar a concepção ou visão de mundo e da vida, compartilhada por um indivíduo ou grupo social." (Edit Ultimato, p 41-43, 2006). COSMOVISÃO CALVINISTA. Nomes e representantes: Para Abraham Kuyper, "dois sistemas de vida estão em combate mortal. O Modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a "herança cristã". Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta também é a luta por princípios em que meu próprio país está engajado, e na qual eu mesmo tenho gasto todas as minhas energias por quase quarenta anos." (...) Segue citação de Kuyper, sobre o tema: "como o Dr. James Orr (na palestra, Conceito Cristão de Deus e do Mundo, Edinburgo, 1897) observa, o termo técnico alemão Weltanschauung não tem equivalente preciso em inglês. Por isso, ele usou a tradução literal conceito do mundo (cosmovisão), (porém), a frase mais explícita: concepção de vida e de mundo parece ser preferível (embora Kuyper faça o destaque de que utiliza ambas as frases em suas palestras: sistema de vida e concepção de vida e mundo.") (Kuyper, p. 19, 2003). (*Abraham Kuyper nasceu na Holanda em 1837, vindo a ser Ministro da Igreja, Líder do Partido Político de viés protestante, sendo eleito como membro do Parlamento em 1874 e vindo a ser Primeiro Ministro da Holanda de 1901 a 1905, além de atuar como Professor Universitário. Kuyper visitou os EUA em 1898 e proferiu as "Palestras Stone", que são a base do livro "Calvinismo", que estamos citando nesse texto e será utilizado nas aulas). COSMOVISÕES COMPARADAS. A DESCRIATINIZAÇÃO DA SOCIEDADE, Século 19. Conforme destaque de Carlos de Souza, a Europa viu o surgimento ao fim do século 19 de um processo de "profunda descriatinização da sociedade. Todas as dimensões da vida social, como as artes, a ciência, a política, a economia e a filosofia se tornaram predominantemente secularizadas, relegando à fé cristã o papel estreito de veículo inspirador de uma devoção subjetiva, desprovida de engajamento com as realidades manifestas da vida. Isso passou a ser aceito por movimentos inteiros, como o pietismo extremo, o liberalismo e existencialismo teológico." Foi nesse período que o teólogo e educador escocês James Orr levantou a voz, "propondo um retorno do cristianismo e um sistema integral de percepção do mundo, vida e pensamento. (...) Nas palavras de Orr: "A oposição que o cristianismo enfrenta não está confinada a doutrinas especiais ou a pontos supostamente em conflito com as ciências naturais... Mas estende-se à forma total de se conceber o mundo, do lugar do homem nele, da maneira de conceber o sistema total das coisas, naturais e morais, das quais nós somos uma parte. Não temos mais uma oposição de detalhes, mas de princípios. Esta circunstância precisa de uma extensão igual na linha de defesa. É a visão cristã das coisas em geral que é atacada, e é apenas pela exposição e vindicação da visão cristã das coisas como um todo que esse ataque poderá ser detido." (p 48-51, 2006). NOVOS PARADIGMAS, DO RENASCIMENTO AO ILUMINISMO, SÉCULOS 15 A 19. "A denominada “Idade da Razão” acabou realizando uma integração da reflexão científica junto da área da filosofia no século 17, a qual foi liderada pelos filósofos Francis Bacon e Thomas Hobbes, sendo que René Descartes, Blaise Pascal e Gottfried Leibniz a desenvolveram valorando a lógica no objetivo de afirmar que o raciocínio matemático era o método mais confiável para se alcançar o conhecimento da realidade. Ao mesmo tempo, nesse mesmo contexto científico-filosófico, John Locke assumia na Inglaterra a liderança das reflexões do movimento do empirismo, que entendia que o conhecimento somente poderia ser adquirido pelos homens a partir da experiência de seus sentidos. Observe que essa contraposição de ideias entre o racionalismo e o empirismo se desenvolvia mediante uma perspectiva comum de ambos os movimentos, que era a base de suas argumentações: a centralidade do ser humano como o agente responsável por refletir acerca do conhecimento a partir de suas faculdades intelectuais. (...) Segundo Gonzalez, a observação da natureza e as reflexões puramente racionais se integravam na busca e demonstração do que era possível conhecer da realidade, pois a ordem da natureza se ajustava à lógica da razão humana, segundo os princípios do racionalismo. Pois quanto mais a análise de dados externos propiciava uma melhor explicação acerca da natureza, igualmente aumentava a confiança dos intelectuais na expectativa de que somente a razão iria prover o conhecimento mais verdadeiro que se poderia alcançar acerca da realidade da existência. (2011, p 319). Nesse contexto e época, houve um movimento racionalista dentro do Cristianismo, denominado de “deísmo”, que pretendia explicar a religião sem utilizar os limites e as regras das doutrinas dogmáticas da Igreja. Os deístas buscavam esclarecer os princípios universais daquela que viria a ser considerada como uma religião natural e cristã, a qual teria suas bases e princípios oriundos dos instintos interiores dos homens, e não das revelações da bíblia ou de acontecimentos históricos “sagrados”. A religiosidade natural do deísmo apregoava a existência de Deus e a obrigação de adora-lo através de princípios éticos, sendo que haveria tanto uma recompensa para os bons, quanto um castigo para os maus. O ILUMINISMO. “O ceticismo é o primeiro passo em direção à verdade”. (Denis Diderot) O Iluminismo; uma expressão surgida apenas no século 19 que origina do alemão “die Aufklärung” (aclarar) e do francês “les lumières” (as luzes), foi um movimento cultural abrangente da Idade Moderna bastante relacionado a uma determinada época do século 18, entre os anos 1720 até 1780. Nesse contexto, o filósofo francês Denis Diderot publicou no ano de 1751 o primeiro dos dezessete volumes da fundamental obra iluminista, “Enciclopédia”, a qual ele organizou numa divisão feita a partir de três grandes temas: os assuntos históricos; a razão e a filosofia; e, a poesia e a imaginação. Diderot se preocupou em editar esta obra tendo em mente que a mesma iria propor reflexões que não deveriam se submeter aos dogmas religiosos e às limitações dadas por autoridades de Estado, sendo que para atingir seu objetivo ele convocou um grande número de escritores, filósofos e intelectuais para que escrevessem artigos sobre os temas mais diversos. (Werner, 2017, p 192) (...) Segundo McGrath, o iluminismo se tornou um movimento que buscou questionar os fundamentos e bases intelectuais da religião cristã, vindo a utilizar conceitos e reflexões oriundas do cartesianismo e do deísmo; o que desafiou a Igreja para que viesse apresentar e expor suas doutrinas segundo um sistema absolutamente racional e coerente. Nesse sentido, o pretenso apoio que o Cristianismo havia recebido dos intelectuais da renascença e do movimento do racionalismo, que acreditavam na existência de Deus e de valores religiosos cristãos oriundos de uma religião natural, acabaram criando a oportunidade para que toda e qualquer doutrina cristã que não fosse completamente explicitada nos limites da razão, viesse a ser fortemente criticada e rejeitada pelo padrão analítico iluminista. (2005, p 127)... Observe que, embora a teologia cristã tenha se desenvolvido historicamente através de uma integração entre os conceitos da revelação natural e revelação sobrenatural (bíblia), esta unidade de pensamento era realizada procurando observar os limites e as funções de cada um destes distintos tipos de conhecimento. De um lado havia a revelação natural acerca de Deus que seria encontrada na Criação, e de outro, havia a revelação sobrenatural (Escrituras) mediante a qual Deus iria se fazer religiosamente conhecido perante a humanidade. No entanto, tanto os mandamentos éticos bíblicos, como as situações históricas narradas pelos profetas e apóstolos nas Escrituras, e especialmente o nascimento, a morte e a ressurreição de Jesus Cristo, vieram a se tornar os elementos da doutrina cristã mais analisados e criticados pela nova vertente intelectual racionalista do século 18. (...) O Iluminismo estava se tornando um grande movimento progressista através do qual os intelectuais entendiam que seria possível estabelecer normas gerais de direitos civis para todos os homens. (Werner, 2017, p 194) (...) As posturas e reflexões oriundas do contexto histórico e ambiente intelectual do iluminismo denunciavam uma ordem social bastante injusta na Europa do século 18, vindo a se tornar uma proposição existencial que iria gerar grandes transformações a partir da Revolução Francesa de 1789." (Ruppell Jr e Andrade, 2020). O ESTADO MODERNO. "O Ocidente havia perdido sua fé (em Deus) - e encontrou uma nova, na ciência e no ser humano." (Tarnas, Passion of the Western mind, p. 286 apud Goheen, 2016). Conforme Goheen, "as mudanças iniciadas pelas Revoluções Industrial e Francesa transformaram a sociedade no estado moderno, baseado no humanismo confessional... "No mundo moderno, o estado é a principal e mais poderosa força institucional na comunidade internacional e, provavelmente, o mais bem-sucedido promotor institucional do processo de modernização." (Walker, Telling the story, p. 110-1, apud Goheen, 2016). Nesse contexto de transformações da cosmovisão do Ocidente, Goheen assinala um pensamento e reflexão valiosos: "A sociedade que experimentou uma reviravolta como triunfo da modernidade não era propriamente cristã, mas a cristandade medieval - uma mistura de elementos cristãos e pagãos. Tal quals os humanistas, os cristãos estão propensos a rejeitar a hierarquia da Idade Média e o poder excessivo da igreja, mas farão isso por razões diferentes... "Com base em que autoridade devemos, então, moldar aquelas áreas da vida que foram emancipadas? Deve ser de acordo com os ditames da razão ou de acordo com a revelação de Deus? (Goheen e Bartholomew, p 153, 2016). MOVIMENTOS contrários e distintos diante da Cosmovisão Cristã: NATURALISMO. "A principal concorrência para a cosmovisão cristã na parte do mundo normalmente tida como a cristandade é um sistema que muitas vezes se conhece pelo nome de naturalismo. A proposição pedra de toque, ou pressuposição básica, do naturalismo afirma: "Nada existe fora da ordem material, mecânica (isto é, sem propósito) e natural". S. D. Gaede, explica: "A cosmovisão naturalista repousa na crença de que o universo material é a soma total da realidade. Para colocar em termos negativos, o naturalismo sustenta a proposição de que o sobrenatural, em qualquer forma, não existe... A cosmovisão naturalista assume que a matéria ou substância que compõe o universo nunca foi criada, mas sempre existiu. Isso porque um ato de criação pressupõe a existência de alguma realidade fora de, ou maior que, a ordem mundial - incompatível com o princípio de que o universo material é a soma total da realidade... O ser humano, como parte do universo natural, também é resultado da matéria, tempo e acaso. Dentro do contexto da cosmovisão naturalista, os milagres, como tais, não existem; são eventos naturais que ainda tem de ser explicados." C S Lewis apresenta no livro Milagres o modo em que todo cidadão ocidental, que se coloca contrário às crenças cristãs, está em verdade assumindo sua decisão por uma cosmovisão naturalista. "O Naturalista acredita que o Fato definitivo... é um vasto processo que se desenrola por conta própria... Dentro de todo esse sistema, cada acontecimento específico ocorre porque houve outro acontecimento; no final das contas, porque o Acontecimento Completo está ocorrendo... Todos os fatos e acontecimentos estão interligados de tal forma que não podem exercer a mínima independência em relação "ao espetáculo completo".... Por isso nenhum naturalista radical acredita em livre arbítrio... A espontaneidade, a originalidade e a ação "por iniciativa própria" são privilégios reservados ao "espetáculo completo", que ele denomina Natureza." (...) "O Naturalismo e a Fé Cristã são inimigos naturais no mundo das ideias. Se um deles é verdadeiro, o outro deve ser falso. (Nash, p 149-164, 2012). DUAS NARRATIVAS DIFERENTES DE PROGRESSO. LIBERAL E MARXISTA. Conforme Goheen e Bart., "a fim de manter a fé na narrativa iluminista, apesar das evidências cada vez mais pessimistas da Revolução Industrial, aqueles que criam fielmente no progresso sentiram a necessidade de reunir todos os sinais visíveis da miséria humana em um mito maior. E duas narrativas pós-iluministas que surgem no século 19 procuram fazer exatamente isso, ambas mantendo a fé no progresso por meio da ciência e da tecnologia e interpretando o testemunho contrário como parte daquela narrativa. Essas duas narrativas são o liberalismo e o marxismo... O liberalismo... oferecia um projeto de sociedade baseado na soberania do indivíduo... valoriza a liberdade do indíviduo em questões econômicas; em sua forma política, valoriza os direitos humanos individuais..."; e sobre as dificuldades e ruínas ocasionadas no decorrer do século 19, os liberais entendem que o sofrimento é um preço a pagar pelo progresso (Herbert Spencer), enquanto que John Mill e Thomas Hill voltaram sua atenção para promover alguma consciência social em meio ao processo liberal, "mas ambas as respostas liberais sustentaram a fé no progresso, e ambas explicaram o sofrimento humano como parte da narrativa." Nesse contexto, "Karl Marx apresentou uma narrativa de progresso que explicava o sofrimento... tal como Spencer, ele apresenta uma explicação racional acerca do sofrimento que também se baseia em Darwin. No pensamento político de Marx, a observação de Darwin da conquista via luta no mundo natural é traduzida em termos sociais: a história é impelida pelo conflito de classes. A narrativa de progresso é uma história de sucessivas revoluções de classe que, no final, conduzirão à igualdade e à distribuição justa e equitativa de toda a riqueza criada pelo desenvolvimento econômico. O liberalismo e o marxismo, duas noções opostas de progresso histórico com raízes no humanismo do século 19, haveriam de se apoderar do mundo durante a maior parte do século 20 - um com sede em Washington; outro, em Moscou." (p 154-155, 2016). O PROBLEMA DO MAL. Conforme Nash, ao tratar do Problema do Mal como tem sido elaborado nos últimos séculos pelos pensadores humanistas; "o mal faz a balança das probabilidades pesar contra o teísmo; a existência do mal torna a crença teísta improvável ou implausível." Nesse contexto, o pensamento cristão propõe desde que, Deus "permite o mal para tornar possível um bem maior, ou para evitar algum mal maior", e também, se referem "ao valor e a importância do livre-arbítrio humano", posto que essa experiência dos homens é uma disposição aprovada por Deus, bem como suas consequências. (...) O pensador cristão reformado Plantinga Jr, faz o seguinte destaque em meio a essas reflexões: "Por que supor que se Deus realmente tem uma boa razão para permitir o mal, o teísta seria o primeiro a saber? Talvez Deus tenha uma boa razão, mas esta razão seja muita complicada para entendermos. Ou talvez ele não a tenha revelado por alguma outra razão. O fato de que o teísta não sabe por que Deus permite o mal é, talvez, um fato interessante sobre o teísta, mas, por si só, mostra pouco ou nada de relevante para a racionalidade em Deus." Em meio a essa intensa reflexão, que traz muitas outras abordagens e pensamentos, Plantinga Jr destaca que, "todos os oponentes do cristianismo histórico, ao que parece, levantam o problema do mal como uma forma de desafiar a crença cristã em Deus", ainda que muitos intelectuais defensores de certos tipos de movimento, como o naturalismo, não tenham qualquer condição racional de fazer esse tipo de argumentação, já que "bem e mal num universo naturalista não podem se referir a qualquer coisa transcendente, qualquer coisa que tenha posição fora da ordem natural das coisas." (p 137-146, 2012) O DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO NO OCIDENTE. (Alister Mcgrath). Sobre o modo como Deus age no mundo, e dessa forma, como se compreende a realidade e o movimento histórico e transcedente da realidade, destacamos posições variadas, como, o Deísmo, em que "Deus age por intermédio da natureza", de forma que a "posição deísta pode ser resumida" no entendimento de que Deus agiu criando o universo "de forma ordenada e racional", num espelho da pessoa divina, sendo que agora, toda ordem e regularidade do mundo está disponível para a compreensão do homem, pois "as leis da natureza foram estabelecidas por Deus; e apenas restava a um ser humano brilhante descobri-las", conforme declaração de Alexander Pope: "A natureza e suas leis escondem-se na noite. E disse Deus, que haja Newton, e tudo se transformou em luz." "O deísmo defendia a ideia de que Deus havia criado o mundo, dotando-o com a capacidade de evoluir e funcionar sem que houvesse a necessidade da contínua presença e interferência de Deus. Essa perspectiva", bastante influente especialmente no século 18, "via o mundo como um relógio, e Deus como um relojoeiro. Deus havia dotado o mundo como um modelo auto-sustentável para que pudesse funcionar sem a necessidade de sua contínua intervenção." E assim, diante da pergunta, "Como Deus agiria no mundo? A resposta para essa pergunta é bastante simples: Deus não age no mundo." Deus criou todo o sistema e o ordenou e o colocou em movimento, criando um mundo "completamente autônomo e auto-suficiente. Não é necessária nenhuma ação da parte de Deus." (...) Ainda sobre o tema de como Deus age no mundo, temos o "Tomismo", em que "Deus age por intermédio de causas secundárias". O entendimento do teólogo da Idade Média percebe que Deus age utilizando "causas primárias e secundárias", enfatizando que Deus não age diretamente, mas através dessas causas. Assim, para que um grande pianista possa realizar um grande concerto, é preciso tanto a causa primária, o pianista, como a causa secundária, um piano afinado: "a capacidade da causa primária para alcançar o efeito desejado depende da causa secundária a ser usada." Tomás de Aquino reflete a partir desse entendimento sobre o problema do mal: "O sofrimento e a dor não devem ser atribuídos à ação direta de Deus, mas sim à fragilidade e à debilidade das causas secundárias por meio das quais Deus opera. Deus, em outras palavras, deve ser visto como a causa primária, e os vários agentes que existem no mundo, como as causas secundárias a ele relacionadas. (...) O autor faz uma reflexão importante, pois destaca que no pensamento de Aristotéles, em que se baseia a compreensão inicial, mas não total, de Aquino, "as causas secundárias são capazes de agir por si próprias. Os elementos naturais são capazes de agir como causas secundárias em virtude de sua própria natureza", sendo importante salientar que teólogos renomados eram contra essa concepção aristotélica, inclusive Aquino, "que alegava ser Deus o "impulso ontológico inicial", a causa principal de toda ação, sem a qual nada poderia existir... Assim, a interpretação teísta das causas secundárias apresenta a ação de Deus no mundo da seguinte forma. Deus age de maneira indireta no mundo, por meio das causas secundárias. Pode-se notar a existência de uma grande cadeia de causalidade, que aponta para Deus como o impulso originário e principal de tudo o que acontece no mundo. Entretanto, ele não age diretamente no mundo, mas por meio de uma cadeia de eventos que Deus inicia e controla." Aquino parece entender que Deus inicia uma cadeia de ações sob sua orientação, e que a partir daí, Deus "delega a ação divina às causas secundárias existentes dentro da ordem natural. Por exemplo, Deus pode mover a vontade do homem de forma que alguém que esteja doente receba assistência"; assim, uma ação que é da vontade divina será realizada de forma indireta, sendo que a mesma será causada por Deus, mediante uma causa secundária. Nessa visão, Deus age e se mantém atuante durante todo o processo, embora surjam reflexões diversas sobre o modo como isto ocorre. Nesse contexto, iremos estudar nas últimas aulas a compreensão de Calvino nas Institutas e citações da Bíblia de Genebra, sobre o Governo de Deus e as causas secundárias etc. (McGrath, p 222, e 336-338, 2006). NEOCALVINISMO. A EXPERIÊNCIA HOLANDÊSA. Abraham Kuyper foi um pensador reformado que atuou na Holanda como teólogo e político, vindo a ser Primeiro Ministro de seu país no início do século 20, de 1901 até 1905. Acerca de nosso tema, Cosmovisão Reformada, iremos apresentar um resumo e citações do artigo, Abraham Kuyper: Um Modelo de Transformação Social, escrito por Nilson Moutinho dos Santos, do livro: Cosmovisão Cristã e Transformação, 2006. ABRAHAM KUYPER: UM MODELO DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL. Kuyper surgiu na vida da Holanda no século 19, num período em que o país estava distante dos valores tradicionais da civilização ocidental, num momento em que o liberalismo orientava novos princípios para a cultura da nação. "Kuyper enfatizou o caráter calvinista da nação e apelou para a energia, o destemor e a fé da era da Reforma. Quando morreu, escolas cristãs livres podiam ser encontradas do norte ao sul. Crentes estavam aplicando os princípios em seus lares, igrejas e associações. Homens cristãos de ciência estavam demonstrando que a crença na Bíblia não era antiquada, mas atual. A face do país foi renovada." (p. 81). O propósito desse artigo é refletir pensamentos e atitudes de Kuyper, não no objetivo de aprender com o que houve nos séculos 17 e 19, mas sim, para refletir "como podemos desenvolver uma cosmovisão cristã para os evangélicos brasileiros do século 21 que incorpore aqueles princípios cristãos que animaram os holandeses em sua era gloriosa." (p. 84). Abraham Kuyper nasceu em 1837 na Holanda, filho de um Ministro da Igreja Reformada, e se tornou um escritor capaz e influente ao refletir sobre temas da igreja e política, cultura geral e ainda como jornalista. Houveram três experiências que vieram a transformar a caminhada espiritual de Kuyper até ele se tornar o cristão bíblico e líder social-teológico reformado que conhecemos: ele teve contato com as obras de João de Lasco, reformador escocês renomado, para a feitura de um texto na faculdade; depois, descobriu o valor dos sacramentos e da adoração mediante a leitura da obra clássica O Herdeiro de Redcliffe, em que são narradas as vivências espirituais do protagonista Filipe de Norville. A terceira e fundamental experiência de vida que mudou a jornada espiritual e existencial de Kuyper, ocorreu quando assumiu uma paróquia reformada para ministrar, vindo a observar que os membros da igreja não participavam das atividades "como forma de protesto ao modernismo". Kuyper foi visitar essas famílias e "surpreendeu-se quando percebeu que eles possúiam uma cosmovisão mais coerente que a sua e um profundo conhecimento da Bíblia, muito maior do que o seu." (p. 86). A cosmovisão daqueles irmãos estava embasada no pensamento de João Calvino, e sobre esse momento, comentou Kuyper: "Não havia apenas um conhecimento da Bíblia, mas também conhecimento de uma bem ordenada cosmovisão, bem ao estilo dos reformadores antigos. {...} E o que era, para mim pelo menos, mais atraente, era que aqui falava um coração que não apenas possuía, mas também tinha uma simpatia por uma história e experiência de vida {...} Calvino podia ser encontrado, ainda que de forma velada, entre aquelas simples pessoas do campo, as quais dificilmente tinham ouvido falar dele. Ele tinha ensinado de tal forma que ele podia ser entendido, mesmo séculos depois de sua morte, num país estrangeiro, numa vila esquecida, numa sala coberta de cerâmica, com a mente de um trabalhador comum." (p. 86-87). Quando se referia à cosmovisão que conheceu junto daqueles irmaõs da igreja, Kuyper assim a descreve, como tendo "uma estabilidade de pensamento, uma unidade de discernimento abrangente {...} uma cosmovisão baseada em princípios." (p. 87). A partir dessa experiência, podemos entender que a Igreja local tem a condição e capacidade de: - ensinar uma cosmovisão aos membros; - envolta em uma dinãmica de fé e amor, mais que racional; - uma cosmovisão estabelecida dá fundamentos e força na doutrina; - a cosmovisão atua na mente e coração e assim se torna um conhecimento difícil de negar. Para o autor de nosso texto base, o conhecimento de Kuyper deve ser descrito assim: "que o Cristianismo das Escrituras não se preocupa apenas com a salvação da alma do indíviduo, mas se coloca como um sistema de vida que nada deixa fora do domínio de Jesus Cristo." Kuyper: "Cristo governa não simplesmente pela tradição do que ele outrora foi, falou, fez e suportou; mas por um poder vivo que ainda agora, assentado como ele está à mão direita de Deus, exerce sobre as terras e nações, gerações, famílias e indivíduos." (p. 88). UMA INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE KUYPER. (p. 92). No destaque de nosso autor, o conhecimento do pensamento de Kuyper se encontra nas Palestras Stone (livro: Calvinismo). Pois o pensador reformado dialoga com uma cultura distinta da sua, ao visitar os EUA, buscando apresentar de forma "concisa, compreensiva e sistemática", a sua reflexão para uma cosmovisão cristã. Foram seis palestras: Calvinismo como Sistema de Vida, Calvinismo e Religião, Calvinismo e Política, Calvinismo e Ciência, Calvinismo e Arte, Calvinismo e Futuro. A tese de Kuyper era "que o calvinismo se coloca como uma concepção de vida e de mundo, um sistema de vida." (p. 92). Ao utilizar a palavra "calvinismo", Kuyper reflete "os aspectos histórico, filosófico e político da questão. O primeiro mostra o canal pelo qual a Reforma fluiu. O segundo revela o sistema de concepções estabelecido para dominar as diversas esferas da vida. E o terceiro indica "o movimento político que tem garantido a liberdade das nações em governo constitucional." (p. 92). Dessa forma, o conteúdo das Palestras Stone tem sido reconhecido como o texto essencial acerca do pensamento de Kuyper e do neocalvinismo, vindo a influenciar toda a América do Norte e Brasil, Inglaterra e África do sul, além da Coréia do sul, refletindo temas jurídicos e educacionais, de ciência e das artes, além de jornais e publicações. "Kuyper reivindicava que suas ideias foram derivadas de Calvino e aclimatadas no ambiente intelectual ocidental do final do século 19. Uma questão interessante é examinar como ele teria "modernizado" o calvinismo." (p. 93). Kuyper utilizava a expressão reformado para temas da igreja e teologia, enquanto a expressão calvinismo tratava das situações integrais da vida. O Calvinista era o cristão reformado que agia segundo esse pensamento na igreja e teologia, e também nas situações sociais e políticas, diante do conhecimento e nas artes. No interesse de atualizar o pensamento calvinista para os séculos 19 e 20, Kuyper adotou o termo "neocalvinismo" acerca de suas reflexões, a fim de "despertar a teologia reformada de seu sono e tornar acessíveis para ela novas perspectivas até aqui não consideradas." (p. 94). Neste sentido, Kuyper apresentou uma proposição peculiar acerca do que fora ensinado, ao utilizar a doutrina exposta por Calvino na defesa da existência de igrejas em formas diversas. Sendo "um desenvolvimento natural do "princípio calvinista de liberdade, o qual, na esfera eclesiástica, permitiu a cada congregação local experimentar uma completa autonomia". (p. 95). Kuyper: "{...} a soberania de Cristo mantém-se absolutamente monárquica, mas o governo da Igreja na Terra torna-se democrático para seus ossos e medulas (Kuyper estabelece duas implicações lógicas: primeira); {...} todos os crentes e todas as congregações estão numa posição igual, nenhuma igreja pode exercer domínio sobre outra. Todas as igrejas locais são da mesma classe e, como manifestações de um mesmo corpo, somente podem estar unidas {...} por meio de confederação; {...} (segunda:) se a Igreja consiste na congregação de crentes {...} então as diferenças de clima e nação, de passado histórico e de disposição mental contribuem para exercer uma influência que produz variedade, e a multiformidade em questões eclesiásticas deve ser a consequência." (p. 95). O princípio da liberdade refletido por Kuyper demonstra que ele percebia as variações culturais de pensamento e hábitos que surgiam na Europa nos últimos cinquenta anos do século 19. Ao invés de se buscar uma total unidade na organização eclesiástica, "a única solução viável era o estabelecimento de igrejas livres, nas quais pessoas da mesma mentalidade poderiam voluntariamente manter-se juntas. A sensibilidade particular de Kuyper para a diversificação social e intelectual de seu tempo era devida, em parte, ao fato de que foi precisamente esse processo que ameaçou marginalizar o lugar da religião na sociedade. {...}". (p. 95). Kuyper buscava desenvolver princípios calvinistas diante das transformações culturais e sociais do século 19. Numa outra perspectiva acerca do modo como desenvolvia o pensamento calvinista para sua época, "a cosmovisão calvinista que ele abraçara não se limitava a restabelecer as doutrinas calvinistas tradicionais. Ao contrário, elas eram reinterpretadas radicalmente e reaplicadas, de maneira que sua relevância era estendida para abranger a totalidade da existência humana {...}". (p. 96). Para nosso autor, Kuyper jamais defendeu um novo calvinismo, mas sim, "ele via a necessidade de modernização, aplicando os princípios do calvinismo em todas as disciplinas científicas, especialmente no desenvolvimento de uma moderna teoria calvinista do conhecimento, para fazer frente às questões epistemológicas levantadas pelos filósofos protestantes desde Kant." (p. 96, 97). A doutrina calvinista da Graça Comum se relaciona intimamente com os cinco pontos do calvinismo, do cânone de Dort (1618-19), pois a Depravação Total do homem demonstra a força radical do pecado sobre o ser humano, em contrariedade ao pensamento modernista que indica a capacidade do homem ser bom o bastante para alcançar o progresso; sendo que, a graça comum aponta para o modo como Deus sustenta valores e bondade no mundo e no homem, segundo a sua Soberania e propósito. Para Kuyper, o calvinismo não é uma doutrina eclesial, mas "uma concepção de vida e do mundo capaz de fornecer não só orientação para o pensamento, mas também direção para a ação em todas as áreas da vida." (p. 97). ABRAHAM KUYPER: UM MODELO DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL. Apresentamos agora, alguns tópicos do pensamento de Kuyper acerca de uma Cosmovisão Reformada. O primeiro item trata da relação do Cristianismo diante do Estado na sociedade. Kuyper desenvolve três princípios sobre a Soberania de Deus, para que possamos entender o modo como os cristãos devem atuar e se relacionar diante das autoridades de governo. "Existe um princípio dominante no calvinismo, do qual nascem as suas convicções políticas. Trata-se da soberania primordial que se irradia numa tríplice supremacia, a saber: a soberania do Estado; a soberania da sociedade; e a soberania da igreja." (p. 99-100). Segundo Kuyper, toda a humanidade é somente uma raça e um sangue, e por isso, toda a existência humana deveria ocorrer "segundo um modelo patriarcal de vida familiar." No entanto, devido ao pecado e suas corrupções estarem no homem e no mundo, surgiu a necessidade do magistrado e da polícia, das forças armadas etc; posto que num mundo sem pecado, "toda regra, ordenança e lei caducaria, assim como todo controle e afirmação do poder magistrado desapareceria." (p. 100). Segue o resumo das teses calvinistas de Kuyper sobre uma fé diante da política: Somente Deus é soberano sobre o destino das nações, pois Ele as criou e sustenta, e já que o pecado tem arruínado o governo direto de Deus na arena política, o Senhor estabelece autoridades humanas nessa situação. Uma autoridade que não pode gerar uma submissão ilimitada dos homens uns perante os outros, pois trata-se de uma autoridade dada conforme a soberana majestade de Deus. Assim, em decorrência e pela razão de que a autoridade do Estado surgiu na realidade humana devido ao pecado, e pela necessidade de trazer ordem à vida social da humanidade; então, "num sentido calvinista, nós entendemos que a família, os negócios, a ciência, a arte e assim por diante, todas são esferas sociais que não derivam sua existência ao Estado; e a lei de sua vida da superioridade do Estado, mas obedecem a uma alta autoridade de seu próprio seio; uma autoridade que governa pela graça de Deus, do mesmo modo como faz a soberania do Estado." (p. 101). Neste sentido, "segundo Kuyper, é da mais alta importância saber diferenciar a autoridade orgânica da sociedade da autoridade mecânica do governo." Nas outras esferas da vida, a autoridade é decorrente de uma capacidade oriunda da própria natureza de cada campo da existência, ao contrário do Estado, que recebe autoridade devido à necessidade de ordem no caos do pecado. Assim, "{...} toda ciência é apenas a aplicação, no cosmos, dos poderes de investigação e pensamento criados dentro de nós; e a arte nada mais é do que a produtividade natural dos poderes da imaginação. {...} Nesse contexto, Kuyper entende que a legítima soberania do Estado sobre o indivíduo e áreas da vida humana, ocorre de três formas: - quando há conflitos entre áreas particulares, para orientar respeito entre elas; - na defesa das pessoas que são submetidas pelo abuso de poder de outros, em suas próprias esferas de convivência; e ainda, - "3. (Para) constranger a todos a exercerem as obrigações pessoais e financeiras para a manutenção da unidade natural do Estado." (p. 102). Acerca da soberania do indivíduo, Kuyper ensina que todo ser humano é soberano sobre as decisões de sua vida, e somente Deus está acima dele; sendo um "dever do Estado, pois, garantir a liberdade de consciência, garanti-la até perante a igreja e conta o despotismo." (p. 102). Kuyper buscou esclarecer qual era o conflito maior que o Cristianismo enfrentava na sua época, vindo a definir que o mesmo se dava diante do modernismo. Kuyper: "Dois sistemas de vida estão em combate mortal. O modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a "herança cristã". Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta é a luta por princípios em que meu próprio país está arraigado, e na qual eu mesmo tenho gastado todas as minhas energias por quase quarenta anos." (p. 102-103). CIÊNCIA E ARTES. Na área científica, a proposição calvinista de kuyper para a busca do conhecimento trouxe grandes conflitos com o modernismo, pois o autor reformado defendia que o real entendimento dos fatos requer descobrir o modo como Deus governa e sustenta a realidade. Ele argumenta que não há conflito entre fé e ciência, posto que o conhecimento adquirido pelos sentidos do ser humano é uma experiência viva e verdadeira da realidade. Sendo oriunda do fato de que somos pessoas conscientes de que estamos debaixo de uma realidade superior, a qual devemos perceber e utilizar na busca e apreensão de todo conhecimento. Para Kuyper, o conflito entre os modelos de ciência e conhecimento origina do fato de se acreditar, de um lado, que o universo e mundo estão em um progresso natural, ou de outra forma, que a história se desenvolve a partir de uma corrupção ocorrida na antiguidade, e que agora precisa ser reparada; sendo que estas "duas elaborações científicas opostas uma à outra, cada uma tendo sua própria fé {...} ambas estão disputando com perseverança todo domínio de vida...". (p. 106). Kuyper destaca o valor calvinista de que a arte é uma experiência humana universal que ocorre conforme à realidade social e natural em que se desenvolve. Explica a diferença entre avaliar a arte no interesse de valorar a moral do ser humano em uma determinada prática artística, do que somente depreciar um movimento cultural por sua técnica e estética. Sendo que, para o pensador reformado, a própria "aliança entre religião e arte representa uma baixa forma de religiosidade": "Em cada país onde o calvinismo surgiu, ele levou a uma multiformidade de tendências da vida, quebrou o poder do Estado dentro do campo da religião e, numa grande extensão, pôs fim ao sacerdotalismo...". (p. 107-108). Kuyper entende que o momento na história em que a Arte esteve subordinada à religiosiade foi uma experiência de religião inferior, como da antiga aliança, em contraste com a religiosidade verdadeira da nova aliança. Da mesma forma, não se pode tutelar e utilizar a arte para promover a religião como ocorreu na idade média, posto que são símbolos de uma religião dependente da estética; sendo algo inferior e que cujo período e tempo ficou para trás. "Concordando basicamente com Hegel e von Harmann, Kuyper conclui que religião e arte tem suas próprias esferas de vida, não podendo ser separadas no início, mas adquirindo identidades próprias ao atingirem a maturidade. Esse processo de maturidade e separação, segundo ele, é o "processo de Arão para Cristo, de Bezaleel e Aoliabe para os apóstolos". (p. 108). Eis o motivo porque o calvinismo buscou libertar a arte para que viesse a se desenvolver dentro de sua esfera própria pela experiência humana, ao invés de edificar uma específicia "arte calvinista". Acerca do modo como a arte pode ser integrada à religião, Kuyper faz duras críticas aos que buscam maior espiritualidade nos cultos procurando trazer as representações simbólicas e "formas de adoração sensorial" para as celebrações. Ao contrário, argumenta que "esta fraqueza da vida religiosa deve inspirar à oração por uma obra mais poderosa do Espírito Santo." (p. 109). Ao concluir, explica que, "nossa vida intelectual, ética, religiosa e estética, cada uma comanda uma esfera própria. Essas esferas correm paralelas e não permitem derivação de uma para a outra. É a emoção central, o impulso central e o entusiasmo central, na raiz mística do nosso ser, que procura revelar-se para o mundo exterior nessa quádrupla manifestação...". (p. 110). Desta forma, Kuyper diferencia e valoriza as áreas autonômas da religião, da arte e outras, como também, apresenta o modo em que o cristão calvinista não irá perceber e desenvolver nenhuma dessas áreas em contrariedade diante da realidade última, Deus, que ele reconhece segundo seu conhecimento religioso. AGENDA PARA O FUTURO. Kuyper observou que a sociedade ocidental estava desprezando o cristianismo como fonte de conhecimento, ao mesmo tempo em que negava algumas virtudes e bençãos históricas que essa religião havia ofertado para a humanidade. "A filosofia moderna considerava o cristianismo como superado, supérfluo, entrando na era pós-cristã." (p. 110). Nesse contexto e situação, Kuyper buscou um conteúdo religioso cristão que pudesse orientar os cristãos e sociedade no conhecimento do Cristianismo bíblico, e entendeu que seria o calvinismo. O autor do artigo faz breve análise sobre as mudanças sociais que Abraham Kuyper liderou na Holanda, destacando a organização de um partido político conservador e democrático, além da criação da Universidade Livre de Amsterdã. Kuyper também foi o responsável por uma transformação social inovadora, na qual as diferenças entre as pessoas e comunidades foram mais ideológicas do que baseadas na economia e classe social. Desta forma, cada movimento de pensamento tinha a liberdade e a condição de criar e administrar "instituições sociais e políticas com mínima interferência governamental e de acordo com suas próprias persuasões ideológicas." (p. 114). "Ele pretendia oferecer um programa alternativo para uma renovação cultural e política, diferente daquele oferecido pelos ideais iluministas da Revolução Francesa, a qual, acreditava-se, estava fazendo um estrago na sociedade holandesa em todos os níveis. Com sua persistente agitação para maiores liberdades educacionais, sociais e políticas para os grupos minoritários na sociedade, Kuyper pretendeu ser um líder progressista e inovador." (p. 115). Conclusão. Citações. "As ideias teológicas de Kuyper não devem ser simplesmente copiadas para os dias de hoje. Ele mesmo se oporia a isso. O que deve ser feito é um estudo dos princípios por trás dos seus ensinamentos para poder aplica-los em nossa realidade presente, em concordância com os ensinamentos da Palavra. {...} boa prática seria promover estudos aprofundados da vida e obra de Calvino para poder avaliar de que forma Kuyper se apropria dos princípios calvinistas na sua cosmovisão. {...} Finalmente, se Kuyper está certo quanto a ser o calvinismo atualizado uma legítima biocosmovisão, em condições de poder representar de maneira consistente o cristianismo, então ele pode ser aplicado a todas as áreas da vida, de maneira a revitalizar profundamente o relacionamento do homem com Deus, consigo mesmo e com o próximo - por fim, com o mundo onde ele vive " (p. 119 - 122). REFERÊNCIAS. RIBEIRO DE CARVALHO, Guilherme Vilela e outros (organizadores) Cosmovisão Cristã e Transformação. Viçosa, MG : Ultimato, 2006. Artigo: Abraham Kuyper: Um modelo de transformação integral, por Nilson Moutinho dos Santos. Goheen, Michael W e Bartholomew, Craig G. Introdução à Cosmovisão Cristã. São Paulo, Vida Nova, 2016. McGrath, Alister. Teologis sist, hist e filosófica. Sheed Publicações, São Paulo SP, 2005. Nash, Ronald. Cosmovisões em conflito. Brasília, Edit Monergismo, 2012. Leite, Carvalho e Cunha (org). Cosmovisão Cristã e Transformação. Carlos Souza, artigo. Viçosa,MG, Edit Ultimato, 2006. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo, Edit Cultura Cristã, 2003. Ruppell Jr, Ivan Santos e Andrade, Marli. O Cristianismo e a Civilização Ocidental. Edit Intersaberes, Curitiba Pr, 2020. Carlos Souza, artigo. Viçosa,MG, Edit Ultimato, 2006. Kuyper, Abraham. Calvinismo. São Paulo, Edit Cultura Cristã, 2003. Autor. Ivan Santos Rüppell Jr é Professor de ciências da religião e Teologia.

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